Rodrigues dos Santos e Auschwitz…

Há aqui um problema que é bem português: o sucesso dos outros incomoda. Se alguém tem sucesso é porque tem uma madrinha ou padrinho por trás. Esta tese é altamente perversão e é um dos principais obstáculos ao crescimento do país. Quando alguém se destaca torna-se num alvo a abater. 

por Judite de Sousa

Antes de mais a declaração de interesses: sou amiga do José Rodrigues dos Santos (JRS) há mais de trinta anos. E fui a pessoa que ele convidou para apresentar o seu último livro O Manuscrito de Auschwitz na Sociedade de Geografia de Lisboa. Um livro a que se junta o anteriormente publicado O Mágico de Auschwitz.

Durante cinco dias li estes dois livros. Revelam uma maturidade na sua narrativa ficcional e uma nova etapa na sua carreira de escritor. Não me surpreende. JRS é há mais de dez anos o escritor mais lido em Portugal. Está traduzido em mais de vinte línguas. Em França é há cinco anos consecutivos o escritor estrangeiro mais lido. Há três anos, estava eu a cobrir as eleições presidenciais francesas dei com a fotografia dele, em grande formato, na montra da Fnac nos Campos Elísios.

Vem isto a propósito das recentes críticas que lhe foram dirigidas sobre estes seus dois últimos livros. São duas obras ficcionadas baseadas em factos e personagens reais. Na apresentação, entrou em direto a partir dos Estados Unidos, o sobrevivente de Auschwitz, com 94 anos, que lhe havia contado a história do mágico. O JRS teve ainda a preocupação de dar a ler o livro, obviamente sobre um tema controverso, ao líder da comunidade judaica em Portugal. Não só o leu como fez uma intervenção de dezoito minutos sobre a essência do livro.

São assim de estranhar as críticas que foram feitas ao JRS de alguns setores ditos intelectuais. Não creio que tenham lido as novecentas páginas das duas narrativas. JRS não precisa que o defendam mas há coisas que têm que ser ditas e chamadas pelos seus nomes. Contrariamente ao que acontece lá fora, JRS nunca foi devidamente premiado no seu país. Existe naturalmente um preconceito que o leva a ser ignorado pelos júris que presidem à atribuição dos prémios literários dos mesmos para os mesmos. De vez em quando surge um outro argumento ilegítimo. Dizem alguns que JRS está nos tops em razão da sua visibilidade televisiva. Não há evidência que o confirme. Nas dezenas de países onde está traduzido ninguém conhece o autor da televisão. Os livros valem por si próprios.

Há aqui um problema que é bem português: o sucesso dos outros incomoda. Se alguém tem sucesso é porque tem uma madrinha ou padrinho por trás. Esta tese é altamente perversão e é um dos principais obstáculos ao crescimento do país. Quando alguém se destaca torna-se num alvo a abater. Lembro-me de um livro escrito por um historiador brasileiro, que falava da descoberta do Brasil, por Pedro Álvares Cabral, dizendo que, no regresso do navegador à Corte, a reação foi enviá-lo para as suas terras, em Torres, nunca mais lhe tendo sido dada uma nova oportunidade para efetuar uma outra viagem ao serviço da Coroa. Está tudo dito: inveja.