Inês Lopes Gonçalves: “Não tracei nenhum plano, foi muito navegação à vista”

Escolheu fotografar na Feira da Ladra, onde chegou antes da hora combinada. ‘Já enfeirei umas botas’, atirou quando nos encontrámos. A conversa tinha acontecido no dia anterior, via Zoom, quando cumpria o último dia de isolamento profilático. Na última quinta-feira, a apresentadora e locutora já voltou ao palco do 5 para a meia-noite. Gosta de…

 

Este é o teu último dia de isolamento profilático, qual é o teu estado de espírito?

 Yay! [risos] Estou ansiosa não só por sair de casa, porque eu gosto de estar em casa, mas também sou muito de sair. Eu sou aquela pessoa que sai de propósito de casa para ir beber um café à rua e volto. Sinto falta disso. E, claro, porque estou com muita vontade de voltar ao 5 [para a meia-noite], duas semanas fora parecem assim uma vida. Há duas semanas dizia mal de termos só as manhãs porque tínhamos recolher obrigatório à uma da tarde e, de repente, quem me dera ter as manhãs [risos]. Sobretudo quando tens miúdos, é mais difícil gerir à distância, estar aqui tipo quartel-general, a gerir tudo.

Achei curioso o facto de teres escolhido fazer as fotografias [para a entrevista] na Feira da Ladra. Porquê? Gostas de feiras?

Adoro feiras. Para já, adoro antiguidades, aliás a minha casa está cheia de peças que comprei em segunda mão, ou de coisas que encontro no lixo. Agora já não tenho tanto tempo, mas às vezes até me dava ao trabalho de parar o carro junto ao lixo e obrigava o meu marido a vir ter comigo porque não conseguia trazer tudo sozinha. E tinha tempo e paciência para tratar das coisas: lixar, envernizar…

Fazias todo esse processo de restauro?

Atenção, não tenho nenhuma formação nem conhecimento, conseguia fazer coisas muito básicas, mas pintava, lixava, deixava a casa toda suja, mas era uma coisa que me dava muito gozo.

Esse gosto pelas antiguidades poderá estar relacionado com o armazém de casa da tua avó materna, em Braga, onde passavas grandes temporadas na tua infância?

Não sei, mas por acaso é curioso, eu não sei bem o que veio primeiro porque não há assim um acontecimento em que tenha dito ‘isto fez-me sentir atraída por estas coisas’, mas lembro-me disso desde miúda. Era uma casa para onde ia desde bebé e onde passei grandes temporadas da minha vida e gostei desde sempre. A casa era sempre a mesma e teve sempre as mesmas coisas mas parecia que todos os anos, e foram muitos, havia qualquer coisa que eu ainda não tinha descoberto. Tive sempre um grande fascínio por aquilo tudo. Mas gosto muito de coisas antigas, de tudo o que seja mercados, feirinhas…

E gostas muito de arrumar, não é? Aproveitaste este isolamento para arrumar umas gavetas aí por casa?

Completamente. É logo das primeiras coisas que faço, acho que é uma espécie de terapia. As pessoas têm comportamentos engraçados quando estão sob stress ou quando têm uma preocupação ou muito trabalho por força de alguma procrastinação, o que é um clássico [risos]: eu percebi que lido muito com isso a arrumar e organizar, não sei se alguém ligado à psicologia poderia explicar se isto é uma forma de quando não conseguimos arrumar alguma coisa na vida tentamos arrumar outra [risos]. E, apesar de gostar muito de feiras, não sou nada acumuladora e ultimamente cada vez menos, estou sempre a destralhar. Mas não sou nenhuma obcecada, como naqueles documentários da Marie Kondo, que têm uma planta e três quadros [risos]. Não chego a esse ponto, mas não gosto muito de viver com aquilo de que não preciso. Estou sempre a editar, como costumo dizer [risos].

Estamos na época natalícia e tens dois filhos gémeos. Recordas alguma tradição na tua infância que tentes passar-lhes?

