Quem quer ser primeiro-ministro?

Os últimos meses têm sido muito desgastantes para o primeiro-ministro e para alguns ministros, e o próximo ano é capaz de ser pior.

Fala-se muito em ‘desgaste do Governo’. Diz-se mesmo que António Costa não chegará ao fim da legislatura.

E o passado dá crédito a essa ideia: os dois primeiros-ministros socialistas que antecederam António Costa – António Guterres e José Sócrates –, caíram a meio do segundo mandato, ao fim de seis anos no Governo.

Não custa muito a crer que aconteça o mesmo a Costa.

Os últimos meses têm sido muito desgastantes para o primeiro-ministro e para alguns ministros, e o próximo ano é capaz de ser pior.

Mas pergunto: se António Costa cair, quem quererá ser chefe do Governo no quadro terrível que nos espera?

Tradicionalmente, a direita tem vindo a remediar os desmandos financeiros dos governos socialistas: Durão Barroso veio secar o pântano de António Guterres (soltando a célebre frase «O país está de tanga!») e Passos Coelho veio remediar a bancarrota de José Sócrates.

Será que Rui Rio quererá, na esteira dos seus antecessores, fazer o papel de bombeiro e vir gerir a tremenda crise que Portugal vai viver nos próximos anos, com os estragos económicos provocados pela pandemia?

Será que Rui Rio quererá passar o suplício por que passou Pedro Passos Coelho, com greves, insultos, manifestações diárias nas ruas, ataques de toda a espécie e de toda a parte (até de pessoas do seu partido)?

Será isto que Rui Rio deseja para si?

Dir-se-á que a situação agora é diferente, pois não se trata de uma crise provocada por erros de governação mas sim por uma doença – pelo que a culpa não será assacada a ninguém.

Mas será mesmo assim?

Passos Coelho tinha alguma culpa da bancarrota?

Não fora ela da responsabilidade de Sócrates, que chamara a troika e negociara com ela o memorando de entendimento?

E isso libertou Passos Coelho de responsabilidades?

Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.

Quando o desemprego apertar, quando a fome apertar, quando as famílias começarem a não saber para onde se virar, todos pedirão responsabilidades ao Governo – e quem lá estiver é que pagará a fatura.

Aliás, Portugal não está livre de vir a ter de recorrer de novo à ajuda financeira externa, o que implicará uma reedição da troika.

Se os números da dívida pública ultrapassarem a fasquia do razoável, os juros subirão em flecha e poderão atingir valores incomportáveis, obrigando a novo recurso às instâncias internacionais.

E não será a ‘bazuca’ da UE que nos livrará dessa situação.

Se a crise se aprofundar, a ‘bazuca’ poderá revelar-se uma vulgar espingarda para fazer face às necessidades financeiras da ocasião.

E, se o Governo português for obrigado a recorrer à ajuda externa, não poderá dizer, como Costa tem dito, que não haverá medidas de austeridade.

Será a troika a impô-las.

Julgo, pois, que Rui Rio deverá estar quietinho e deixar António Costa resolver os problemas que aí vêm.

Até porque, se for para o Governo, a esquerda não lhe dará tréguas: o Partido Comunista, a Intersindical, o Bloco de Esquerda, mesmo o Partido Socialista, cair-lhe-ão em cima sem dó nem piedade, invocarão responsabilidades reais ou inventadas, ouvir-se-á falar outra vez da «direita neoliberal» (há muito tempo que não se ouve esta expressão) e das suas práticas ‘odiosas’.

Como aconteceu durante os anos da ultima troika, a esquerda fará a vida num inferno a um governo liderado pelo PSD.

Asssim, é tempo de ser a esquerda a apagar o fogo que ateou.

Claro que não teve culpa nenhuma da pandemia: seria imoral assacar-lhe responsabilidades pelos mortos ou pelas decisões tomadas.

Tentou com certeza fazer o melhor.

Mas teve culpa das reversões – da reversão da privatização da TAP, da reversão da privatização de algumas empresas de transportes públicos, da reversão das 40 horas na Função Pública.

Se não fossem estas decisões, e outras no mesmo sentido, alguns dos problemas que vamos ter nos próximos tempos não se colocariam.

A TAP pode vir a precisar de 10 mil milhões; e quem os vai pagar?

O Serviço Nacional de Saúde precisa de mais médicos, mais enfermeiros e mais pessoal auxiliar, também porque o regime das 35 horas reduziu o tempo de trabalho nos hospitais; e quem vai pagar as novas contratações?

Repito: Rui Rio deixe-se estar quietinho.
É o melhor que tem a fazer.

‘Quem boa cama faz, nela se deita’ – diz o ditado. E a inversa também é verdadeira.

É tempo de a esquerda se deitar na cama que fez com a ‘geringonça’.

Se Rui Rio tiver essa tentação, é certo e sabido que irá ter pesadelos.