Uma maré de agricultores revoltados inunda a Índia

Juntaram-se à greve geral centenas de sindicatos e toda a oposição. Protestam a desregulação da venda de produtos agrícolas, facilitando a entrada de grandes empresas agropecuárias no mercado.

Centenas de milhares de agricultores saíram ontem à rua na Índia, esta quarta-feira, bloqueando autoestradas e linhas férreas estratégicas, paralisando o país e esvaziando mercados alimentares em megacidades como Nova Deli e Bombaim, após semanas acampados às portas da capital. Protestam contra as novas leis aprovadas pelo Governo nacionalista hindu de Narendra Modi, que desregulam a venda de produtos agrícolas, sujeitando um setor alicerçado em subsídios estatais às leis do mercado, em benefício das grandes empresas agropecuárias.

“Nós não queremos qualquer discussão sobre emendas a estas leis, estamos aqui simplesmente para dizer a Narendra Modi que as revogue”, disse Sansar Singh, que como boa parte dos revoltosos, é oriundo do Punjab, um estado conhecido como a “tigela de arroz” da Índia. “Não estamos a brincar à política aqui, sentimos que as leis vão beneficiar corporações e não agricultores pobres como nós”, explicou à Al Jazira.

Até agora o Governo de Modi mantém a sua defesa das reformas, que afirma visarem aumentar a eficiência agrícola do país. Enfrentam uma greve geral, ou Bharat Bandh, a que se juntaram centenas de sindicatos, toda a oposição e até alguns partidos aliados de Modi.

Os bloqueios massivos tornaram-se uma enorme demonstração de força de um setor que emprega mais de metade dos 1,4 mil milhões de indianos, mas representa apenas 16% do PIB. Há muito que a agricultura está em crise na Índia – nos últimos anos houve centenas de casos de agricultores endividados que tiraram as suas próprias vidas.

Os agricultores indianos “são verdadeiros filhos da terra, enfrentam todas as dificuldades para tornar os terrenos mais estéreis em campos fecundos. Sabem o que é sofrer e o que custa encher estômagos vazios”, escreveu Manpreet Badal, ministro das Finanças do Punjab, no the Print, lembrando que foram agricultores sikh que recuperaram a indústria do queijo parmesão em Itália, ou a produção de amendoins na Argentina.

“Eles estão a pedir paridade, não caridade”, considerou Badal, lamentando que, nas últimas semanas o Governo tenha reprimido os revoltosos – cujos protestos foram, até agora, totalmente pacíficos – com cargas policiais e canhões de água, no frio inverno de Nova Deli, mostrando-se pouco disposto a negociar. “Em vez disso, escolheram um tom condescendente. E tiveram a audácia de sugerir que os agricultores não compreendem a agricultura!”.

Excedentes e reformas Desde a “Revolução Verde”, nos anos 60, que o Governo indiano gere mercados subsidiados, com preços mínimos para certas colheitas, a que se atribuí o feito de acabar com as grandes fomes anuais, passando o país a ter excedentes – quando a Índia fechou abruptamente, em março, esses mercados garantiram que haveria 100 milhões de toneladas de cereais disponíveis, o suficiente para uns 18 meses.

As novas leis manterão alguns preços subsidiados, mas permitirão a empresas agropecuárias comprar maiores terrenos e negociar diretamente com agricultores. Além disso, também penalizam as grandes queimadas em terrenos agrícolas, que todos os anos deixam Nova Deli envolta em fumo, com níveis perigosos de poluição no ar – os agricultores exigem que o Governo ajude a pagar métodos mais ecológicos, em vez de os multar.

“Não há dúvida que a agricultura e os mercados precisam de um investimento público muito sério e reformas”, considerou Mekhala Krishnamurthy, investigador do Centre for Policy Research, à Time. “A narrativa que, em vez disso, haverá investimento privado. Mas isso não é algo que dê grande conforto a muitos agricultores”.