André Ventura: “Temos pessoas no partido que eram dirigentes comunistas”

Aceitará que um filho lhe apresente um namorado do mesmo sexo, mesmo que seja de outra etnia. Cigano é que lhe custa a digerir…

Chegou à entrevista acompanhado de dois homens. Um negro, funcionário do Chega, e um branco, segurança. À noite anunciaria que iria pedir a suspensão do mandato de deputado para se dedicar à campanha eleitoral para as presidenciais. Em mais de duas horas, disse muito mais do que o que se resume nestas páginas. Não fugiu a um único tema: fosse as suas cambalhotas entre a vida académica e política, os acordos com o sistema ou o seu conflito com os ciganos. Nem o Papa Francisco escapou às suas críticas.

Qual a razão para se candidatar a um cargo que tem tão pouca força?

Entendo esta candidatura como uma candidatura de rutura e acho que a melhor forma de fazer hoje uma rutura com o regime é na candidatura presidencial. Apesar de entender que a grande maioria das mudanças virão por força do Parlamento e, portanto, pela força legislativa que o Chega venha a ter, acho que a minha eleição ou a minha passagem a uma segunda volta ou até um segundo lugar, qualquer um destes cenários, serão muito positivos para o Chega em eleições futuras. Acho que, por um lado, há um compromisso de rutura do sistema e acho que sou o primeiro candidato a Presidente que assume a rutura com este sistema. Mas ao mesmo tempo também assumo que é uma candidatura que está umbilicalmente ligada ao Chega…

É uma questão de posicionamento.

Se não ganhar – e vamos ser francos, é muito difícil ganhar –, acho que o posicionamento que vai sair destas eleições presidenciais vai ser muito interessante. Repare, pouca gente está a discutir quem ganha. A questão tornou-se um bocadinho quem é que vai ficar em segundo lugar. Não é pelas pessoas, por ser eu ou a Ana Gomes. Se o Chega ficar em segundo lugar nas eleições significa que há já um eleitorado suficientemente amplo, disposto numas próximas legislativas a dar o seu voto de confiança a um partido com estas características. E esta é uma mudança de paradigma em Portugal e acho que estas eleições serão isso para mim: combater para acabar com este paradigma dominante.

Sendo uma figura de rutura, como encara no seu dia a dia o facto de haver tanta gente que o repudia e sente até repugnância por si?

Acho que tem duas implicações. Uma que é a polarização social que hoje se tornou evidente. É uma avaliação objetiva que contribuiu para polarizar a sociedade. De um lado, os que acham que o sistema já chegou ao fim e tem que haver uma rutura e o Chega é essa expressão, por outro os que acham que o sistema tem que ser segurado porque uma rutura pode significar menos democracia, menos liberdade, crise, etc. Isto é a parte que acho positiva, porque voltou a trazer discussão política de fundo para a ribalta. Aliás, fez com que os portugueses se voltassem a interessar pela política, basta ver as audiências do canal do Parlamento, por exemplo, que subiram bastante. E acho isso muito positivo. Tem um aspeto negativo, que é o clima de ódio que se instalou na sociedade de polarização que já se instalou noutros países, e que em Portugal provavelmente não teríamos. Mas não é que os ressentimentos não cá estivessem. Nós estávamos era com um sistema artificial, em que a maior parte das pessoas acabava por não se pronunciar. Quando sentem que é possível vir ao de cima aquilo que verdadeiramente pensam, começou o choque social com o outro. E acho que isso é a parte mais negativa, porque traz conflito social, traz ódio…

É acusado de ser um dos principais instigadores desse ódio…

É isso que estou a dizer. Sou acusado mas também posso acusar os outros de o terem contra mim, não é? Quando nós temos uma candidata presidencial – e só para dar este exemplo – que diz que a primeira coisa que vai fazer quando chegar a Belém é mandar uma mensagem à procuradora-geral da República para ilegalizar o Chega… Uma sondagem de hoje diz que somos a terceira força política. Como se sentirão estes eleitores ao saber que há uma candidata a Presidente que a primeira coisa que quer fazer é torná-los ilegais? É o mesmo que dizer torná-los clandestinos. Como é que quem diz isto não pode estar à espera que o clima aumente em termos de crispação, em termos de sentimento e em termos de polarização? Eu também terei as minhas falhas neste aspeto, evidentemente. Mas não podem dizer que os outros candidatos não estão a tê-las, porque a Marisa Matias disse que nunca daria posse a um Governo com o Chega ou com o apoio do Chega, o que me parece – ela não é jurista, penso eu – um pouco ridículo. Se o Chega fosse a terceira força, como é que não dariam posse a um Governo com o apoio do Chega? Faz-me confusão. E Ana Gomes a dizer que nos vai ilegalizar? Como é que os nossos eleitores podem olhar para isto sem se polarizar?

