A morte vista de perto

Numa fração de segundos tudo muda e nem o mais experiente piloto de corridas de alta velocidade consegue travar o inevitável. Outras vezes, o destino prega uma partida ao profissional experiente e é a lei da causalidade que prevalece. 

por Filipa Moreira da Cruz

Domingo, dia 29 de novembro, circuito internacional de Sakhir, no Bahrein. Milhões de telespetadores assistiram em direto ao impressionante acidente de Romain Grosjean. Enquanto o fogo engolia ferozmente o carro, o automobilista saia, pelo seu próprio pé, praticamente ileso. As queimaduras na mão esquerda, o entorse do pé esquerdo e os vários hematomas são um mal menor. O piloto, helvético-francês, de 34 anos, não morreu por milagre. Deve a sua vida ao fato anti-chamas, ao capacete ergonómico e às apertadas regras de segurança. Grosjean foi salvo pela ‘célula de sobrevivência’, o habitáculo do automóvel. Mas acima de tudo, foram a sua coragem, a sua tenacidade e todos os que trabalham com ele os que permitiram que continue em vida.

A Fórmula 1 não é apenas uma prova de velocidade. É um teste à adrenalina e aos reflexos dos pilotos que têm nervos de aço. Os carros estão preparados para atingir 370 km/hora em menos de cinco segundos, mas é o condutor que controla o seu destino. Quase sempre. O automobilista não está sozinho. Felizmente. A equipa técnica é uma ajuda preciosa e pode fazer toda a diferença. A segurança é a prioridade e a tecnologia de ponta salva vidas. A FIA (Federação Internacional do Automóvel) tem a última palavra e nada é deixado ao acaso.

Ao ver as imagens do acidente de Romain Grosjean não consegui evitar de pensar no saudoso Ayrton Senna. O piloto brasileiro morreu cedo demais. Tinha 34 anos, a mesma idade que Grosjean. Foi três vezes campeão do mundo e marcou uma época na Fórmula 1. Recordo as imagens em direto do circuito em Bolonha. A cabeça de Senna abanava ligeiramente, deixando-nos acreditar que ainda havia esperança. Mas o cérebro já estava clinicamente morto. A morte do automobilista foi considerada uma tragédia nacional e o Brasil decretou três dias de luto.

Nesse dia 1 de maio de 1994, Michael Schumacher acabou por sagrar-se campeão pela primeira vez. Mas a sua vitória teve um sabor agridoce. A morte de Senna atirou para segundo plano a vitória de Schumacher. Ironia do destino, o piloto alemão quase perdeu a vida, não nas pistas de um circuito, mas fora de uma pista de ski. Conheço bem Méribel. Foi naquela estação dos Alpes franceses que vi o meu marido pela primeira vez. Um amante do desporto de inverno desde muito pequeno e, sobretudo, um apaixonado por carros e pelas competições.

A Fórmula 1 é um desporto de alta tensão que desafia as leis da gravidade e põe à prova a resiliência dos que ousam ser (quase) imortais. Em 1976, o austríaco Niki Lauda sofreu um aparatoso acidente que lhe desfigurou a cara e queimou os pulmões. Contra todas as expectativas, decidiu regressar às competições apenas seis semanas após o drama.

O automobilismo não é exclusivo aos homens, embora eles sejam a maioria. A espanhola Maria Villota sofreu um grave acidente em 2012, em Inglaterra, durante os ensaios para integrar uma equipa russa de fórmula 1. Foi submetida a uma delicada operação à qual se seguiram longos e dolorosos períodos de fisioterapia. Quando finalmente pensava que o pior já tinha passado a morte veio buscá-la. Sucumbiu 15 meses após o drama devido a sequelas neurológicas.

Numa fração de segundos tudo muda e nem o mais experiente piloto de corridas de alta velocidade consegue travar o inevitável. Outras vezes, o destino prega uma partida ao profissional experiente e é a lei da causalidade que prevalece. Como no caso de Schumacher. Mas mesmo sabendo que corre um risco, o mais intrépido condutor não vai deixar de experimentar a vida a 370km/hora.