Para quando a nomeação pela UE do enviado especial para a liberdade religiosa?

A questão da liberdade religiosa no mundo voltou a pôr-se com grande premência no ano de 2016, quando os terroristas do ISIS procederam a massacres sistemáticos de cristãos, de Yazidis e de outras minorias religiosas nas áreas que ocupavam no norte do Iraque e em território sírio.

por A. S. Araújo

Mas, apesar da neutralização local do ISIS, este e outros grupos de fanáticos jiadistas prosseguiram as suas perseguições aos cristãos nomeadamente em África. Aliás os cristãos são o grupo mais perseguido no mundo embora a perseguição e descriminação religiosas se pratiquem contra outras crenças. Recentemente, a deputada eslovaca, Miriam Lexmann, membro da Comissão das Relações Externas do Parlamento Europeu, levantou a este propósito, a questão da vacatura do lugar de Enviado Especial da UE para a Promoção da Liberdade Religiosa. Esta figura tinha sido criada em 2016, no auge das perseguições do ISIS. O titular, Jan Figel, também eslovaco, tinha sido Comissário Europeu entre 2004 e 2009. Antigo dirigente das Juventudes Socialistas, no tempo do Regime comunista, Figel aderiu ao Movimento Democrático Cristão (conservador) em 1990 e ocupou vários lugares no governo eslovaco.

Desde o termo do seu mandado, em Novembro de 2019, que a UE não nomeou ninguém para o substituir. Vêm nesse sentido as recentes considerações da deputada Lexmann, alertando para a vacatura do lugar e para a percepção do que tal vacatura pode significar, como sinal de desinteresse da Europa em relação a um capítulo tão essencial da matéria dos Direitos Humanos como é a “Liberdade Religiosa”.

Isto num momento em que, para além das perseguições aos cristãos e judeus em vários países muçulmanos onde institucionalmente é desconhecida a liberdade religiosa, se multiplicam outros atentados à liberdade de crenças. Na República Popular da China, contra os Uyghurs no Xinjiang, ao mesmo tempo que está em curso um programa forçado de recolocação de populações no Tibete. Segundo um estudo do Think-Tank conservador de Washington D. C. – a Heritage Foundation – desde 2017 que, estarão internados em campos de trabalhos, na RPC cerca de 1.800.000 Uyghurs. Aí, segundo a Jamestown Foundation, seguem-se práticas eugénicas, destinadas a baixar as taxas de natalidade do grupo. A ideia é esterilizar as camponesas com mais de dois ou três filhos, fim para o que foram alocados vastos recursos pessoais e financeiros.

A política de controle demográfico de Xinjiang data da tomada do poder em Pequim pelo Partido Comunista em 1949 e desde aí através da migração de chineses Han para a região. De 7% em 1950, em 70 anos os Han passaram a ser cerca de 60% da população, fazendo dos locais uma minoria.

Outra questão muito importante e que está na raiz das preocupações da deputada eslovaca tem a ver com a perseguição e controle aos cristãos, nomeadamente aos católicos, na RPC. No pós-maoísmo, com as reformas político-económicas de Deng-Xiau-Ping, houve um geral abrandamento do regime de terror e perseguição às religiões. Isto e a prévia erradicação de todas as crenças religiosas, explica o rápido crescimento da comunidade cristã na China Comunista que, segundo as estatísticas da Pew Research Center, seriam, em 2010, 67 milhões, isto é 5% da população.

O reforço da autoridade ideológica e política do Partido Comunista e da Segurança de Estado, a partir da liderança do Presidente Xi em 2012, reflectiu-se também no capítulo da liberdade religiosa. Logicamente o PCC quer ter o controle e a hegemonia da esfera político-social e não quer lealdades concorrentes. Embora oficialmente haja liberdade religiosa, o Partido não quer que, ao abrigo da prática religiosa, se criem ilhas de liberdade e resistência ao seu poder. Mas também não pretende recorrer a meios mais drásticos de proibição absoluta e totalitária, como na Rússia comunista ou durante o Maoísmo.

Por isso procura, na medida do possível, usar métodos indirectos mas eficazes de domesticar as igrejas, sobretudo a Igreja Católica. Assim, foi com a prova de força do reconhecimento dos Bispos, negociada há dois anos com o Vaticano, uma prova de força que terminou com um Acordo, que, entretanto, foi recebido com críticas por muitos católicos chineses.

A Administração Trump, na sua linha de denunciar o reforço do autoritarismo e do Estado policial da RPC, conseguiu, em Outubro deste ano, por iniciativa do Secretário de Estado Mike Pompeo, que 39 países, incluindo a esmagadora maioria dos países da União Europeia (Portugal foi dos poucos que não assinou) apresentar nas Nações Unidas uma moção chamando a atenção e condenando as actuações de Pequim no Xinjiang e em Hong Kong, como violadoras dos direitos humanos.

Neste quadro vem o apelo da deputada Miriam Lexmann, para que a Comissão nomeie urgentemente um novo Enviado Especial para a Liberdade Religiosa. Já em Julho, o Vice-Presidente da Comissão, Margaritis Schinas anunciara a decisão de o fazer. Mas nada sucedeu desde então. E considerando que a coberto da pandemia e das medidas anti-pandémicas muitos governos escalaram na repressão securitária discreta (como foi o caso da RPC em Hong-Kong) a urgência desta nomeação – e da dotação desta entidade com meios pessoais e financeiros – será um sinal muito importante de determinação da União Europeia em defender a liberdade religiosa.

A nomeação será um sinal. A não-nomeação também. Um mau sinal, neste caso, de que, por interesses económicos e pressões, Bruxelas mete na gaveta um dos pontos mais importantes proclamados da sua Agenda externa.