PS atira-se a Marcelo

António Costa reafirmou total confiança no seu ministro, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter colocado pressão no Ministério da Administração Interna sobre os problemas do SEF. No PS, o tom de Belém não foi bem recebido, apesar de a imagem do governante estar desgastada.

por Cristina Rita e Luís Claro

 

Era a peça que faltava num puzzle de difícil gestão: o primeiro-ministro, António Costa, manifestou ontem «total confiança» no ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, apesar da polémica sobre a morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk no SEF, e dos pedidos de demissão à esquerda e à direita. Dito de outra forma:  o governante mantém-se no Governo. Mais, segundo fontes parlamentares socialistas, não teria vontade de sair, apesar de ter colocado a decisão nas mãos do chefe do Executivo (e amigo pessoal). Costa, recorde-se, abriu ontem uma exceção para falar, a partir de Bruxelas, sobre um problema interno com um ministro, já depois de uma intervenção dura do Presidente da República sobre o caso: «Mantenho total confiança no Dr. Eduardo Cabrita como ministro da Administração Interna. Foi o ministro que fez o que lhe competia fazer. Assim que houve notícia do caso, mandou abrir um inquérito. O inquérito que mandou abrir foi o que permitiu apurar a totalidade da verdade. Comunicou imediatamente às autoridades judiciárias para procederem criminalmente. E assegurou, com a senhora Provedora de Justiça, um mecanismo ágil para poder ser feita a reparação devida à família por este ato bárbaro que ocorreu por parte de uma força de segurança».

O primeiro-ministro foi mais longe e reforçou a ideia de manutenção de Eduardo Cabrita. O chefe de Governo lembrou que o ministro «tem já pronta a reforma do nosso sistema de polícia de fronteiras, que sofrerá uma reforma profunda». É expectável que Cabrita possa levantar uma ponta de véu desta reforma no próximo dia 15, quando for ouvido na comissão de Assuntos Constitucionais.

Na véspera, antes da reação de Costa, Marcelo Rebelo de Sousa tinha passado duas mensagens: desde logo, era preciso saber se o ato que levou à morte do cidadão ucraniano (um caso de homicídio qualificado para o Ministério Público e que envolve três inspetores do SEF), era uma situação isolada ou sistémica. Caso se prove ser sistémica, então o SEF «não serve». Mas havia outra mensagem que o Presidente da República também quis dar: era preciso perceber se os protagonistas «que deram vida ao sistema durante um determinado período podem ser protagonistas do período seguinte, se não devem ser outros os protagonistas do período seguinte». Neste quadro, Belém colocou a ênfase também nos dirigentes políticos, aumentado a pressão sobre Eduardo Cabrita, tal como fez com Constança Urbana de Sousa em outubro de 2017, quando pediu um novo ciclo ao Governo, após a pior vaga de incêndios no país.

Na altura, surpreendeu Costa com o seu tom crítico. Agora, no PS, há quem lembre que Marcelo Rebelo de Sousa também não abordou a morte de  Ihor Homeniuk ao longo de nove meses. «Não o vi fazer nada durante nove meses», diz um deputado socialista.

O Presidente foi confrontado com esse facto e lembrou aos jornalistas que defendeu uma investigação «até às últimas consequências». _De realçar que Marcelo tomou posição sobre o caso do SEF, depois de Cabrita ter dito que estava de consciência tranquila e recordou o seu trabalho nos últimos três anos, designadamente, «sem vidas perdidas de civis em incêndios rurais, três anos sucessivos de incêndios rurais sempre abaixo significativamente da área ardida, de tal maneira que essa condicionante à recandidatura à Presidência República do actual Presidente da República foi afastada». Ora, Marcelo disse  em 2018 que, se voltasse a ocorrer nova tragédia nos incêndios, isso seria, «só por si, impeditivo de uma recandidatura».

 Entre socialistas houve críticas à atuação de Cabrita, por não ter ligado à família da vítima ou avançado antes com a indemnização aos familiares (decidida entretanto na passada quinta-feira), e ter mantido durante tanto tempo a diretora nacional do SEF. Que só saiu na passada quarta-feira. «Houve uma resposta tardia, mas o ministro tem condições para se manter», considerou ao SOL uma fonte parlamentar do PS. Para dar força a esse descontentamento com o ministro, a própria líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, avisou que a saída de Cristina Gatões «pecou por tardia». E exortou o ministro a dar explicações no Parlamento.  Isto depois de vários socialistas terem manifestado o seu desagrado pela gestão do processo em vários comentários nas redes sociais ao longo dos últimos meses. O desgaste está lá, mas não chega para Cabrita sair.

Por seu turno, José Magalhães, deputado socialista que também é vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais (onde será ouvido o ministro), começa por lembrar ao SOL que não deve «ser alterada a linha de rumo traçada em abril». O deputado aludia a um caderno de encargos definido a partir da primeira audição do ministro sobre este caso, a 8 de abril, quando foram anunciados novos mecanismos, regulamentos e revisão de regras. Para o deputado, infelizmente, em relação ao caso concreto de  Ihor Homeniuk, há questões sobre o que aconteceu entre a morte do cidadão ucraniano e a autópsia do médico legista que só serão esclarecidos «quando a máquina judicial, no seu ritmo, produzir o seus resultados».

 Questionado pelo SOL se Cristina Gatões já deveria ter saído há mais tempo, Magalhães é perentório: « Disso não tenho dúvida nenhuma. Essa inércia custou danos reputacionais à própria, mas sobretudo ao SEF e a fatura foi endossada ao ministro».

José Magalhães recorda que o primeiro-ministro já respondeu sobre a continuidade no Governo de Eduardo Cabrita, mas desafia  Marcelo na qualidade de recandidato presidencial, sobre que « modelo de polícia de fronteiras e acolhimento de pessoas em movimento migratório defende». Quanto ao PS, garante que o debate será feito e não se esgota na audição do ministro. Inclui a provedora de Justiça e quem possa dar mais contributos. Afinal, há uma «folha de obra» do PS a defender.

Isto enquanto a oposição pede a demissão do ministro. O BE assumiu-o quinta-feira à noite, o PAN pediu que a manutenção de Cabrita fosse repensada e a IL foi a primeira a pedir demissão.

 Do lado do PSD, Rui Rio remeteu a responsabilidade da saída do ministro para António Costa, mas deu respaldo ao deputado Duarte Marques para gerir o processo de reações ao longo da semana. E o parlamentar foi mais contundente. «O ministro da Administração Interna já não tem condições para se manter no cargo», declarou ao SOL, insistindo que «o Governo borrifou-se durante nove meses. Geriu com os pés um assunto de elevada sensibilidade». Para o deputado social-democrata, há um «clima de impunidade politica recorrente neste Governo».

Ontem, Eduardo Cabrita reuniu com a embaixadora da Ucrânia, a quem deu oficialmente conta das decisões do Governo em indemnizar a família de Ihor Homeniuk. Mais, entregou uma carta dirigida à viúva Oksana Homeniuk em que reforça o pedido de condolências (feito em abril, mas apenas à embaixadora) e explicou as decisões mais recentes do Executivo.