O seu discurso, nos últimos tempos, tem tido sempre um asterisco. Isto é, começou por falar na castração física mas agora diz que não defende para todos, que depende da vontade; disse que jamais faria um acordo com o sistema mas acabou de o fazer… Como vê esta sua mudança? Não tem medo que as pessoas comecem a achar que é ‘mais um’?

Ter, tenho, mas acho que não sou. Vou dar o exemplo da castração. Na proposta que fizemos foi sempre de castração química de pedófilos e violadores voluntária – até porque não podia ser de outra maneira e porque o contrário já seria próximo da barbárie. A castração física é aplicada em alguns países, como os Estados Unidos, como forma voluntária de castração. No projeto tínhamos, desde o início, que a castração física é voluntária. Ou seja, é o próprio condenado que diz ‘eu, em vez de ter 20 anos de prisão, terei 10 e proponho-me a castração física’. Isto acontece em alguns estados dos Estados Unidos, por exemplo. Em relação aos Açores, o Chega tem o compromisso de não se aliar, nunca, ao sistema. Manter isto vai ser difícil, vai ser uma estrada penosa, porque nós avisámos o PSD durante meses que tinha que se aproximar em algumas posições. O PSD entendeu que não o ia fazer e que não ia precisar. Nas eleições dos Açores viu-se que ia precisar. Logo, quais eram as opções do Chega? Duas opções: ou procurava fazer do sistema dos Açores, incluir-lhe linhas anti-sistema, que eu acho que foi o que fizemos – conseguindo, por exemplo, a redução de deputados que acho que vai ser histórico o PSD defender ao lado do Chega. Acho que vai ser histórico em termos de paradigma político europeu, em termos das direitas europeias, acho que vai ser histórico. Conseguir a redução do número de dependentes do RSI, também acho que vai ser histórico. Quando me perguntam se isso não foi dar um pouco a mão ao sistema, eu acho que foi o contrário. Foi colocar algumas linhas anti-sistema dentro de um partido do sistema. O Chega gostava de ter ganho e não precisava de mais ninguém.

Tem algum estudo que diga, por exemplo, se as pessoas de Rabo de Peixe têm hipótese de trabalhar?

Não e, por isso, não focámos em nenhuma freguesia específica, isso ficou claro no nosso documento. Os estudos mostram que há uma percentagem enorme de açorianos, muito maior do que no continente, dependente de subsídios não contributivos. Isto é, simples prestações. Não estamos a falar do desemprego nem dos pensionistas, estamos a falar de subsídios para as pessoas se manterem, como o RSI. Houve momentos em que passou os 10% da população. 10% da população inteira a viver de subsídios. E o que encontrava em cada do zona dos Açores? E estive lá, ao contrário de outros líderes nacionais. Encontrava empresários, produtores, que vinham ter comigo e diziam que até gostavam de produzir mas não há gente para trabalhar. ‘Olhe onde é que eles estão’, diziam. E apontavam para os cafés que estavam cheios de gente. Mas cheios de gente. Quando um produtor diz que não tem ninguém para transportar o leite, para produzir e está tudo a beber cerveja no café às quatro da tarde, nós percebemos qual é o problema.

Viabilizou um Governo do PSD. Não tem receio de ser considerado uma ‘prostituta’ no meio disto tudo? Primeiro diz que não faz mas depois faz. A seguir ‘vai para a cama’ com o PSD e eles não reconhecem que ‘foram consigo para a cama’ por vergonha. Como se sente nesse papel?

É uma boa comparação. Houve algum discurso que acho que falhámos e que um dia será escrito de forma mais objetiva. É impossível acreditar que eu fazia um comunicado à imprensa sem que o PSD tivesse dado o acordo a esse comunicado, era impensável. O PSD vinha desmenti-lo no dia a seguir. Aliás, o PSD nunca desmentiu o comunicado. E eu sei, e eles sabem que eu sei que eles sabem, que o comunicado foi feito entre nós e que eu lhes dei conhecimento disso. Aliás, tenho as provas que só por delicadeza não vou mostrar.

Mas a sensação que dá é que têm vergonha de assumirem que tiveram algo com o Chega.

