Natal tremido. Contágio volta a subir em Lisboa

Número de casos tem estado a baixar mais lentamente do que se esperava e a subida do RT em Lisboa, de novo acima de 1, fez soar o alerta. Carmo Gomes admite que ‘a situação é muito frágil’. Governo decide medidas para Natal e Fim de Ano no dia 18.

Natal tremido. Contágio volta a subir em Lisboa

O número de casos de covid-19 e novas admissões nos hospitais continua a baixar no país, mas acenderam-se no final da semana luzes de alarme que deixam as perspetivas para o Natal um pouco menos festivas do que se antecipava há duas semanas. A descida está a ser mas lenta do que o que se antevia, explica ao SOL Manuel Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos peritos ouvidos regularmente pelo Governo. Na última reunião do Infarmed, a expectativa era que o país conseguisse uma redução média diária de novos casos de pelo menos de 2%, o que permitiria chegar ao Natal com cerca de 2500 a 3000 novos casos/dia – isto quando é apurada a média semanal, já que todas as semanas há oscilações nos casos reportados, com menos notificações ao fim de semana e mais no final da semana. A descida tem ficado abaixo desse patamar, que já na altura era encarado o mínimo confortável para que o país não arriscasse ficar num planalto ainda elevado de casos – com a perspetiva de, com maior folga nos contactos e convívios e festas, voltarem a subir os casos e internamentos ainda em números elevados nos hospitais e a exigir que as unidades mantenham parte da atividade programada, nomeadamente cirurgias, suspensa.

No Norte mantém-se a tendência de diminuição de casos e o RT (que dá indicação de que os casos estão a subir ou a descer) continua abaixo de 1, mas na região de Lisboa voltou a subir desse patamar. Já durante a semana, informação obtida pelo jornal i junto das administrações regionais de saúde de Lisboa e Vale do Tejo e da região Norte permitiu perceber que o número de internamentos tem estado a baixar no Norte do país, mais afetado na primeira vaga, mas ainda a subir em Lisboa. Mantendo-se uma tendência de crescimento de casos mesmo ligeira, numa altura em que oito concelhos da área metropolitana que na semana passada baixaram do patamar de incidência muito elevado têm um alívio de medidas, a pressão poderá continuar a ser crescente.

Depois de números mais baixos nos primeiros dias da semana, esta quinta-feira (os dados reportados ontem pela DGS) a região Lisboa foi a única do país onde foram notificados mais novos casos do que há sete dias. Foram reportados 1612 novos casos, mais 104 do que no mesmo dia da semana passada, uma subida ligeira, mas no feriado Lisboa também já tinha tido mais diagnósticos do que há uma semana, em contraciclo com a tendência no resto do país.

Questionada pelo SOL esta sexta-feira sobre a situação da epidemia em Lisboa e se o alívio de medidas não poderá levar a um agravamento dos indicadores ainda antes do Natal, a ministra da Saúde confirmou que os concelhos integrados na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo registam um risco de transmissão efetivo de 1,01. «Subiu ligeiramente face à última informação, mas sabemos que estes dados são preliminares, precisam de ser lidos com cuidado e ganhar estabilidade», sublinhou. «Não é a circunstância de uma região ter um dia um RT acima de 1 ou abaixo de 1 que nos deve fazer respirar de alívio ou pensar que fizemos alguma coisa de errado. Estes movimentos, que têm sido muito difíceis de reverter, são lentos e daí o nosso apelo constante ao cuidado nas medidas».

Justificando a decisão de aliviar medida nos concelhos da AML, Marta Temido salientou que o país optou, como outros países, por trabalhar nesta segunda fase da pandemia com níveis de risco associados a áreas geográficas. «Alguns concelhos da região de Lisboa e Vale do Tejo deixaram de estar em risco extremo ou muito elevado. Por isso tiveram nestes dias algum desagravamento de medidas, mas é muito importante que, independentemente do nível de risco, todos recordemos que alívio de medidas não é relaxamento e que os dias que vêm aí, de convívio, de troca de prendas, não podem ser vividos de forma habitual». Marta Temido garantiu no entanto que continuará a ser feita a avaliação e lembrou que o que aliviou, pode voltar a apertar: «Não hesitaremos, se necessário, em retomar medidas mais gravosas», advertiu, lembrando o que tem sido sempre pelo Governo e reiterando que a estratégia é tomar as medidas estritamente necessárias, quando necessárias.

Foram oito os concelhos da grande Lisboa a aliviar medidas, seis da margem Norte e dois da margem Sul, com base na incidência de novos por 100 mil habitantes calculada para os últimos 14 dias. O cálculo usado pelo Governo foi feito na quarta-feira 2 de dezembro, abrangendo assim a primeira segunda-feira com tolerância de ponto e o feriado de 1, dias com menos notificações e em que parte dos laboratórios estão fechados.

Os concelhos de Amadora e Sintra têm medidas levantadas muito próximo do patamar dos 480 casos por 100 mil habitantes, a fronteira do risco muito elevado que separa concelhos com e sem maiores restrições. Amadora 477 casos por 100 mil habitantes neste período avaliado e Sintra 460. O SOL tentou perceber durante a semana junto da DGS se, dado terem sido incluídos dois dias atípicos, não poderia haver uma subestimativa da incidência, mas não teve resposta e novos balanços foram remetidos para a próxima semana, como acontece sempre à segunda. A manter-se a regra, poderá haver o mesmo problema, agora com este período de 14 dias a abranger duas segundas-feiras com tolerância de ponto e dois feriados.

Portugal com menos testes nas duas últimas semanas

No relatório semanal do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças era ontem possível verificar que Portugal continuou na semana passada a baixar a incidência de covid-19, depois de um pico na semana de 20 de novembro. Ainda assim, pela segunda semana consecutiva baixou também o número de testes no país. A taxa de positividade voltou a subir ligeiramente. Questionada sobre se a descida de testes não poderá também estar a contribuir para menos casos diagnosticados, a ministra da Saúde confirmou a diminuição mas considerou que os números se mantêm estáveis.

Para Manuel Carmo Gomes, com a descida de incidência, é esperada uma diminuição do número de testes. Uma estabilização da taxa de positividade, que ainda permanece elevada acima de 13% (o patamar de alerta são os 4%), é no entanto o indicador menos positivo. “Vemos que há uma estabilização, o que surge em sintonia com o que vemos da descida do RT, sobretudo influenciada por Lisboa». Continuar a monitorizar deve ser a preocupação, sublinha, admitindo que as medidas atuais, mais ‘soft’, tornam mais difícil empurrar o RT para baixo de 1. «Vamos chegar possivelmente ao Natal ainda do torno dos 3000 casos por dia, quando esperávamos que pudessem ser menos. É uma situação muito frágil. O primeiro-ministro vai ter uma decisão difícil no dia 18», admite. «É um cenário pior do que antecipávamos há uma semana. Acreditávamos que seria possível baixar mais, mas estamos a ver que não conseguimos».

Semanas atípicas pedem prudência

Também Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a covid-19, defendeu ao SOL que a evolução da epidemia pede prudência na avaliação. Questionado sobre a descida de testes nas últimas duas semanas, reportada pelo ECDC, o médico sublinha que é expectável em semanas com fins de semana prolongados, mas devem ser tidos em conta na contextualização de medidas. «Tivemos duas semanas com duas pontes pelo meio que condicionam o número de testes realizados, o que pode condicionar o número de novos casos diagnosticados. Nesse sentido é preciso prudência e esperar mais alguns dias antes de fundamentar outras decisões. Tudo terá de ser avaliado tendo em conta que estas duas semanas foram semanas atípicas», adverte.