As horas fatais para Ihor HomenIuk

Ucraniano de 40 anos terá sido agredido violentamente por três inspetores do SEF, no aeroporto de Lisboa, e ficado sozinho horas a fio, sem ser prestado o devido auxílio.

Cheirava mal. Foi a constatação geral. Algemado de pés e mãos horas a fio, a roupa que trazia no corpo estava empapada nos seus excrementos. «Falava muito baixo, como se estivesse a rezar», disse uma das testemunhas que viram o homem de leste antes de este morrer, a 12 de março.

A saga brutal de Ihor Homeniuk, ucraniano de 40 anos e pai de família, nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras_(SEF) do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, começara, porém, dois dias antes, a 10 de março. Procurava, como muitos imigrantes ilegais, uma vida melhor. Desembarcou, vindo da Turquia, mas não lhe foi autorizada a entrada em Portugal. De um momento para o outro, segundo o Ministério Público (MP), queixa-se de «dores nos membros inferiores e no flanco esquerdo do abdómen», tendo sido transportado para o Hospital de Santa Maria. Nada foi detetado. No entanto, tentava a sua sorte e recusou-se duas vezes a regressar ao país de origem. A 11 de março voltou às instalações do SEF, após ter tido alta hospitalar. Era um homem sem sonhos que estava a caminho da morte.

Ihor estava agitado. Isolado, foi imobilizado por dois vigilantes da empresa de segurança, que lhe colocaram «fita adesiva à volta dos tornozelos». E é nesse momento que começam as horas fatais para Ihor Homeniuk. Eram 01h24 do dia 12 de março quando lhe foi administrado um medicamento ansiolítico. Estava com os nervos à flor da pele. Muito agitado, manteve-se aos gritos durante toda a madrugada. Terá mesmo atingido um dos vigilantes com um sofá no pé direito. Sem conseguirem controlá-lo, acabaram por chamar três inspetores do SEF, agora arguidos por homicídio qualificado – Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa. Não queriam deixar rasto e, pelas 8h30, avisaram os vigilantes: «Atenção, você não vai colocar aí os nossos nomes, ok?». Duarte Laja trazia um bastão na mão. Um dos vigilantes definia o seu estado de espírito: «Batia com o bastão na palma da mão». Os três elementos entraram na sala onde estava Ihor e cá fora ouviram-se gritos de sofrimento. Ihor havia sido algemado. A adrenalina tomou conta dos três elementos, que gritavam em simultâneo com a vítima: «Não te mexas», «está quieto», «fica quieto». O clima estava pesado, previa-se um mau desfecho. Os vigilantes não resistiram, abriram a porta encostada, mas o inspetor Duarte Laja impediu qualquer intervenção. «Isto aqui é para ninguém ver», disse.

Quando saíram da sala, 23 minutos depois, os inspetores mostraram-se satisfeitos: «Agora, ele está sossegado». E saíram suados: «Já não precisamos de ir ao ginásio». Abandonaram as instalações e dois vigilantes foram à sala onde estava Ihor, que se encontrava «com os tornozelos amarrados, algemado atrás das costas, deitado de barriga para baixo, e com vários hematomas na cara e na cabeça, que pareciam ser graves, tendo ainda um fio de sangue a escorrer do nariz e marcas vermelhas nos braços».

Ihor falava cada vez mais «baixinho». Às 12h45, um dos vigilantes, Jorge Pimenta, dirigiu-se pela última vez à sala, perguntando a Ihor se queria comer. Respondeu-lhe que não. E ficou depois várias horas sozinho – entre as 12h45 e as 16h48. «Tinha estado sempre sossegado, a dormir», disse Jorge Pimenta. Só bem perto das 17h00 chegaram dois inspetores para transportar Ihor para o avião. Deparando-se com o estado em que se encontrava, um dos inspetores perguntou «o que se tinha passado». «Parecia estar engasgado e a tentar expelir alguma coisa pela boca», sublinhou, revelando ainda que Ihor «se tinha urinado».

Pouco tempo depois, quando o tentaram colocar numa cadeira para o transportar para o avião, o ucraniano teve uma crise convulsiva, desfalecendo posteriormente, tendo sido acionados os meios de socorro, que acabaram por não ser suficientes. Às 17h30 chegaram enfermeiros ao local, mas o óbito acabaria por ser declarado às 18h40.

Agora, nove meses após a sua morte, a viúva e os filhos do ucraniano vão receber indemnização por parte do Governo.

Autópsia revela espancamento

Segundo a autópsia ao corpo de Ihor Homeniuk, o ucraniano morreu de «asfixia mecânica violenta», revelando «a existência de diversas lesões de natureza traumática ao nível da grelha costal, a qual tinha diversas costelas fraturadas, de ambos os lados».

Além disso, foi ainda apurada a existência de «diversas equimoses» espalhadas pelo corpo da vítima, designadamente no rosto, tronco e membros.

‘Mataram o gajo’

A PJ recebeu um conjunto de mensagens de WhatsApp trocadas por vários funcionários do SEF e seguranças que acompanharam os acontecimentos que culminaram na morte de Ihor Homeniuk. «Olha, deu nisto. Mataram o gajo», pode ler-se numa das mensagens.

Além disso, falaram ainda sobre quem seria o responsável pelo que aconteceu. «Pensava que tivesse sido algo que algum de nós tivesse feito (…) Mas a culpa não foi de nenhum de nós, ainda bem. Que a culpa seja dos outros», escreveu outro membro do grupo.