O 40.º aniversário da morte de Sá Carneiro coincidiu praticamente com o acordo de governo nos Açores, que incluiu o Chega.
E logo se levantaram no PSD vozes a condenar o acordo – invocando Sá Carneiro e garantindo que, se este fosse vivo e líder do partido, jamais aprovaria um acordo com um partido de ‘extrema-direita’.
Não sei se aprovava ou não.
O que sei é que Sá Carneiro colocava os partidos ditos ‘fascistas’ no mesmo patamar dos partidos ditos ‘comunistas’.
«Não percebo por que é, em Portugal, os partidos fascistas são proibidos e o Partido Comunista é legal» – ouvi-o eu dizer.
Transpondo a questão para os dias de hoje, pergunto: por que é que o PCP pode ser muleta de um Governo e o Chega não pode?
Ana Gomes, que tem feito uma campanha desastrosa, arvorou como principal bandeira de propaganda a ilegalização do Chega.
Já mostrei, em anterior crónica, que essa seria a melhor prenda que poderiam dar a André Ventura.
Mas, independentemente disso, o argumento usado por Ana Gomes é simplesmente destituído de sentido.
Diz a candidata que o Chega deveria ser ilegalizado porque é «contra a Constituição».
Mas um partido tem de ser a favor da Constituição?
O CDS de Freitas do Amaral não votou contra a Constituição em 1976? E deveria ter sido ilegalizado?
Passos Coelho, antes de subir ao poder, não apresentou a revisão da Constituição como uma das principais reformas que se propunha fazer? E o PSD deveria ter sido ilegalizado?
E que dizer do PPM, que não só não aceita a Constituição como não aceita o próprio regime republicano? Os seus dirigentes deveriam, no mínimo, ser presos…
Ana Gomes está a fazer uma enorme confusão entre ‘não aceitar a Constituição’ e ‘não cumprir a Constituição’.
É óbvio que uma pessoa (ou partido) pode estar contra a Constituição; não pode é deixar de a cumprir.
Mas isso acontece com qualquer lei: o facto de eu discordar de uma lei não me desobriga do seu cumprimento.
Dito de outro modo, o facto de eu ter de cumprir uma lei não significa que tenha de estar de acordo com ela.
Ora, é muito estranho que uma mulher formada em Direito faça uma confusão tão primária.
Não tem lá ninguém no partido que a esclareça?
Centrando-nos agora no Chega, há uma coisa que todos temos de perceber: ele fazia falta ao sistema político português, que estava muito desequilibrado.
Antes de o Chega aparecer, existiam dois partidos de extrema-esquerda (o BE e o PCP), um partido de esquerda (o PS), um partido de centro (o PSD, que com Rui Rio pendeu mais para a esquerda do que para a direita) e um partido do centro-direita (o CDS).
Era um sistema político, pois, claramente inclinado para a esquerda.
O Chega veio reequilibrar um pouco os pratos da balança, embora o desequilíbrio persista.
E levanto outra questão: sendo inegável que há pessoas de direita, onde poderiam elas votar antes de o Chega aparecer?
Não será bom que tenham uma voz que as represente?
Mais: não será bom que os descontentes, os que estão insatisfeitos com o sistema, tenham um partido em quem votar?
Eu acho que sim – que é bom haver um partido que seja uma espécie de ‘barómetro do descontentamento’.
Que os desiludidos não se sintam marginalizados mas representados.
Aliás, o sucesso do Chega vem daí: ele subiu rapidamente nas sondagens porque o seu eleitorado existia antes de o partido existir.
André Ventura só veio dar voz a uma realidade preexistente.
Finalmente, o Chega tem desempenhado uma função que ninguém antes dele quis cumprir: pressionar os partidos centrais (designadamente o PS e o PSD) a discutirem certos temas ‘incómodos’ de que fugiam com medo de perderem votos.
O ‘politicamente correto’ tinha tomado conta do discurso político e não havia quem o questionasse.
Os chamados ‘temas fraturantes’, introduzidos pelo BE, nunca mereceram uma resposta enérgica por parte dos opositores.
A imigração não era debatida, apesar de ser uma das grandes questões do nosso tempo.
O multiculturalismo e as minorias étnicas eram temas proibidos.
O ‘racismo’ e o ‘antirracismo’, idem, aspas.
O patriotismo não podia ser invocado.
Etc., etc., etc.
Resumindo, direi que o Chega tem todo o direito de ser contra a Constituição; que veio reequilibrar um pouco um sistema político muito inclinado para a esquerda; que deu voz a portugueses que não tinham antes quem os representasse; que teve a virtude de pressionar os partidos centrais a discutirem temas que atiravam para debaixo do tapete por falta de coragem.
Por tudo isto, o Chega era necessário.
Só os não-democratas e os de inteligência embutida por preconceitos ideológicos poderão advogar o contrário.
P.S. – Escrevi este texto antes de ler a entrevista que André Ventura deu a este jornal e antes mesmo de saber que o iríamos entrevistar.