O regresso anunciado…

O silêncio interrompido de Pedro Passos Coelho deu-se quando menos se esperava

O silêncio interrompido de Pedro Passos Coelho deu-se quando menos se esperava, numa conferência evocativa do fundador da CUF, Alfredo da Silva, e à beira das festividades próprias da quadra. Tudo indica, assim, que não tenciona copiar o modelo de autoexílio de António José Seguro, em ‘coma político’ desde que perdeu o PS, empurrado por António Costa.

Ao quebrar o isolamento a que se vinculou, o antigo primeiro-ministro escolheu o ‘timing’, quiçá menos propício, quando a paisagem mediática está fortemente condicionada pela crise sanitária, exposta à concorrência dos candidatos presidenciais, e ainda abalada por episódios nada abonatórios do Estado de Direito, como se verificou no SEF do aeroporto. 

Curiosamente, Passos Coelho não foi uma voz solitária na crítica afiada ao Governo. Dias antes, Cavaco Silva saíra também da sombra ‘conventual’ e, a pretexto do seu último livro sobre a social-democracia, apontou ‘erros de palmatória’ a António Costa, revelando mesmo tê-lo avisado dos riscos que corria com a reposição das 35 horas na função pública e a renacionalização da TAP.

Com curto intervalo, Cavaco e Passos Coelho abandonaram o ‘recolhimento’, talvez por sentirem não dever continuar calados, enquanto o país se afunda no pântano de que fugiu Guterres.

Ambos protagonizaram, afinal, a oposição que tem faltado à direita, já que as esquerdas se limitam a estar quietas e mudas, a tirar partido do Orçamento enquanto gravitam na órbita do poder.
De facto, se o atual PSD está irreconhecível, no Parlamento e fora dele, o CDS embrulha-se em tensões e dissensões internas, e os deputados únicos do Chega e da Iniciativa Liberal fazem pela vida, tentando sobressair num hemiciclo amorfo.

Neste quadro, as intervenções de Cavaco e de Passos Coelho, foram a ‘pedrada no charco’, quando sobejam as incertezas em relação ao futuro.

E de que falaram? Passos Coelho acusou o Executivo de inação e de «fuga às responsabilidades», ao lembrar a brutalidade exercida por inspetores do SEF, à margem da lei, no Aeroporto. 

Foi o prelúdio de uma intervenção demorada, na qual tocou várias teclas e se interrogou sobre «que Portugal é este que não consegue fugir à cauda da Europa?», sobre a falta de respeito pelos contribuintes na reestruturação da TAP ou sobre o «populismo e facilitismo» na Educação, causa primeira dos maus resultados europeus em matemática.

Cavaco Silva também não foi meigo, mesmo quando alegou, não muito convictamente, estar ‘fora da política ativa’.

Sem surpresa, voltou a ser cirúrgico na entrevista ao Observador, quer ao considerar «um erro muito grande» o Estado «voltar a ficar com a maioria da TAP», quer ao notar que o Governo «depende de uma força política que de democracia tem pouco», quer ainda ao indicar como outro grande erro do Governo socialista a redução das 40 para as 35 horas na Função Pública. 

É difícil não concordar. E, embora afirmando que não «guarda saudades» dos lugares políticos que ocupou, percebe-se que o antigo Presidente da República não se acolheu ao Convento do Sacramento para preparar novenas, continuando por dentro e perto da política, que respira como poucos, desde que foi ‘rodar’ um carro até à Figueira da Foz e saiu de lá líder do PSD. 

Em vésperas de o país assumir a presidência rotativa da União Europeia, tanto Passos Coelho como Cavaco sinalizaram que não tencionam adormecer nos seus confortos, perante a degradação do país. 

A realidade é que dispararam nas últimas semanas os alarmes de desnorte no Governo e de confusão no seu interior.

A autoridade do primeiro-ministro tem sofrido ‘tratos de polé’, desde o inacreditável caso do SEF, desbaratando capital político ao ‘segurar’ Eduardo Cabrita. E mesmo ‘tirando o tapete’ a Pedro Nuno Santos consentiu que este o desafiasse, ao tentar sufragar no Parlamento o desastroso dossiê TAP.

Em contrapartida, Cavaco aproveitou a entrevista para ‘puxar’ por Passos Coelho, designadamente, ao lembrar a sua visão reformista, atribuindo-lhe o mérito pelo início da «tão falada devolução de rendimentos», que Costa reclama para si. 

E disse mais: que a seguir à quase bancarrota e ao programa da troika, ainda negociado por Sócrates em desespero de causa, Passos Coelho «fez um trabalho de grande coragem (…) e, quando chegou a 2014, conseguiu uma saída limpa sem precisar de um segundo resgate, deixando a economia portuguesa já numa trajetória de crescimento económico que o Governo que se seguiu não soube aproveitar bem». 

Pouco dado a encómios, Cavaco identificou, inclusive, em Passos Coelho competências na «aplicação da social-democracia moderna no domínio da justiça social», como se Rui Rio fosse já passado. 
Não terá sido por acaso que reapareceram no circuito mediático. Engana-se quem achar que já não contam.