Acho que alguns dirigentes do PSD tiveram intervenções muito pouco felizes, que não esquecerei. Alguns, aliás, tiveram intervenções mais gravosas que os do Partido Socialista, chamando-nos xenófobos, racistas e que nunca deveriam sequer aproximar-se de nós. Naqueles dias cheguei a pensar que tomava coisas alucinogénicas porque toda a gente dizia que não falou comigo. Às tantas já nem o representante dos Açores tinha falado comigo. Ou seja, falar comigo tornou-se um ativo tóxico. Só ouvia pessoas na televisão a dizer que não tinham falado com o Chega ou com o André Ventura, como se fosse alguma coisa por aí além. Mas, na verdade, conseguimos o que queríamos. Perguntar-me-á se me trataram mal depois do acordo? Alguns, sim.

Disse que só faria esse acordo se ficasse definido que eles ajudariam a mudar a Constituição.

E foi isso que eles me garantiram.

Em que pontos?

Redução de número de deputados na Assembleia de República, reforma da Justiça e algumas reformas a nível da fiscalidade. Tive esta garantia do PSD que estes três eixos serão abordados na revisão constitucional. Embora na redução do número de deputados discordemos do número: nós entendemos que devem ser 100, o PSD entende que devem ser mais, mas muito menos do que estão atualmente. Estas três linhas foram dadas como garantia para o acordo que nós fizemos nos Açores e, se não forem cumpridas, talvez nós tiremos a confiança nos Açores sobre isso também.

Houve declarações contraditórias entre o vosso líder nos Açores e o André. No futuro, sempre que houver alguma votação eles vão ter de ligar para Lisboa a dizer como vão votar ou votam pela cabeça deles?

O Chega Açores vota pela sua cabeça até porque tem plena consistência e consonância com o Chega nacional.

Admite que possam ficar como deputados não inscritos?

Não, não admito essa hipótese e haveria consequências imediatas. Tirariam as consequências que entendessem eles, mas o partido agiria de imediato. Aqui não há tolerância. Mas nunca nenhum me disse que, se não viabilizássemos o acordo com o PSD, se ia embora. Tanto que eles sabem que a nossa eleição hoje, quando o Chega ganhou a notoriedade que ganhou em termos de nome, inclusive o próprio, nós já não dependemos só de nós próprios numa eleição. É o Chega que nos elege.

Tem consciência que pode estar a criar um monstro?

Tenho. Por isso também tenho consciência que cabe-me a mim, enquanto primeiro líder deste partido, impedir que ele se dilua ou se destrua, mas tenho uma missão muito maior que é garantir que não estará daqui a uns tempos a entrevistar um líder do Chega que seja racista, homofóbico e xenófobo.

Não pode garantir isso.

Não posso, mas posso fazer o possível para evitar que isso aconteça. Se isso acontecer um dia, somos todos que estaremos em perigo. Não sou só eu.

Tem noção das pessoas que o rodeiam, de quem alberga debaixo do seu chapéu de chuva?

Procuro fazer um juízo sobre quem está comigo e garantir que quando sei ou sinto ou tenho informação que há desvios em coisas fundamentais, há uma atuação e eu afasto-os e garanto que no núcleo possível de aceder ao centro do comando do partido estarão sempre pessoas que eu sinta que vão respeitar o fundamental. Também quero mudar o sistema e a Constituição mas não a quero fazer violentamente. Quero fazê-lo democraticamente. Também acho que há problemas com minorias, mas também acho que o problema não se resolve com violência sobre elas. Tenho de garantir que isso nunca acontecerá.

Tem indivíduos que são comprovadamente de extrema-direita. Tem alguém que defende que as mulheres devem retirar os ovários se abortarem… Como reage perante esse tipo de pessoas? Sem essas pessoas consegue subir?

Claro que sim. Quem apresentou essa proposta foi suspenso por mim do partido. Muitos disseram-me que era a opinião dele e que ele tem direito a ela. Tem, mas acho que há limites a partir dos quais deixamos de partilhar um espaço, vamos dizer assim, civilizacional, comum. O homem tem direito a existir e a acreditar em quem quiser. Eu também tenho o direito, enquanto líder, a pôr limites em relação àquilo que o partido deve ser. Se vier outro líder, fará outra coisa. Esse indivíduo foi suspenso. Aquele que pertencia ao movimento que fez aquele disparate à frente ao SOS Racismo foi afastado por mim. Estou a fazer o meu papel. Se me disser que eles vão continuar a entrar porque veem no Chega a última hipótese de fazerem alguma coisa, não posso fazer nada contra isso. No Congresso do PCP ouvimos alguém defender que o capitalismo tem de ser derrubado pela força, a apelar que se peguem nas armas e o destruam. Jerónimo concordará com isto? Penso que não, mas se calhar até concorda. Mas acho que não. No Bloco haverá pessoas que defendem a prisão dos capitalistas e dos empresários. Estas pessoas existem em todo o lado. O que nós temos que garantir é que elas nunca têm força suficiente para chegar ao centro de comando do partido. Se o Chega cresceria tanto sem essas pessoas? Quero acreditar que quem vota maioritariamente em mim são estas pessoas que trabalham de manhã à noite em cafés, em restaurantes, em jornais – em jornais se calhar não há muitos. Quero acreditar que quem vota em mim não são 10 ou 20 skinheads que na verdade não têm expressão nenhuma ou 20 ou 30 tipos aluados de extrema-direita…

Vou dar um exemplo: no Alentejo estamos, em alguns sítios, com 28% nas sondagens. Estas pessoas são tudo menos de extrema-direita, de supremacia branca… são pessoas que há dois meses eram comunistas.

