Quatro irmãos em quatro países

Ao longo de oito semanas – entre abril e maio – acompanhámos a família Moreira da Cruz, separada nestes tempos de pandemia. Agora volta a retratar a sua experiência nestes últimos meses e ver como vão passar este período de natal, já que devido à covid-19 não sabem, mais uma vez, quando poderão voltar a…

Filipa Moreira da Cruz. Carpe Diem

O mês de dezembro foi peculiar e ainda não terminou. O dia do meu aniversário foi passado entre o apartamento onde vivo e uma excursão a quatro até ao centro de rastreio Covid. Uma semana antes tínhamos estado em casa de dois familiares do meu marido que confirmaram, mais tarde, serem positivos. Confesso que, na altura, ninguém tinha máscara, com exceção do meu filho que raramente se separa dela (tal foi o susto que apanhou com o maldito vírus). Após este episódio infeliz, a Segurança Social exigiu-nos dois testes, o serológico e o RT-PCR. O primeiro confirmou-nos duas coisas: tivemos o vírus e ainda temos anticorpos. Obviamente que o segundo deu negativo.

Um momento de desatenção provocou uma reviravolta nas nossas rotinas. Os meus filhos não foram à escola durante oito dias e os amigos mais chegados entraram em pânico. Eu estive em teletrabalho e os nove colegas com os quais partilho habitualmente o mesmo espaço foram forçados a fazer o mesmo, por precaução. Felizmente, o meu marido não pode trabalhar à distância, por isso, couberam-lhe a ele as tarefas domésticas, algo que faz com agrado.

Foram vários os Natais que não passei no meu país por razões profissionais. Os meus filhos fazem questão de se reunir com a família portuguesa nesta altura do ano e estão habituados a viajar sozinhos. Prometi-lhes que, em 2020, não trabalharia durante este período e que, estaríamos todos juntos em Portugal. Pude apenas cumprir uma das promessas. Ainda não foi desta que nos voltamos a reunir.

Em França, os restaurantes, cafés, pastelarias e bares estão totalmente fechados desde 30 de outubro e devem permanecer assim, até pelo menos, 20 de janeiro. Cenário idêntico para os cinemas, teatros e salas de espetáculos. É desolador passear pelas ruas pedonais do centro histórico da cidade onde vivo. O recolher obrigatório também continua e agora passou a ser das 20h00 às 06h00. As únicas exceções serão 24 e 31 de dezembro. No último dia do ano, estarão 100.00 polícias na rua para  que a população cumpra o distanciamento social. Liberdade (mais que) condicionada. Tolerância zero.

Os jantares no Palais de L’Élysée, até às tantas da noite, teriam passado despercebidos se Macron não tivesse testado positivo. Mas no melhor pano cai a nódoa e nos dias que correm sabe-se tudo. Mais cedo ou mais tarde. O presidente tentou comover-nos com a sua mensagem piegas, mas as suas lágrimas de crocodilo não emocionaram ninguém.

Apesar de o governo ter autorizado seis adultos (as crianças não contam) na ceia de Natal nós decidimos passar a noite de 24 de dezembro só os quatro. A minha filha ficou tão traumatizada com o teste Covid que recusa partilhar o seu espaço com outras pessoas que não pertençam ao agregado familiar.

A mesa vai ser decorada a preceito e cada um de nós já tem o seu menu personalizado criado pela mais pequena da casa. O chef vai impressionar-nos com o seu sumptuoso festim, como sempre. E até vai haver bacalhau! Vamos jogar ao Cluedo, ao Trivial Pursuit Junior e quando eu estiver à beira de um ataque de nervos com o interminável Monopoly o meu filho vai anunciar que está na hora de abrir os presentes. Aleluia!

Este ano vai ser assim. Em 2020 logo se verá. Deixei de fazer planos e cada vez tenho menos expectativas. Vivo o momento porque há certas realidades que nos escapam e outras que nunca chegamos a controlar. Carpe diem.

Ines Moreira da Cruz. Cumplicidade

Este ano foi muito intenso, cheio de mudanças e repleto de surpresas más e…boas. E é nestas últimas que me quero focar. Por mais incrível que pareça, este ano tive as melhores férias da minha vida. A convite do meu irmão. Ele, como já é hábito, escolheu minuciosamente a casa e o local. Mas desta vez, superou tudo e surpreendeu todos. Foi perfeito!
Nós, cá de casa, juntamo-nos a eles que vieram de Londres e desfrutamos de férias a valer no sul do nosso país. As conversas à volta da piscina, os cocktails no bar da praia, as caminhadas à beira-mar e as recordações de infância que partilhamos com ternura. Foi tudo genuíno e sentido com prazer. Somos parecidos. Gostamos muito de conversar, de rir e de uma mesa cheia de pessoas. Certo dia, estávamos tão animados que deixamos queimar o almoço no churrasco.
 
Num dos vários passeios que demos cruzámo-nos com um jogador de futebol do nosso clube. Trocamos um olhar e começámos a correr numa tentativa de conseguir um autógrafo. Em vão! Desatamos numa gargalhada e, quando nos apercebemos havia inúmeras pessoas ao nosso redor. Parecíamos umas crianças.
 
E as aulas de natação do meu filho com a tia! E os mergulhos que dei com a minha sobrinha! Houve também uma vez em que o meu marido perdeu o sapato na praia e teve que caminhar descalço até casa. E todas as outras em que cozinhou e os seus petiscos desapareciam num abrir e fechar de olhos. Como aquele paté delicioso que alguns nem sequer chegaram a provar.
 