Não tenho assim nenhuma tradição. Havia uma coisa que se fazia em minha casa e era muito engraçado, numa altura em que éramos muitos a passar o Natal todos juntos – e que agora fica difícil de replicar. Tinha que ver com o momento em que abríamos os presentes, não sei se sorteávamos por números ou se era do mais novo ao mais velho e íamos abrindo os presentes assim. Agora, obviamente que também as famílias já não são tão grandes e também já não estamos todos juntos, muitas pessoas da minha família vivem fora. Nós não somos todos de Lisboa mas é curioso perguntares isso, que é uma coisa em que tenho pensado e que aconteceu o ano passado por uma questão de logística familiar. Nós não passámos a consoada em nossa casa e, por isso, não transportei presentes comigo, receberam os que tinham a receber em casa dos avós e depois foi muito giro porque regressámos a casa e, no dia a seguir, fizemos aquela coisa meia à americana de abrir presentes na manhã do dia 25 [de dezembro]. Acho isso tão mais giro do que ter os miúdos histéricos na consoada à espera para abrirem os presentes – para já, nunca esperamos até à meia-noite porque é impossível e eles ficam cheios de sono. Mas adorava conseguir implementar isso [abrir presentes na manhã do dia 25 de dezembro] mas não sei se vou ser bem sucedida. Mas acho muito giro.

Este Natal, face ao contexto atual, vai ser ainda mais diferente. És a mais velha de três irmãos, costumas passar com eles também?

Na verdade, nós estamos todos um bocadinho separados porque eu tenho a família no Porto e em Coimbra. Tendo em conta o que estamos a viver não vamos todos em massa para casa da minha avó. Vai ser uma consoada mais restrita, sim.

Aproveitando a época, apresentaste o primeiro 5 para a meia-noite em outubro. Pode dizer-se que foi um presente de Natal antecipado?

Bem, acho que foi uma surpresa antecipada. Não imaginei que pudesse chegar, as coisas foram assim meio inesperadas mas foi ótimo, claro. De facto, foi um presente de Natal em junho [quando recebeu o convite]. Foi bom, obviamente.

Na altura saíram notícias com alguns nomes para ocuparem o lugar. Como reagiste?

Eu já sabia, obviamente. Às vezes divertia-me, mas outras… Não sei, porque na altura surgiram nomes como o de Bruno Nogueira, não foi?

Sim, fazia o ‘Como é que o Bicho Mexe’…

Por vezes divertia-me porque já sabia e tinha graça assistir àquele desenrolar das notícias, mas depois pensava: o Bruno Nogueira é um nome grande, e, como disseste, havia a questão do ‘Bicho’. Fazem o convite e, de repente, surgem nomes como o do Bruno Nogueira e fiquei ‘bem as pessoas vão achar que vai calhar caviar e, afinal, são douradinhos’ [risos].

A saída da Filomena Cautela acabou por ser um sentimento agridoce, já que formavam uma dupla muito bem conseguida. Entraste logo no processo de reinvenção do programa?

Ainda estou nesse processo. É uma coisa que se faz quase em andamento. Consegues antecipar até certo ponto, depois o programa começa e há coisas que são muito imprevisíveis – e aí é que tens que ver o que é que resulta e o que não resulta. Isso já tinha acontecido antes, se há coisa que eu sinto que este programa tem é que nunca é o mesmo. Há rubricas que no papel parecem espetaculares e depois concretizam-se e são uma porcaria, depois há outras que não imaginávamos que pudessem ser boas, mas que resultam espetaculares.

A tua relação com o 5 para a meia-noite já é antiga. Como é chegar a apresentadora de um programa para o qual fizeste dois castings sem sucesso?

É verdade. Fiz dois castings, depois meteu-se muita vida, muitas outras coisas pelo meio, quase como se tivesse acontecido em dois momentos não relacionados. Quase não, foi mesmo isso que aconteceu. Não é uma linha reta de insistência. Sou péssima com datas, mas foi quando o 5 começou … 2010? [2009]. Nem me lembro bem do casting, acho que tinha que fazer uma entrevista, ler qualquer coisa, não me recordo bem. Era super nova e foi um bocado naquela ‘ah está bem’, nem sabia no que poderia estar a vir a meter-me, não é? Mas fui e não pensei muito mais nisso. Fui uma segunda vez, aí se calhar já com alguma expectativa, mas também não aconteceu e a vida seguiu como sempre.

