Centeno alerta para riscos do crédito e pede atitude responsável das famílias

“No seio da maior crise económica, que se poderia assim tornar social e financeira, o país deve permanecer focado na resposta à crise, que requer a manutenção e adaptação das políticas económicas até ao seu final”, afirmou Centeno.

Para o Governandor do Banco de Portugal (BdP) não há dúvidas: "Das famílias requer-se uma atitude de responsabilidade nas suas decisões de consumo e poupança, que são muitas vezes interligadas com recurso ao crédito. Em particular, permite alisar o consumo ao longo dos ciclos económico e de vida", refere Mário Centeno no Parlamento. 

De acordo com o ex-ministro das Finanças, o crédito assume "maior importância" tendo em conta o "momento difícil que vivemos na economia portuguesa e mundial". No entanto, lembra que "pela natureza da atividade creditícia também traz maior risco. As famílias têm demonstrado um alinhamento com o restante país na construção de uma envolvente financeira estável". 

E lembra que depois da crise financeira de 2008, agravada pela crise soberana que se lhe seguiu, o endividamento dos particulares relativamente ao rendimento disponível caiu 35 pontos percentuais desde 2009. Em dezembro de 2019, o endividamento dos particulares representava 94% do rendimento disponível, enquanto na área do euro a média era de 95%. 

"O caminho percorrido é notável, sobretudo se notarmos que, em dezembro de 2013, as posições relativas eram contrárias e as diferenças de endividamento significativas: mais 24 pontos percentuais de endividamento das famílias em Portugal", acrescentando que "o esforço deve merecer a admiração coletiva dos decisores – nacionais e europeus – e não deve ser posto em causa".

Também do lado das empresas, Mário Centeno diz que é necessário uma posição "robusta" na sua exposição à dívida. "Mas tal como nas famílias, também nas empresas um determinado grau de alavancagem é natural. Às empresas compete tomar as melhores decisões de investimento, que muitas vezes são financiadas com as poupanças de outros agentes económicos através de financiamento direto – emissão de obrigações ou reforço do capital – ou indireto – financiamento bancário", afirma. 

E lembra que a capitalização das empresas, medida pelo rácio entre o capital próprio e o total do ativo, estava no final do primeiro semestre de 2020, apesar dos momentos difíceis, em cerca de 39%; mais 4 pontos percentuais do que há 5 anos atrás.

Mas deixa também um recado às administrações públicas, pedindo uma posição sólida. "Ao Estado compete ser o agente económico com mais paciência temporal e de liquidez, que em economia são quase sinónimos. Perder este estatuto tem consequências bem conhecidas pata todos nós", acrescentando que "só é possível desempenhar esse papel se tiver capacidade financeira para se substituir temporariamente aos restantes agentes económicos até que estes voltem a reunir melhores condições financeiras. O papel de alisamento e das políticas contra cíclicas é esse mesmo. E deve ser preservado".

Papel das moratórias é essencial

De acordo com o Governador do Banco de Portugal, "o papel das moratórias é essencial e deverá continuar a ser, mas onde o esforço de preservação de capital deverá ser acompanhado de medidas que permitam aos bancos ultrapassar a crise mantendo o mesmo contributo de apoio à economia que até aqui têm dado".

Mas, no seu entender, nem tudo são vantagens. "Do lado negativo, o elevado endividamento dos vários setores institucionais apesar da trajetória de redução; a perda de valor dos colaterais que suportam os empréstimos concedidos; a diminuição da rendibilidade das empresas, que coloca pressões sobre o cumprimento creditício; o mercado de trabalho, onde a redução do número de horas trabalhadas coloca pressão sobre o nível de emprego, apesar das políticas públicas de preservação do emprego (layoff simplificado) e de apoio ao rendimento (moratórias; layoff)". 

Já do lado positivo,  segundo Centeno, "contribuíram para mitigar estas vulnerabilidades e riscos, e devem continuar a fazê-lo, as políticas económicas e monetárias adequadas aos diferentes momentos da crise". 

Ainda assim, não tem dúvidas: "No seio da maior crise económica, que se poderia assim tornar social e financeira, o país deve permanecer focado na resposta à crise, que requer a manutenção e adaptação das políticas económicas até ao seu final".