Agradeço ao meu irmão estas férias maravilhosas que me ajudam a encarar com otimismo as situações mais difíceis. Quando menos esperava, o nosso reencontro aconteceu. E parece que o tempo não passou. Voltamos a ser pequeninos. Infelizmente, não pudemos estar os quatro juntos, mas os momentos a dois já foram mágicos.
 
O meu filho adorou conhecer a criança que ainda sou e ser testemunha da cumplicidade que tenho com o meu irmão. Ele já pensa nas próximas férias do verão com a família de Londres. 2020 também foi único em emoções e magia. E é nessas recordações maravilhosas que vou concentrar-me. O Natal vai ser bom, dentro do possível. A família está longe, mas sempre no meu coração.
 
Joana Moreira da Cruz. Natal a dois
 
Este ano o Natal vai ser romântico e, ao mesmo tempo, triste e silencioso. Seremos apenas eu e o meu marido, cumprindo as ordens do Governo de não ter mais de dois adultos por casa. Uma ceia sem familiares, sem alvoroço, sem confusão. Os italianos são como nós, falam alto, passam do riso às lágrimas, não conhecem a discrição. Ainda para mais, numa família com uma sogra, oito sobrinhas e quatro irmãs, como é o caso da do meu marido. Ele ficou contente por ter-se livrado de tantas mulheres!
 
Itália voltou a confinar-se e a região do Veneto, onde vivo, é a que regista mais casos positivos de covid, por isso, a tolerância é zero. Não há visitas à nonna nem ao nonno, não há missa, não há mercado de Natal nem concerto de ano novo. As ruas voltaram a estar vazias depois da azáfama dos presentes. Nestas circunstâncias nem apetece celebrar seja o que for, quanto mais não seja por solidariedade com os que perderam a vida e com os que trabalham durante este período.
 
O ambiente no país é moroso. Já se notam os efeitos das crises económica e social. Mas há sempre quem infrinja as regras em nome da liberdade. Por um lado, os jovens não respeitam o confinamento e encontram-se às escondidas. Dizem que não podem ser privados do contacto social. Para eles, estar com os amigos sobrepõe-se à ameaça do vírus. Por outro lado, o consumismo exacerbado veio ao de cima numa tentativa de fingir que está tudo bem. As filas à porta das lojas eram intermináveis para apurar as compras de última hora. Nem parece que 10% do país ficou desempregado e outros tantos continuam em layoff.
 
Já estamos todos à espera que o confinamento seja prolongado. Infelizmente, a covid não se vai embora tão cedo e a vacina não convence a maioria dos italianos. São poucos os que acreditam na sua eficácia. Imagino que o governo vai tomar atitudes ainda mais firmes no combate ao vírus. Espero que o país consiga resistir.
 
Apesar de tudo, não posso queixar-me. Estou de boa saúde e tenho um emprego. Depois de alguns meses em layoff decidi mudar de área porque a empresa onde trabalhava antes não tem data de reabertura. Faço o que gosto e posso deslocar-me ao meu local de trabalho diariamente.
 
Eu já só espero que 2020 termine rapidamente e que o próximo ano seja menos mau. O encontro, em Portugal, com a minha família ficou, uma vez mais, adiado, mas tenho a certeza que o Natal que voltarmos a passar juntos vai ser inesquecível.
 
Diogo Moreira da Cruz. Balbúrdia à inglesa 
 
Este ano o Natal vai ser romântico e, ao mesmo tempo, triste e silencioso. Seremos apenas eu e o meu marido, cumprindo as ordens do Governo de não ter mais de dois adultos por casa. Uma ceia sem familiares, sem alvoroço, sem confusão. Os italianos são como nós, falam alto, passam do riso às lágrimas, não conhecem a discrição. Ainda para mais, numa família com uma sogra, oito sobrinhas e quatro irmãs, como é o caso da do meu marido. Ele ficou contente por ter-se livrado de tantas mulheres!
 
Itália voltou a confinar-se e a região do Veneto, onde vivo, é a que regista mais casos positivos de covid, por isso, a tolerância é zero. Não há visitas à nonna nem ao nonno, não há missa, não há mercado de Natal nem concerto de ano novo. As ruas voltaram a estar vazias depois da azáfama dos presentes. Nestas circunstâncias nem apetece celebrar seja o que for, quanto mais não seja por solidariedade com os que perderam a vida e com os que trabalham durante este período.
 
O ambiente no país é moroso. Já se notam os efeitos das crises económica e social. Mas há sempre quem infrinja as regras em nome da liberdade. Por um lado, os jovens não respeitam o confinamento e encontram-se às escondidas. Dizem que não podem ser privados do contacto social. Para eles, estar com os amigos sobrepõe-se à ameaça do vírus. Por outro lado, o consumismo exacerbado veio ao de cima numa tentativa de fingir que está tudo bem. As filas à porta das lojas eram intermináveis para apurar as compras de última hora. Nem parece que 10% do país ficou desempregado e outros tantos continuam em layoff.
 
Já estamos todos à espera que o confinamento seja prolongado. Infelizmente, a covid não se vai embora tão cedo e a vacina não convence a maioria dos italianos. São poucos os que acreditam na sua eficácia. Imagino que o governo vai tomar atitudes ainda mais firmes no combate ao vírus. Espero que o país consiga resistir.
 
Apesar de tudo, não posso queixar-me. Estou de boa saúde e tenho um emprego. Depois de alguns meses em layoff decidi mudar de área porque a empresa onde trabalhava antes não tem data de reabertura. Faço o que gosto e posso deslocar-me ao meu local de trabalho diariamente.
 
Eu já só espero que 2020 termine rapidamente e que o próximo ano seja menos mau. O encontro, em Portugal, com a minha família ficou, uma vez mais, adiado, mas tenho a certeza que o Natal que voltarmos a passar juntos vai ser inesquecível.