Curiosamente, no primeiro casting ficou a Filomena, não foi? Tantas voltas para acabarem a fazer dupla… [risos]

Pois, acho que só mais tarde é que me apercebi dessas coincidências. Provavelmente, na altura nem fazia ideia de quem era, quer dizer, claro que fazia, ela [Filomena] tinha entrado nos Morangos com Açúcar e era já uma persona televisiva, mas nunca pensei nisso assim do género ‘eu não entrei, ficou ela e agora estamos aqui as duas’. Porque essa Filomena que ganhou o casting e entrou [em 2009] se calhar também é uma Filomena completamente diferente da que começou a fazer o programa em 2016. É isto que eu digo do 5, como tem tantas vidas as coisas vão-se reinventando.

Mas ainda antes de integrares o 5, o Luís Filipe Borges convidou-te para apresentares um dos programas.

Exatamente. Agora imagina como isso cairia hoje em dia. Eu lembro-me bem, foi em 2012. Nunca mais me esqueço, estava num festival para a Antena 3, era o Festival Músicas do Mundo, na praia da Ilha do Pessegueiro, e o Borges ligou-me a perguntar se eu queria [apresentar o 5], e eu respondi como sempre: ‘Sim claro, vamos embora’. No dia 6 de agosto de 2012 eu estava a encabeçar uma lista de cinco mulheres que nessa semana apresentaram o 5 – cada uma num dia da semana. O que seria em 2020 ‘vamos dar aqui uma semana às mulheres’.

Achas que também acabámos por entrar numa cultura do politicamente correto, em que não se pode dizer nada?

Essa é uma questão que tem muito que se lhe diga, há muitas maneiras de olharmos para isso. Faz-me sempre um bocadinho de confusão, seja em relação a esse tema ou a qualquer outro, ter e emitir opiniões muito derradeiras sobre as coisas. Primeiro, acho que há pessoas muito mais bem informadas, muito mais bem preparadas para falar sobre esses e outros assuntos e hoje em dia damos todos muitas opiniões sem sabermos muito sobre o que estamos a falar. Acho que é interessante em relação à questão do politicamente correto porque isso tornou-se um jargão usado a torto e a direito, as pessoas apropriam-se das palavras e das expressões e depois valem o que valem, mas aqui é interessante perceber de onde é que isso vem e perceber também a questão da outra face, o tal anti-politicamente correto que depois legitima uma série de discursos que perpetuam o racismo, a homofobia e coisas com base no ‘ai já não se pode dizer nada’, não é? O Miguel Esteves Cardoso dizia uma coisa engraçada, eu gosto muito dele e foi, ainda é, uma espécie de guru para mim, há assim algumas pessoas que me fizeram querer ser jornalista e o MEC foi uma delas. Lembro-me de o ler e pensar ‘nunca li nada assim, ele é espetacular’, eu era adolescente e achava todas as crónicas incríveis. Mas, voltando à questão, ele dizia, acho que naquele programa Fugiram de Casa de Seus Pais, com o Bruno Nogueira, e falava-se precisamente no ‘agora já não se pode dizer nada’, que o politicamente correto era a boa educação de antigamente. Nós não podemos, em relação ao politicamente correto, não sermos capazes de digerir as coisas, por umas palas nos olhos, porque se não tornamo-nos arrogantes. A arrogância da ignorância, que é o pior. É este olhar para as coisas e este olhar para nós e questionarmo-nos se ‘isto que estou a dizer perpetua o preconceito, está a ofender alguém’? Eu não consigo colocar-me aqui num lado óbvio, se é que há aqui uma barricada. Este é um dos males dos dias de hoje: ou estão de um lado ou do outro, ou é preto ou branco. O que eu procuro fazer é ler coisas, ouvir pessoas, porque as palas são más seja de que lado for.

Já aconteceu estares a preparar um programa e apagares ou reformulares alguma coisa e até mesmo às vezes com filtro sobre filtro seres mal interpretada? O 5 para a meia-noite, que se pauta por ser ousado, já te levou a recuar?

Eu não estou a lembrar-me de nenhum momento em que tenha pensado ‘isto não se pode fazer’, não. Mas também há outra coisa: eu forço-me a não ser excessivamente cautelosa, às tantas acho que corremos o risco de entrar numa assepsia tal que é descaracterizante.

Por exemplo, aquele cliché de alguém que não levarias ao programa por receio da opinião pública. Isso já aconteceu?

Por acaso nós tivemos um exemplo desses, de uma pessoa que não estava a cair muito bem nas graças das pessoas, o Bruno de Carvalho, que foi ao programa num clima de muita crítica. Mas são raras as vezes em que tenho no sofá alguém em que não tenha interesse em conversar com aquela pessoa.