Os extremos tocam-se. Nas legislativas ganhou votos ao PCP. Será que os comunistas são racistas e que são supremacistas brancos?

É isso que estou a dizer. O eleitorado é muito diverso. Tanto temos eleitorado católico em Braga como temos ex-comunistas no Alentejo. Nunca houve um partido com tanta diversidade como o Chega. Nós temos pessoas no partido que eram dirigentes comunistas. Dirigentes. No Alentejo, todos os dias – e isto não é um exagero – entram pessoas que estavam no Partido Comunista ainda há um mês. Isto mostra como o Chega apanha pessoas de todo o tipo.

Veem-no como o Estaline?

[risos]Não, acho que não. Acho que acreditam na autoridade do Estado e que estão fartos da impunidade. Sobretudo com a comunidade cigana que é o que acontece no Alentejo. Vamos ser francos: muita razão da minha subida no Alentejo prende-se com o facto de os autarcas comunistas nunca terem percebido que há ali um problema e terem tratado aquilo como se não houvesse problema nenhum. E as pessoas reconhecem que há alguém que diz que há. E daí se calhar os votos que temos.

Sabe onde há mais criminalidade em Portugal?

Provavelmente à volta de Lisboa.

Não se manifesta contra isso.

Se alguém tem pedido subidas de penas, sou eu. Mais meios para a polícia, subidas de penas… Evidente que há mais crime nas zonas onde há mais população. Em Lisboa e provavelmente à volta do Porto. E embora em Lisboa também haja uma comunidade cigana muito significativa e problemática, a verdade é que nós não temos nenhuma comunidade em Portugal tão problemática como a cigana. Provavelmente vou receber agora outra multa por causa do que estou a dizer.

Tem recebido muitas multas?

Tenho. Ainda ontem me disse a minha mulher que estava lá outra. Ainda não vi mas ela disse que estava lá uma carta do Alto Comissariado Contra a Discriminação Racial. É este abuso que não posso deixar de denunciar. Sou um líder em funções. Por um lado, no Parlamento, se o disser, tenho imunidade e não posso ser afetado de forma nenhuma. Mas se o disser na minha rede social ou se o disser aqui ao jornal já posso ser sancionado.

Quanto já pagou em multas?

Nada. Zero.

Imunidade parlamentar?

Não, nem quero imunidade para nada disso. Quando tiver que enfrentar a Justiça enfrentarei. Receber multas pela liberdade de expressão, acho inaceitável, mas ainda não paguei nenhuma.

Como aceita no seu partido dirigentes do PCP? Qual é a diferença entre estar no PCP ou no Chega?

Ui, é total. São pessoas que, segundo me dizem, reconhecem que tinham uma ideia do PCP que não era a ideia que acabou por se manifestar. As pessoas são do PCP, muitas vezes, porque são contra o regime também. E agora acham que o Chega é a melhor expressão contra o regime. Qual é o meu desafio? É conseguir conciliar este tipo de pessoas, com os católicos de Braga e com pessoas de centro-direita em Lisboa. É muito difícil conseguir pôr isto tudo com uma cola muito grande. Por isso é que a convenção do partido, como se viu, o congresso do partido, teve uma pluralidade muito grande e uma tensão também muito grande.

Isso não é um cocktail? Alentejanos que são contra os ciganos, em Braga os católicos conservadores, evangélicos…

Ai isso é. Um cocktail que nunca houve em Portugal. Por isso o nosso desafio é maior que todos os outros, mas há uma coisa que nos une: queremos acabar com este regime.

O que é isso de acabar com este regime?

É mudar esta Constituição, é reforçar os poderes do Estado e da Justiça…

A propósito das propostas que fez no Parlamento, por que razão, das 91 que fez, só uma é que era relacionada com corrupção?

