(A)crédito

Como assumem menos riscos, os credores esperam um menor retorno em média do que os acionistas. O retorno dos credores é limitado enquanto que os acionistas têm retorno ilimitado pois ficam com os lucros depois de pagos os credores: perguntem ao Jeff Bezos da Amazon. Os credores esperam no melhor cenário receber o seu capital…

Nova Iorque, dezembro 2020

«Crédito: a confiança da humanidade na humanidade».

Escultura na sede da agência de rating Moody’s

 

Queridas Filhas,

Participar em negócios é uma forma de obter rendimentos superiores a depósitos. Crédito a projetos ou empresas permitem participar com menos risco do que acionistas pois os credores são pagos antes de qualquer dono ou acionista ser remunerado pelo seu investimento.

Como assumem menos riscos, os credores esperam um menor retorno em média do que os acionistas. O retorno dos credores é limitado enquanto que os acionistas têm retorno ilimitado pois ficam com os lucros depois de pagos os credores: perguntem ao Jeff Bezos da Amazon. Os credores esperam no melhor cenário receber o seu capital de volta acrescido dos juros prometidos.

Juro Prometido = Juro sem Risco + Spread

Em que:

Juro Prometido é o juro total que vai ser recebido pelo credor;

Juro sem Risco é o juro pago pelo emitente da moeda para prazos semelhantes; para o euro é o Banco Central Europeu;

Spread é o juro adicional cobrado para remunerar o credor pelo risco corrido.

Uma ilustração simples. Uma amiga vossa quer lançar uma loja para vender limonadas. Pede-vos 1.000 euros de empréstimo a um ano para comprar equipamento. Assumindo que a taxa de juro a um ano sem risco na zona euro é de 1%, vocês propõe emprestar a 5% ao ano, cobrando assim um spread de 4%.

Se no final do ano, a vossa amiga tiver 1.050 euros ou mais em caixa (os 1.000 euros de empréstimo acrescidos de 50 euros de juro a uma taxa de 5%) vocês recebem o vosso investimento de volta com o retorno que vos foi prometido. Vocês não recebem um cêntimo mais, mesmo que a loja da vossa amiga tenho um sucesso muito superior ao esperado.

Os problemas começam quando o projeto corre mal, e a vossa amiga não tem o capital suficiente para vos pagar. O vosso retorno será inferior a 5% e pode mesmo ser negativo se ela tiver menos de 1.000 euros. O pior cenário seria ela não ter qualquer capital no final do ano, abrindo falência e levando à perda total do vosso investimento.

Que motivos levam um projeto a não ter capitais suficientes para pagar credores? A lista é tão extensa que não chega o espaço desta carta para as listar a todas. O mais inquietante é que o risco mais perigoso é sempre aquele que nem sequer listamos. As principais áreas de risco incluem:

– Comercial: os consumidores não abraçam o projeto que falha por não poder cobrir as despesas;

– Macro: a economia sofre um choque que afeta a confiança e procura dos consumidores;

– Força maior: Um acidente destrói o projeto (incêndio, tremor de terra…);

– Fraude: A gestão do projeto desvia fundos para fins pessoais;

– Legal: o Estado ou a Câmara declara o projeto ilegal.

Há muitos outros riscos. Em 2020 não nos esquecemos do risco de pandemia que pode levar ao confinamento do projeto. Ataques terroristas, guerras nucleares, revoluções políticas, competição, relações públicas… Enfim, podíamos escrever vários filmes com a nossa imaginação aqui. Como disse Leo Tolstoy no início da Anna Karenina: «Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes são-no cada uma à sua maneira». Cada projeto ou negócio falha à sua maneira.

Há formas de aumentar a proteção de credores. A mais forte é através de ‘garantias’. Uma ‘garantia’ é uma forma alternativa de obter o capital emprestado para além dos fluxos de caixa do projeto. As ‘garantias’ mais comuns são hipotecas de bens imóveis, garantias pessoais e garantias bancárias.

‘Covenants’ são regras pré-acordadas que monitoram a evolução do negócio. Em caso de incumprimento o credor pode forçar mudanças na gestão e em alocações de capital para proteger o seu investimento. Por exemplo, se a vossa amiga vender menos de 100 limonadas numa semana, tem de começar imediatamente a pagar de volta o que deve.

A força das ‘garantias’ e ‘covenants’ depende da força e celeridade do sistema de justiça do país. Se a justiça for demasiado lenta ou até corrupta, mesmo em condições de retorno prometido alto, será mais prudente não fazer o investimento. A minha recomendação é de que usem um profissional com provas na concessão de crédito para gerir este tipo de investimentos. Talvez até poupem algumas amizades…