Referiste que o Miguel Esteves Cardoso foi uma das pessoas que te fez querer ser jornalista. Agora és mais conhecida por seres apresentadora do 5 para a meia-noite apesar de apresentares também o Traz prá Frente, na RTP Memória, e de seres locutora na Antena 3, mas a verdade é que começas no jornalismo puro e duro…

Entro no jornalismo puro e duro e continuo a sentir que boa parte do meu coração e da minha maneira de pensar ainda lá está porque era mesmo o que eu queria fazer. Fiz um curso de comunicação e fui estagiar para a Rádio Renascença, que também era o que queria fazer, não especificamente na Renascença, mas queria muito ir para a rádio. Tive uma sorte incrível porque fui estagiar e, na altura, provavelmente ir-me-ia embora ao fim de três meses; mas consegui prolongar o estágio por mais três, graças ao Francisco Sarsfield Cabral, que conseguiu que ficasse mais um tempo. Foram dos anos mais felizes da minha vida, porque foi espetacular. O jornalismo é uma coisa apaixonante e naquele registo, na rádio, ainda por cima quando se está a começar com vinte e poucos anos, em que temos energia para tudo e para ir a todas e super disponíveis, eu às vezes chegava a ir de folga para a rádio [risos]. Trabalhei com pessoas inacreditáveis de uma escola de jornalismo, não vou dizer como já não há porque ainda há de certeza outras pessoas igualmente boas, mas mesmo, mesmo muito boas, com um sentido do que é fazer jornalismo muitíssimo apurado, e não há nada como estar numa redação. Eu ainda vivi aquele tempo da malta a fumar nas redações e a seguir a ir para o Snob beber copos, ainda trabalhei assim e acho isso mágico. Calma, agora parece que jornalismo é fumar nas redações e beber copos no Snob [risos]. Não é nada disso, há muitas coisas pelo caminho, mas sim, gostei muito e o meu coração ainda bate muito forte por esse lado que eu sinto que por vezes tenho alguma dificuldade em despir.

Começas na Renascença, passas para a Sport tv3, fazes um jornal satírico no canal Q e com o 5 acabas por entrar definitivamente numa parte mais de entretenimento. Era o que querias ou a mudança foi acontecendo naturalmente?

Não tracei nenhum plano, foi muito navegação à vista. Foi um bocadinho isto que me aconteceu. Acho que sou uma improbabilidade [risos]. Quer dizer, uma improbabilidade seria se eu estudasse ciências moleculares e, de repente, sou apresentadora de televisão. Mas eu já fiz tantas coisas tão diferentes que, de facto, às vezes olho para trás e sinto um bocado essa improbabilidade mas quando me perguntas sobre essa transformação e essa passagem eu quando falo de jornalismo e desta forma tão apaixonada também é verdade que quando olhava para a malta que estava na rádio mas do lado do entretenimento, as pessoas às vezes não conseguem perceber muito bem a diferença entre o jornalista na rádio e o animador e são coisas completamente diferentes. É a diferença entre o entretenimento e a informação, o José Rodrigues dos Santos não é a mesma coisa que a Catarina Furtado, fazem coisas completamente diferentes.

Sentiste que também tinhas que dar a conhecer o teu lado mais engraçado?

Sempre arrastei um bocadinho a asa para esse lado. Lembro-me que tínhamos quase todos a mesma idade e começámos ali todos juntos e quando digo começámos estou a falar, por exemplo, do Vasco Palmeirim, do Rodrigo Gomes que está na RTP…

Por falar no Rodrigo Gomes, estive a ouvir umas músicas muito giras: “Oh sugar”, “Turn to rainbows” [risos]

Exato, exato, mais uma coisa que fiz [risos]. Mas lembro-me que na altura o Vasco já fazia músicas na Mega FM como faz hoje na Comercial, o Rodrigo também. Eu participei numa ou noutra [música] do Vasco por querer sempre saber o que ele estava a fazer, as letras, de querer ouvir porque éramos próximos, éramos todos amigos. Houve uma parte em que pensei ‘caramba também gostava de brincar a isto’ e estive sempre ali, meio por causa deste meu lado também um bocado palhaço que sempre tive desde miúda, e depois acho que acabou por ser natural. Lá está: a rádio deixou as suas marcas, as suas cicatrizes boas aqui também…

Fala-nos um bocadinho dos tempos em que fizeste parte da banda soulbizness? Como é que isso aconteceu?

