StayClose Covid

Como está mais do que provado, ninguém está livre deste coronavírus, seja quem mais o desvalorizou ou relativizou, como Donald Trump, Jair Bolsonaro ou, numa primeira fase, Boris Johnson, seja quem mais o respeitou, como a diretora-geral de Saúde, Graça Freitas, ou o Presidente francês, Emmanuel Macron.

Se o que as autoridades de saúde têm repetido à exaustão é verdade – e o cidadão comum não deve ir a correr fazer teste à covid-19 mal tem conhecimento de ter estado em contacto com pessoa infetada –, o que se passou nesta semana com António Costa e as imagens do primeiro-ministro português a sujeitar-se ao teste da zaragatoa imediatamente após ter sido noticiado que Emmanuel Macron, com quem almoçara na véspera, testou positivo, é mais uma operação de marketing político que em nada ajuda ao esclarecimento da população nem ao combate à covid-19. Desde logo, porque não contribui para a credibilidade das autoridades de Saúde, como a direção geral de Graça Freitas (cujo infortúnio da infeção numa reunião interna dos serviços também não veio ajudar em nada), nem muito menos do Governo e do próprio primeiro-ministro.

E isto sobretudo numa semana em que a mensagem oficial nas vésperas das Festas de Natal, no país, na Europa e no Mundo, é ‘não baixar a guarda’ nem ‘mascarar’ os riscos da pandemia, apelando-se à ‘responsabilidade’ dos cidadãos para evitar uma terceira vaga em janeiro.

Como está mais do que provado, ninguém está livre deste coronavírus, seja quem mais o desvalorizou ou relativizou, como Donald Trump, Jair Bolsonaro ou, numa primeira fase, Boris Johnson, seja quem mais o respeitou, como a diretora-geral de Saúde, Graça Freitas, ou o Presidente francês, Emmanuel Macron.

Ora, se o teste de António Costa já estava marcado por causa da visita a África, e nada tinha a ver com Emmanuel Macron ter testado positivo, então o primeiro-ministro não deveria ter alimentado tamanho e inusitado espetáculo.

Porque, se esteve com o Presidente francês a almoçar em sala fechada no dia anterior e se ambos observaram os cuidados mais elementares e as recomendações da Organização Mundial de Saúde, a testagem no dia imediatamente seguinte ao referido encontro só se justificaria caso houvesse desconfiança de que teria sido Costa a contagiar Macron. De outro modo, se não apresentava qualquer sintoma, mesmo que tivesse sido infetado por este último, só muito dificilmente o resultado do referido teste teria sido diferente apenas 24 horas passadas sobre o contacto de risco.

As imagens do encontro mostram António Costa a chegar ao Palácio do Eliseu, a dirigir-se a Emmanuel Macron e a cumprimentá-lo com uma ligeira vénia e com as mãos sobrepostas e juntas ao seu próprio peito, mas a ser quase abraçado pelo seu anfitrião, que o agarra com ambas as mãos pelos braços e a uma distância que viola claramente os mínimos aconselháveis – embora usando máscaras, os seus rostos ficaram a pouco mais de dois palmos.

Conclusão, o primeiro-ministro português entrou em isolamento profilático preventivo – ou seja, em quarentena – até à avaliação do grau de risco pelas autoridades de saúde competentes; que é o comportamento adequado e que deve ser pedido a todos os cidadãos, independentemente da sua condição. E só após a avaliação do risco e passado o período de incubação, é que o potencial infetado deveria sujeitar-se ao assim mais fiável e esclarecedor teste.

No fim da primeira vaga, em junho, António Costa deu um puxão de orelhas a Marta Temido em plena reunião do Infarmed quando a ministra, antecipando uma segunda vaga, pronunciou a palavra confinamento. Costa desautorizou a ministra, na hora e para surpresa e espanto dos demais participantes na reunião, Presidente Marcelo incluído.

Meses depois, em setembro, perante números de infetados e de mortos a dispararem, António Costa entendeu dar um raspanete aos portugueses, responsabilizando-os por facilitarem ou relaxarem nos seus comportamentos diários e baixarem a guarda.

Como se fosse possível achatar a curva de infetados da covid-19 simplesmente acreditando que os cidadãos iriam todos respeitar o distanciamento social, com um correto uso da máscara – quando primeiro nem sequer era aconselhada, depois passou a ser obrigatória e a seguir a de pano é que era boa para logo depois se dizer que, afinal, a cirúrgica é que era eficaz, mas só por umas horas, porque é preciso andar a mudá-la de três em três horas –, e a higienização frequente das mãos e de todos os objetos em que tocavam, fosse nos restaurantes com horários condicionados, fosse nos transportes públicos apinhados às horas de ponta, porque os horários desfasados ou as aulas em bolhas desencontradas ainda estão por implementar.

E como se a solução passasse também pela adesão generalizada a uma aplicação a descarregar nos telemóveis – a famigerada StayAway Covid – que quase chegou a ser decretada obrigatória por lei e que, afinal, nunca mais ninguém falou dela e se revelou inútil para quem a descarregou.

O Rei da Suécia, crítico desde a primeira hora da estratégia de busca da imunidade de grupo, veio esta semana assumir o falhanço do modelo sueco baseado quase exclusivamente no estrito  cumprimento das mais elementares regras do distanciamento social e nas medidas de higienização frequente – sendo praticamente o último país a tornar obrigatório o uso de máscaras ou a decretar confinamentos parciais.

Mas mais ninguém reconheceu coisa alguma.

Com ou sem vacinas – cuja fiabilidade está obviamente por comprovar –, a pandemia ainda está para durar, até porque já vão sendo conhecidas mutações do vírus que fazem temer um combate mais demorado.

Se há a consciência de que um confinamento generalizado é impossível de reeditar, face às suas devastadoras consequências económicas e sociais, e que que este difícil caminho vai mesmo ter de fazer-se caminhando, há que falar verdade e claro à população. E deixar de atirar-se-lhe areia para os olhos para, no final, renovar o raspanete da irresponsabilidade e da iliteracia cívica e tentar sacudir a água do capote.

Quando nem a ciência tem certezas, toda e qualquer mise en scene é contraproducente, desumana e desonesta.