Porque nós tínhamos uma proposta autónoma que já chegou à discussão, já foi discutida na primeira comissão, que era para duplicar as penas de corrupção. Já foi discutida, o PS está contra, a esquerda está contra. Aliás, penso que todos votaram contra. Na primeira comissão nós propusemos duplicar as penas de 8 para 16 anos. Fomos o único partido que arriscou fazer uma coisa dessas. Fomos criticados porque ia desorganizar o sistema jurídico, ia pôr os bens jurídicos menos importantes como mais valiosos, depois diziam por que é que só pedíamos aquela corrupção porque há outros tipos de corrupção que têm de ser punidos… Certo, mas é um primeiro passo. E nós demos esse primeiro passo. Outro: acho que depois da segunda condenação, a pessoa devia começar a cumprir pena mas entende-se que o princípio da presunção de inocência leva até ao trânsito em julgado. Enquanto tivermos este entendimento anacrónico só uma mudança de regime é que permite isto.  Aqui as coisas arrastam-se indefinidamente. Isso é uma das reformas que o Chega quer fazer mas tem a oposição de todos os outros partidos. Assim é difícil.

Em relação à bandeira que lhe dá tantos votos, os ciganos, disse numa entrevista que jamais aceitaria que um filho seu casasse com um cigano.

Não gostava.

Mas aceitaria?

Ia custar-me.

Deserdava-a?

Não, provavelmente não.

Ia ao casamento?

Não sei se ia ao casamento…

Se se casar com um cigano que se identifica com os seus valores da honestidade, da Justiça, qual seria o problema? É só ser cigano?

Não, não. Se eu sentisse que era um cigano que rejeitava grande parte das tradições e da prática da comunidade, aceitava. Se eu sentisse que era um cigano que ia seguir à risca aquilo que a comunidade cigana dita, então não aceitaria. Mas ia custar-me… não quero alguém que diga à minha neta que não pode ir para a escola a partir dos 14 ou 15 anos. O cigano teria de adaptar-se.

Se a sua filha lhe dissesse ‘pai, vou casar com um cigano ou vou casar com um negro’?

Com um negro não vejo problema nenhum. Tenho muitas amigas e amigos negros.

E se fosse um casamento homossexual?

Não concordo com essa designação jurídica.

E união de facto?

Aceitaria. Pessoalmente aceitaria que uma filha minha vivesse com uma mulher ou um filho meu que vivesse com um homem.

Mas o partido não aceita?

Nunca coloquei a questão ao partido. O nosso amor por um filho é incondicional. Se ele é homossexual e quer viver essa experiência em união de facto ou em casamento, por muito que eu não concorde… Não concordo com a questão do casamento em si, este enquadramento jurídico, mas não tenho nenhum traço de homofobia e, portanto, se tivesse um filho que fosse homossexual e quisesse viver essa experiência em união de facto ou em casamento, aceitaria.

Tem vários amigos negros, calculo que não tenha nenhum cigano. E homossexual?

Tenho vários, sim.

E votam em si?

Sim, sim.

E o que dizem?

Não gostam quando me associam à homofobia, porque sabem que não sou assim. Sempre convivi com pessoas homossexuais. Disse-o até numa entrevista que algumas das pessoas mais brilhantes que conheci, até em termos intelectuais, eram homossexuais. Agora, o meu juízo pessoal não me pode fazer passar para um juízo sobre a sociedade dizer que o casamento com pessoas do mesmo sexo é igual a casamento com pessoas de sexo diferente. Eu acho que não é. É só aí. E isso os meus amigos homossexuais compreendem. É uma visão do mundo, é uma mundividência. Não tem nada a ver com dizer que devem ser discriminados por serem homossexuais ou não devem ter direitos. Não é nisso que acredito.

Está com licença sem vencimento. É justo continuar nessa situação?

Não é por aí que quero ir. Entrei para a Autoridade Tributária por mérito próprio, por concurso que fiz com milhares de outras pessoas. Penso que foram sete mil e tal. Um concurso aberto, público. Gostei do trabalho que lá fiz, depois deixei.

Em que momento?

Em 2015, se não me engano. Estava na televisão e entendi que podia haver colisão entre os meus comentários televisivos e a minha prática de inspetor tributário. Quando decido ficar em licença, por que é que o faço? Porque entendo que não podia estar a comentar casos que se calhar a autoridade tributária estava a investigar… É preciso deixar isto aqui claro: a minha licença na Autoridade Tributária não tira o lugar a ninguém, porque é uma licença de longa duração e como é mais de um ano o meu regresso está dependente de o quadro estar livre ou não estar livre. Se eu estivesse a tirar o lugar a alguém… agora assim não.

Entretanto, é eleito deputado mas antes de ser eleito deputado faz um serviço ‘contra’ a Autoridade Tributária. Não acha que é um bocado insólito alguém que está com licença sem vencimento aceitar fazer uma coisa contra esse organismo?

Não era fazer uma coisa contra. Hoje há magistrados que são advogados, alguns em licença outros em determinado regime. Porque são trabalhos diferentes.