A banda nasceu precisamente na Rádio Renascença. A soulbizness era do Rodrigo [Gomes], que ainda não era exatamente uma banda, era ele e mais uma pessoa. Conhecemo-nos lá, ele foi-me mostrando umas músicas, mandou uma maquete para um concurso da TMN que era o Garage Sessions e a resposta chegou. [Ai, espera aí que estão aqui a tocar à porta, presentes das crianças. Confere. Aproveitei o isolamento para fazer compras online e agora está a chegar tudo muito mais cedo do que eu pensava, mas ainda bem [risos].

Costumas ficar stressada com as compras de última hora de Natal ou despachas tudo com antecedência?

Não, não stresso muito mas também nunca tinha feito assim as coisas tão online como fiz este ano porque eu gosto de ir ver e mexer nas coisas.

Ah, estávamos a falar da banda…

Ah, então a banda tinha passado à fase seguinte e era preciso haver pessoas [risos]. Então foi montada meio à pressa e foi assim que começou. E ganhámos.

Mas dito assim até parece meio a brincar. Importa referir que subiram a vários palcos, como o Rock in Rio, em 2010… [risos]

Sim, repara, o prémio era além de uns instrumentos, gravar um disco, que depois acabou por ser um EP e ir tocar ao Sudoeste. Nós fomos em… Em que ano é que isto foi: 2007? 2006? Não sei bem, mas é fácil de perceber, fomos tocar ao Sudoeste, tudo bem que eram sete da tarde e estavam lá cerca de setenta pessoas mas não interessa [risos]. Mas olha: ainda fomos ao Sudoeste, ao Rock in Rio, ao Marés Vivas e ainda nos fartámos de dar concertos em Lisboa, nas semanas académicas… Ainda gravámos um segundo EP e foi incrível.

Setenta pessoas com as novas restrições esgotavam salas… [risos]

Naquele verão no Sudoeste, imagina ainda era de dia, tocar de dia naquela cena?! Mas foi muito divertido, muito fixe.

A forma como te referes ao Vasco Palmeirim e ao Rodrigo Gomes e como falas do portão das amizades… Acho engraçado porque, sobretudo nesse meio, muita gente defende que não é fácil fazer amigos, mas parece que contrarias essa tendência…

Acho que sim. Sempre fui muito virada para fora, ou seja, sempre me fascinou muito o que estava fora de portas. Sempre adorei a escola e antecipei sempre imenso o regresso às aulas porque sentia que o mundo estava a acontecer e eu tinha que participar, tudo era uma montanha russa e tinha que lá estar. Depois as pessoas vão acalmando um bocadinho com o tempo. O que acho são duas coisas: a primeira, é que tenho uma profissão que permite conhecer muita gente, portanto entram e saem mais pessoas, é uma coisa que está um bocadinho de porta aberta e que se renova mas também acho que nós aos 30 [anos] somos umas versões mais aproximadas do que realmente somos ou, pelo menos, sabemos melhor do que aos 20. O mesmo se aplica aos 40 face aos 30. Uma amizade feita nessa altura, só porque se conhece a pessoa com essa idade, não significa que não se possa ser tão ou melhor amigo do que quando se conhecem desde os 4 anos e a vida ganhou rumos completamente diferentes.

Mas, por ser um meio tão competitivo, normalmente dizem que não há tanto espaço para essa confiança…

Depende, bem também esses exemplos, como o caso do Vasco e do Rodrigo e outras pessoas, já são de há muitos, muitos anos.

Por exemplo, até na questão das redes sociais, não és muito assídua, nem tens o típico perfil de figura pública, por assim dizer… [risos]

