Vacinas falsas. O ‘ouro líquido’ dos criminosos

O criminólogo Federico Varese alertou ao SOL que grupos organizados podem infiltrar vacinas falsificadas no nosso dia-a-dia.

A Interpol lançou um alerta global para possíveis falsificações, roubo ou promoção ilegal de vacinas contra a covid-19, ou «ouro líquido», nas palavras da agência internacional de polícia. «A pandemia já deu origem a uma atividade criminosa predatória e oportunista sem precedentes», alerta a Interpol, que ressalta já ter verificado «a promoção, venda e administração de falsas vacinas» contra o novo coronavírus.

Este alerta surge numa altura em que diversos países, como o Reino Unido, aprovaram que a vacinação da população se inicie no espaço de semanas. «À medida que várias vacinas para a covid-19 se aproximam da aprovação (…) será crucial garantir a segurança da cadeia de abastecimento e identificar sites ilícitos que vendem produtos falsificados na internet», afirma a Interpol.

 

Um grande mercado a explorar

«Há um grande mercado para medicamentos falsos e de baixa qualidade em certas partes do mundo», avisou ao SOL o criminólogo italiano Federico Varese, professor na Universidade de Oxford, alertando que este tipo de fraude também acontece «offline», destacando o continente africano como grande fonte de preocupação.

«Países como a Nigéria ou o Zimbabué têm um grave problema. Grandes porções de medicamentos que lhes são vendidos, boa parte fabricados na Ásia, são falsos ou estão expirados», explica Varese.

Os responsáveis por este contrabando, segundo o professor, autor do livro Mafia Life, não são necessariamente «as máfias tradicionais», «são pessoas que estão habituadas a vender mercadorias ilegais, que estão para além destes grupos». Compram os medicamentos falsificados, produzidos maioritariamente na China e na Índia, para os distribuir, em grande escala, em países subdesenvolvidos. Ainda o mês passado, as autoridades do Camboja, no Sudeste asiático, reportaram que destruíram cerca de 540 toneladas de medicamentos falsificados.

 

Quando virá este problema bater à nossa porta?

Questionado se esta burla também poderá acontecer em países ocidentais, o criminólogo afirma que não ficaria surpreendido por ver a vacina contra a covid-19 a ser vendida online por burlões. «Todo o tipo de países correm o risco de sofrer este tipo de burla. Para mim, a solução é tornar a vacina disponível e aconselhar as pessoas a não a comprar online», disse Varese.

«Ainda bem que a Interpol emitiu este alerta», admite. «É preciso ter muito cuidado e não tomar uma vacina que não venha de uma fonte segura. Para os criminosos, esta é apenas mais uma falsificação que estão a vender online. Devemos ter muito cuidado».

Importa lembrar que a pandemia, além de ter criado uma enorme crise económica e perturbado o comércio internacional, também abriu oportunidade para redes de criminosos poderem lucrar das mais variadas formas, incluindo na Europa,

Em Paris, no início de novembro, as autoridades descobriram a operação de um grupo de seis homens e uma mulher, de 29 a 52 anos, que vendiam falsificações de testes negativos à covid-19 no aeroporto de Paris-Charles de Gaulle, para permitiram o embarque de passageiros em voos internacionais. Foram vendidos «mais de 200 certificados negativos falsos» para a covid-19, segundo as autoridades.

Varese observa que, por exemplo, já foi reportado que a Camorra, organização criminosa italiana, aliada à máfia siciliana, «está envolvida na criação de produtos falsificados criados em Nápoles, como o desenvolvimento de desinfetantes, e a explorar monetariamente a pandemia».

No entanto, para o criminólogo, o contrabando de medicamentos nem é o pior problema da sua terra natal. «Há muitas pessoas a viver na pobreza e os apoios oferecidos pelo Estado são poucos e lentos a chegar a quem precisa deles».

«O que significa que haverá muitas pessoas a pedir ajuda financeira a agiotas, o que poderá ser um grande negócio para o crime organizado durante a pandemia», explica Varese, argumentando que os pequenos empresários vão virar-se para estas fontes informais de dinheiro para poderem manter os seus negócios a funcionar, «uma vez que os bancos não vão poder emprestar dinheiro a estes pequenos negócios».

Os mafiosos «vão dizer que isto é só uma ajuda. Mas só estão a tentar aproveitar-se das pessoas e a arrastá-las para esta teia».