O Presidente

Vezes demais vimos o Presidente não apenas a cooperar, mas a assumir como sua – e como se fosse dos portugueses – a voz do Governo.

por Filipe Anacoreta Correia
Advogado

1. Vem de Eanes e ficou célebre com Mário Soares o cunho do Chefe de Estado português. Ao dizer-se de todos os portugueses, o destino do Presidente é apreender em cada momento o que eles querem. Unir, fortalecer e ser o intérprete desse vento que sente pelas costas. Mesmo que contra aqueles que o elegeram.

2. Foi assim com Mário Soares, com Jorge Sampaio e com Aníbal Cavaco Silva. O reforço dos Presidentes fez-se na disponibilidade para enquadrar as forças políticas contra as quais se afirmaram no seu trajeto partidário anterior. Tudo porque são de todos os portugueses.

3. Não deixa de ser paradoxal que, no nosso sistema, o resultado da única eleição unipessoal por sufrágio universal – com a legitimidade reforçada daí decorrente – remeta para a quase irrelevância aqueles que lhe valeram a eleição. O mandato não tem programa, nem vínculos, apenas o desígnio de ser de e para todos.

4. Marcelo Rebelo de Sousa não foi diferente dos seus antecessores. Apenas foi mais longe. A solidariedade institucional (com Cavaco batizada de cooperação estratégica) – que caracterizou no passado os relacionamento entre Presidente e Governo – deu lugar à cumplicidade institucional. Vezes demais vimos o Presidente não apenas a cooperar, mas a assumir como sua – e como se fosse dos portugueses – a voz do Governo.

5. Marcelo Rebelo de Sousa é acima de tudo independente. Sendo provavelmente o mais popular dos portugueses, não é de ninguém, nem do PSD, nem da Direita, nem de coisa nenhuma. E nesse sentido, encarna como ninguém aquilo que o sistema constitucional espera de um incumbente.

6. A pergunta que se coloca – e não apenas com Marcelo – é qual então o interesse de uma oposição contribuir para a eleição de um Presidente que, quando mais precisa dele, não está presente?

7. É preciso ter presente a história do exercício presidencial. O que tem sucedido é que os Presidentes, no seu foco de absorver o sentir popular, muitas vezes (quase sempre mas não necessariamente na passagem do primeiro para o segundo mandato), são os primeiros a intuir a mudança dos ventos. E quando isso sucede têm também uma palavra nesse processo.

8. Esse papel enquadrador tem-se revelado garante de estabilidade institucional na alternância democrática. O elemento que permanece é o presidencial – e num país que está sempre a começar do zero, não é um aspeto a menosprezar.

9. Marcelo Rebelo de Sousa é talvez dos políticos portugueses mais qualificados e não precisa que se enalteçam as suas qualidades nem os seus defeitos. É transparente e certamente excessivo. O que se espera dele é que, na viragem do ciclo, seja capaz também de assumir uma nova energia, diante de novos rostos e novas políticas.

10. Estando associado ao elogio da solução parlamentar que enquadrou a ‘geringonça’, terá de ser capaz de enquadrar, com o vento pelas costas, a decisão que só os portugueses podem tomar: reforçar uma alternativa parlamentar que reponha Portugal no mapa do mundo. Mesmo que contra  alguns daqueles que o reelegerão.