Sim, não vou lá pôr coisas todos os dias nem nada. Já percebi que uma pessoa tem que pôr um post quase todos os dias mas eu não sei, acho que os que lá estão é porque gostam de estar. Se calhar estou a pensar de uma forma errada porque há quem olhe para o Instagram, e bem possivelmente, como uma extensão do seu trabalho. Se calhar, podia até fazer melhor também por causa do programa e estar sempre a pôr coisas para estimular um bocadinho mais essa troca ou esse engagement como se diz agora mas não me sai muito sabes? Como não me é muito natural e acho que o faria em esforço, não só sobre o programa como de outras coisas, essa obrigatoriedade de publicar alguma coisa todos os dias não me apetece muito. Quando me apetece ponho, quando não me apetece não ponho. Brinco muito mais nas stories. É curioso porque ao mesmo tempo ainda no outro dia me lembrei de um acontecimento qualquer, penso que uma viagem que fiz, e até fui ver ao Instagram e não tinha nenhuma fotografia. De facto, se pensarmos assim, e tenho muitos amigos que o fazem, que usam o Instagram como um álbum, e isso é muito engraçado. Hoje em dia tiramos milhões de fotografias, imprimimos cerca de zero [risos] e, parecendo que não, o Instagram é isso. Acontece-me e irrita-me imenso porque depois vou ver ‘olha esta fotografia tão gira, porque é que não tenho isto na parede?’ e, parecendo que não, o Instagram é um bocadinho isso. Só que, quando tu não és uma pessoa conhecida, uma figura pública, é mais fácil porque não tens as pessoas em cima de ti. Honestamente, já pus mais coisas e agora ponho ainda menos porque causa-me repulsa as notícias que se fazem baseadas única e exclusivamente em posts do Instagram e completamente tirados do contexto. Ainda ontem vi “Cristina Ferreira não ganhou para o susto. Apresentadora ia sendo levada por uma onda”, uma coisa assim do género. Uma pessoa lê aquilo e pensa ‘pronto, coitadinha, quase morreu afogada’, depois estive a ver e não era nada disso. Ou então é “a família vai aumentar” e, afinal, é uma alface que nasceu na horta.

Por falar nisso, também tens uma situação engraçada, com um pão alentejano…

Mas, olha, esse episódio era uma piada que depois me fez abrir um bocado os olhos porque me senti um bocado… Imagina, eu estava de férias no Alentejo, com uma data de amigos, na Zambujeira do Mar, onde se come um pão incrível, e às tantas disse ‘eh pá, olha-me para isto! parece que estou grávida de pão alentejano’, com a mão na barriga. A minha amiga minha tira-me a fotografia e pus aquela legenda a achar que se percebia que era uma piada. Algumas pessoas não perceberam e recebi muitas mensagens de parabéns; depois ligaram-me de uma revista e eu, maçarica, sou tão ingénua, achei que as pessoas queriam só confirmar que não estava. Não! Porque depois fazem notícia sobre a não notícia. Depois, como nenhuma notícia pode vir sem uma fotogaleria, já tinha uma série de fotografias que tinha posto dos miúdos, até de costas e tudo, mas aquilo violentou-me tanto que eu pensei ‘caramba, não quero isto’. Eu, às vezes, tenho vontade de publicar uma coisa ou outra mas só de pensar nisso recuso-me a alimentar essa roda de hamster, essa coisa do clickbait. Não consigo compreender, então já me coíbo um bocadinho. Ainda agora, fui para casa em isolamento profilático e os títulos que saíram foram “Inês Lopes Gonçalves afastada do 5 para a meia-noite”. Claro, porque as pessoas querem é sangue. Da mesma forma que houve muita gente, como há sempre na internet, a dizer “que porcaria, o 5 já não é o que era. Vai-te embora, não vales nada”. Da mesma forma que havia muita gente a comentar “Gostei muito”.

Foi difícil lidar com as comparações? A Filomena mandou-te alguma mensagem depois do programa?

Mandou mensagem no dia da estreia a desejar boa sorte. Mas ainda em relação aos filhos, não é que eu não ponha as crianças por causa disso. As minhas crianças não ponho de todo por que eles não são meus, eles têm a sua própria vida. As pessoas têm o direito de chegar a uma certa idade e se entenderem que querem ter redes sociais têm, se não querem não têm. Mas têm o direito de chegar a esse dia com a folha limpa [risos]. De repente, há pessoas que não sabem e já são figuras da internet sem pedir a ninguém. Mas, atenção, eu às vezes vejo perfis de pessoas que têm os filhos e acho o máximo, não condeno, é mesmo uma coisa que vem da pessoa sentir-se bem em relação a isso ou não e eu, na dúvida, não tomo nenhuma decisão que seja irreversível como seria a de pôr os miúdos na internet. Desculpa, eu falo imenso.