É tão contra o sistema, não acha que está a fazer parte do sistema?

Acho que não. Mas essa é uma ideia errada. O que é que uma sociedade de advogados faz? As pessoas têm ideia que uma sociedade de advogados faz é ajudar os mauzões a não pagar impostos. Mas essa sociedade de advogados também ajuda restaurantes que foram penhorados a levantar as penhoras, também ajuda pequenos negócios a conseguirem candidatar-se a programas de apoio e também ajuda empresas que foram injustamente penhoradas pela Segurança Social a ter defesa. Muito do trabalho que fiz ao longo da vida na fiscalidade foi a ajudar pequenos negócios, pequenos comerciantes, pessoas que tinham sido injustamente penhoradas… Mas isso a esquerda já se esquece de falar. É assim, mas há de ser sempre assim até ao fim.

Tinha rendimentos da CMTV e da universidade. Perdeu esses rendimentos. Como sobrevive agora?

Com o salário de deputado.

Mas tem as mesmas despesas.

Quando assumimos isto sabíamos que tinha de ser assim.

O que mudou financeiramente na sua vida?

Mudaram algumas coisas. Uma coisa que não faço desde que fui eleito, se calhar, são os fins de semana. Ou ir a sítios que se calhar são um bocado mais caros. Provavelmente, esta escolha que fiz na vida – e se for longa, se me conseguir manter à tona na vida política durante muitos anos – há uma coisa que é certa: nunca vou ganhar tanto dinheiro como poderia ter ganho em termos de progressão da carreira na comunicação social, na consultoria…

Como alimenta a campanha eleitoral?

A pedir donativos, é isso que tenho feito.

Gosta tanto de transparência mas não diz de onde vem o dinheiro do Chega.

Diria sem problema nenhum. É de pessoas concretas, empresários que nos apoiam, pessoas individuais que nos apoiam… Quando terminar a campanha presidencial farei chegar o nome de todas as pessoas. Não sei se isto é legalmente aceite, que seja divulgado o nome, mas nós temos que entregar tudo na entidade de contas, fica lá tudo.

Não vai ficar com dívidas desta campanha?

Espero que não. É um dos esforços que estou a fazer, mesmo acreditando que vou ter mais de 5% que é o valor a partir do qual se pode cobrir a campanha, poderia entrar em loucuras e não entro porque não sei o que pode acontecer. A Maria de Belém também achou que podia entrar em loucuras e depois não chegou aos 5%.

O que é entrar em loucuras?

Quanto mais comunicação, provavelmente, mais capacidade de um bom resultado. Nós temos outdoors espalhados pelo país, foi com esforço que o fizemos. Há uma separação das coisas do partido e da minha candidatura a Presidente da República, apesar de o partido ter contribuído com 25 mil euros para a minha campanha presidencial. Já ouvi a Ana Gomes dizer que queria um compromisso entre todos os candidatos para que ninguém recebesse mais de 100 euros por donativo. Eu percebo, ninguém lhe quer dar nada, portanto, compreendo que ela não queira que os outros também recebam. Mas não é o meu caso, eu tenho tido o apoio de muita gente e é com isso que vamos pagar os outdoors, a comunicação digital e a comunicação formal…

Mas por que razão alguém lhe dá dois, três, quatro mil euros?

Porque acreditam neste projeto de rutura.

Mas as pessoas sabem que não vai ganhar.

Porque acreditam que um resultado muito forte do Chega é o primeiro passo para uma mudança legislativa no futuro do país. E acreditam piamente nisto. Não haverá Governo à direita sem o Chega. A questão aqui não é só o ganhar, é que acreditam que nós vamos influenciar pastas e orientação política do país em áreas determinantes. Isso é que os leva a querer apoiar. Estamos a falar de empresários, alguns deles, que tiveram quebras de faturação de 100% e 200%. E que mesmo assim dão mil euros, dois mil euros, três mil euros. Acreditam que isto vai fazer a diferença e é isto que me orgulha muito a mim.

Vai revelar esse dinheiro?

Temos que o revelar na entidade de contas. Já tivemos casos de pessoas que querem dar em dinheiro e não podem. Há pessoas que nos querem dar donativos e dizem que o nome não pode aparecer e eu não quero. Quero isto bem feito. Porque se ataco os outros por não fazerem bem feito eu tenho de fazer bem feito. Provavelmente sou o único candidato que vai percorrer os 18 distritos do continente durante 12 dias.

Mesmo com a pandemia?