Em 2018 chegaste a comentar que gostarias de fazer um programa do género ‘The Weakest Link’ e eu pergunto se tu foste para o lugar da Filomena ou a Filomena é que foi para o teu [Quem quer ser milionário Alta Pressão]?

Ah, não, não, nada disso. Eu gosto muito desse programa e gosto de concursos de uma forma geral porque gosto muito de jogos, jogos de tabuleiro. Sou muito, não diria competitiva porque parece que tenho mau perder, mas gosto mesmo e levo muito a sério jogar toda a espécie de coisas: Pictionary, Trivial, tudo. Acho que é por isso que gosto tanto desses concursos na televisão. Ainda no outro dia estava a ver um que estreou um na BBC, espetacular, que se chama The Wheel e, pelo que percebi, são perguntas e andamos sempre à volta das mesmas fórmulas mas depois há uma pessoa em estúdio que não conheces que podes tentar perceber se sabe ou não a resposta. Um bocadinho como aquele programa do Vasco [Palmeirim] do Sabe ou não sabe. Tenho esta ideia de que gostaria de fazer uma coisa deste género mas, lá está, só chegando lá e fazendo é que uma pessoa sabe se é fixe ou não, mas parece-me giro [risos].

Não gostas de programar, as coisas vão acontecendo…

Sim, a verdade é essa. Eu, às vezes, digo a brincar que gostava de ter tido um apelo super evidente em que dissesse “não, eu tenho jeito é para ser mecânico de aviões ou neurocientista” e a verdade é que eu fico um bocado tipo guaxinim encadeado [risos]. Antes de ir para a faculdade, por exemplo, queria muito ser copy, trabalhar numa agência de publicidade, e há uma parte de mim que ainda acha que isso vai acontecer; se voltasse agora atrás tinha ido, talvez, para Medicina se não fosse uma porcaria a Matemática.

Na tua família não há ninguém relacionado com este meio?

Não, ninguém. Basicamente são médicos, o meu pai é engenheiro e a minha mãe professora. Talvez por não sentir que estava calhada para aquilo, não sei, digo isto agora se calhar pela primeira vez, procurei sempre manter tudo mais em aberto para ver por onde poderia orientar as coisas. Há imensas coisas que gosto de fazer e sinto muito a falta da rádio, todos os dias, todos. Gosto muito de trabalhar com a voz, por exemplo para spots, é uma coisa que me fascina.

Falámos sobre o 5 mas também apresentas o Traz prá Frente…

Sim, sim, aliás estou neste momento a escrever os cartões porque vamos gravar os dois últimos programas deste ano.

É também um programa que te dá muito gozo?

Sim, eu gosto mesmo muito de fazer aquele programa e acho um luxo tremendo porque é uma hora em que estamos só ali a conversar à mesa: eu, o Júlio Isidro, Nuno Markl, Álvaro Costa e Fernando Alvim.

Do Natal ao Ano Novo é um instante. Costumas comer passas e pedir desejos?

Eu como as passas e peço assim aquelas coisas que as pessoas pedem: saúde e coisas boas para os seus; agora, se calhar, vou abdicar de duas ou três passas para que os preços das casas baixem em 2021 [risos]. Gostava de comprar uma casa…

Achas que o nome do teu programa nunca fez tanto sentido, parece que vamos ter de ser mesmo 5 para a meia-noite?!

Completamente, está aí uma ótima ideia, vou roubar [risos].

O teu marido é baterista: contigo e os vossos dois filhos, pelo menos a banda está garantida?

O Ivo é um artista espetacular, um artista incrível. Nós ouvimos muita música em casa e os miúdos gostam [risos].

Que idade têm?

Cinco anos.

2021 também vai ser especial porque vais celebrar 40 anos? Ou não pensas muito nisso?

Pois é. Às vezes penso, outras não. Já fico feliz com a ideia de poder celebrar, que é uma coisa que não podemos dar por adquirido em 2020. Não penso obsessivamente nisso mas também não digo ‘ah, não, a idade é só um número e o que interessa é que nos sintamos jovens por dentro’… ya, não [risos]. Às tantas, para quem acha que um dia ainda vai poder experimentar ser astronauta e fazer outras coisas na vida, começo a pensar, e é mais isso, a ideia de ‘caramba, o tempo está a passar’. Isto está a passar muito rápido: dos 30 aos 40 foi muito rápido.