Isto tem custos, despesas, hotéis. Não sou rico. Gostava de ser mas não sou. Se fosse rico chegava ali e dizia que ia fazer o que quisesse, pagava a toda a gente. Assim, tenho de pedir. Com isto não quero dizer que sou pobre, há pessoas a viver muito pior que eu, evidentemente. Mas não sou rico e não tenho dinheiro para pagar campanhas eleitorais.

A ideia que algumas pessoas têm de si é que anda com guarda-costas skinheads…

São tudo menos skinheads.

Mas naquela mesa [afastada uns metros de onde almoçámos] estão os seus dois guarda-costas?

Está um, o outro é funcionário do partido.

Tem um negro a trabalhar no Chega?

Sim, eu contrato negros. O que é uma coisa estranha para um racista, não é?

Tem recebido ameaças?

Tenho recebido muitas.

É por isso que tem segurança?

É por isso que temos um corpo de seguranças, sim. Tenho recebido mesmo muitas ameaças. Ainda a semana passada recebi uma carta, escrita à mão, com uma ameaça à minha família, a mim, onde diziam que sabiam a casa onde vivo e que iam atuar. E eram pessoas de etnia cigana. Isto tem sido diário. Às vezes quatro, cinco vezes por dia. Pelas redes sociais, por email e às vezes por carta para o Parlamento e nós temos entregue isso às autoridades que fazem o seu papel dentro do possível mas neste caso não andar com segurança seria premiar um risco.

Tem segurança 24 horas por dia?

Quando necessário, sim.

A propósito da devolução do espólio colonial que está sempre a manifestar-se contra e daí o que disse de Joacine Katar Moreira. Não acha, de facto, que é  abaixo de cão dizer ‘vai para a tua terra’?

Não, não acho. Foi de forma irónica e hoje voltava a dizer.

 

Parece a metáfora de Mamadou Ba.

Mas aparentemente a dele era descontextualizado e o meu foi uma coisa gravíssima para processos e para tudo e mais alguma coisa. Esta sociedade tem sempre dois pesos e duas medidas. Hoje voltava a dizer a mesma coisa e vou dizer mesmo com o risco que isto me volte a cair em cima. Acho que quem defende que temos de pagar indemnizações às colónias, devolver património às colónias, ou que ache que Portugal tem de compensar por causa do seu passado colonialista, vão para lá.

Vai dizer isso à Holanda, à França? Todos eles estão a devolver património.

Mas é a minha posição, é a minha opinião. Acho que, ao olhar para isso, ela não percebeu também o que nós fizemos nesses países. Então e o que nós fizemos lá? Hospitais, estradas, barragens… Eles vão pagar-nos isso também? Então vamos compensar os países pelo investimento de cinco séculos que lá estivemos? Portanto, voltaria a dizer isso à Joacine hoje e voltarei a dizer isso…

Não acha que é primário e está a incutir o espírito do pior que há na natureza humana?

Acho que não. Acho que estamos fartos do politicamente correto. Sabe porquê? Porque isto que eu disse toda a gente pensou mas ninguém teve coragem de dizer. Não disse nesse sentido. Eu também estive fora mas nunca me passou pela cabeça chegar a outro país e dizer ‘vocês agora deviam fazer isto, isto e isto’. Em Angola e Moçambique há muito mais racismo do que aqui. E isso eles não dizem. Do que lá passei sempre senti que em África há mais racismo contra nós do que cá contra os negros. As pessoas veem em mim alguém que diz as verdades que dizem em silêncio. Não é por racismo ou por extremismo, é porque reconhecem no André Ventura a capacidade de dizer aquelas verdades que eles gostariam de dizer na vida pública.

É um católico assumido. Qual a razão para criticar tanto o Papa?

Sou profundamente católico. Estive num seminário mas depois apaixonei-me e saí. Acredito que foi Deus que nos colocou neste lugar e nesta posição e nesta missão. Isso não me tira lucidez para fazer determinadas críticas e quando disse que o Papa estava a prestar um mau serviço ao cristianismo – e acrescento à Europa – tem que ver com o facto de achar que o Papa está demasiado politizado à esquerda. E dou um exemplo. Por que é que o Papa tem recebido políticos de todos o espetro, da esquerda à direita e não recebeu o Mateo Salvini? Por que rejeitou recebê-lo? E não estou a dizer porque é meu amigo, estou a dizer porque o Salvini… É provavelmente dos políticos europeus, mesmo considerando a Le Pen, aquele com quem mais me identifico, com quem mais tenho falado, com quem mais peço aconselhamento até. E ele está num julgamento, uma coisa que eu acho miserável mas não me compete a mim falar na Justiça de outros países… Agora, o Papa rejeitou recebê-lo. O Mateo Salvini é o político com sondagens mais elevadas naquele país neste momento. Foi ministro do Interior. Qual é a justificação para o Papa não o receber? A justificação é que o Papa está a entrar no jogo político da esquerda e da extrema-esquerda. Com a ideia dos coitadinhos, dos refugiados que vêm não sei de onde e que o Salvini é contra minorias e por causa dos ciganos, por causa dos refugiados… O Papa não se quer meter nesse jogo mas isso não é um jogo que cabe ao Papa meter-se, isso é um jogo político e o Papa não devia meter-se nisso.

Esquece o resto que o Papa tem feito?

Não, há coisas que ele tem feito bem, como por exemplo a questão dos mais pobres ou dos que são mais excluídos em que tem estado do seu lado, mas acho que – e é mesmo o que penso – em relação ao jogo político tem optado preferencialmente pela esquerda e isso acho que um Papa nunca deve fazer. Por outro lado,  em relação aos refugiados e aos ciganos o Papa olha para alguns partidos, como o do Salvini ou o Chega, como partidos racistas e xenófobos. Dá a entender que é isso que ele pensa destes partidos e o que eu gostava também de ver o Papa, que tanto defende os ciganos e os refugiados, era apontar-lhes o dedo quando são notícia pelas piores razões. Mas nunca o faz. Está lá sempre quando há tragédias, denunciando partidos que se aproveitam dessas tragédias. Gostava de ver o Papa dizer que há um problema com ciganos. E aí já ganhava o meu respeito.

Mas qual é o problema com os ciganos a nível da Europa e do mundo?

Há um problema em França, em Portugal, em Itália… Gostava de ver o Papa falar disso. Um problema de não integração, de não cumprimento de regras, de excessos nos estabelecimentos prisionais, de impunidade face à lei e o Papa não fala sobre isso mas vem sempre falar que a direita…

Está convicto que a questão dos ciganos lhe dá mais votos?

Não. Acho que até nos pode tirar alguns votos, porque coloca o centro-direita…

A Europa tem milhões de refugiados que não são ciganos.

Por que é que o Papa não é capaz de condenar a violação de uma série de mulheres na Alemanha por refugiados que tinham vindo da Síria e do Iraque?

Além da obsessão por ciganos, o Papa também não sai bem deste retrato.

Gostava era de ver o Papa neutro nestas questões e não um Papa que está sempre ao lado, parece, do PCP e dos Partidos Socialistas europeus. É isso que não gosto de ver. Repare, quando notamos os socialistas todos da Europa a elogiar o Papa percebemos que alguma coisa não está bem.

Mas o Papa está ao lado dos mais pobres, defende os direitos dos homossexuais… O que isso tem a ver com a esquerda ou a direita?

Nada. Isso acho bem. Nas outras matérias é que não está bem. Por exemplo, na questão da economia tem sistematicamente optado pela economia de Estado. Fez várias críticas ao modelo liberal e ao modelo dito capitalista. Acho que a um Papa não lhe compete agora entrar na teoria económica. Por outro lado, a questão dos refugiados, das minorias e dos conflitos raciais, acho que o Papa tem prestado um mau serviço e acho que se tem colocado ao lado da esquerda contra a direita. Sei que tradicionalmente a matriz de civilização cristã da Europa é defendida pelos partidos de direita e não pelos partidos de esquerda. E se o Papa decide alienar os seus aliados naturais e as suas bases naturais, pode, daqui a uns anos…

Supostamente a Igreja preocupa-se com os mais desfavorecidos e os mais pobres e é isso que o Papa tem feito.

Isso concordo. Mas não tem feito só isso. Tem lançado uma série de tiradas de natureza ideológico-política muito mais próximas da esquerda do que da direita. Um dia, se calhar, quando precisar de aliados para o combate europeu que se vai travar nos próximos anos, talvez aí sinta que perdeu um grande número de aliados. Estou convencido que a Europa, nos próximos anos, vai passar por uma enorme batalha política e a enorme batalha política vai ser entre os liberais e os socialistas e os conservadores e os de direita. Acho que isso vai ser a batalha da Europa. Em Portugal com o Chega, em Espanha com o Vox – como se está a ver pelas sondagens também –, em França com o Rassemblement National. A Marine Le Pen está em primeiro nas sondagens para Presidente em França. Vai estar cá na campanha eleitoral comigo – o Salvini também. Acho que a Europa vai mesmo passar uma batalha política nos próximos anos entre a direita conservadora e a esquerda liberal e o Papa vai ter que se colocar de um lado ou de outro da história porque não há neutralidade no que vai acontecer na Europa nos próximos anos. De que lado é que o Papa vai colocar a sua luta? Dos que defendem o modelo cristão de civilização ou dos que querem a destruição do modelo de civilização cristão?