O frio que mata

Entre ontem e hoje, a temperatura variará entre -4 ºC e 8 ºC de mínima em Portugal continental. O país é o segundo da Europa onde mais se morre de frio. Portugueses não têm dinheiro para pagar contas do aquecimento.

por Daniela Soares Ferreira e Maria Moreira Rato  

Frio no inverno e calor no verão é a realidade em muitas casas portuguesas, e seja pela construção ou pela falta de dinheiro, grande parte da população confronta-se com este drama que faz de Portugal um dos países europeus onde se morre mais por causa de ondas de frio ou de calor. Com as vagas de frio anunciadas por estes dias – com os termómetros a atingirem os -4 oC em algumas localidades –, são várias as autarquias que tomaram medidas para menorizar os problemas dos sem-abrigo, deslocando as pessoas para locais seguros ou mantendo estações de metropolitano abertas, como é o caso de Santa Apolónia, Oriente e Rossio, em Lisboa. Mas não são só os sem-abrigo que ficam vulneráveis a estas vagas de frio e os números não mentem. No inverno, em Portugal, verifica-se 28% de excesso de mortalidade, sendo um dos países onde mais se morre devido ao frio. Esta percentagem corresponde, nos anos anteriores a 2020, ao registo de 100 a 150 óbitos diários a mais do que nas outras estações. Estes números assumem especial relevância numa semana que ficará marcada pela descida da temperatura mínima. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), quase 19% das famílias não têm condições financeiras para assegurar o aquecimento das habitações, sendo Malta o único país da Europa com uma realidade pior do que a nacional.

De acordo com o último inquérito às condições de vida e rendimento, o INE mediu a chamada “privação material” e concluiu que um dos indicadores passava pela capacidade de manter a casa quente. Quase 19% das famílias não conseguem fazê-lo – em 2007, este valor era de 41,9%. De acordo com um estudo da Universidade de Dublin, “países com climas mais temperados tendem a ter baixa eficiência térmica nas habitações e, por isso, é mais difícil manter estas casas quentes quando chega o inverno”. Ou seja, quase dois milhões de portugueses não têm como manter as suas casas quentes devido ao preço da eletricidade, e estes dados são corroborados pelo Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia, que em janeiro do ano passado avançou que 19,4% dos portugueses dizem que não conseguem aquecer as habitações durante o inverno por não terem dinheiro para pagar as contas.

 

Aquecer sai caro

Quando o frio aperta, a tendência é usar qualquer aquecimento – normalmente ligado à eletricidade – que possa manter a casa quente. Mas é aí que sobe a fatura da luz e os últimos dados do Eurostat – relativos ao final do ano passado – são claros: o preço da eletricidade doméstica em Portugal é o oitavo mais caro da Europa. Ainda assim, tem existido uma redução. Os números mais recentes do gabinete de estatística europeu são referentes ao primeiro semestre de 2020 e mostram que os preços médios da eletricidade na Europa diminuíram.

Segundo a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), nos primeiros seis meses de 2020, Portugal contou com uma descida dos preços da eletricidade no segmento doméstico (-1,4%). Mas para o segmento não doméstico, a trajetória foi outra: os preços subiram 2%.

Portugal é o quarto país da UE com mais impostos na fatura elétrica. Pelo menos é isso que diz o resumo informativo da ERSE com base nos dados do Eurostat, que revela que até junho do ano passado, “a componente de taxas e impostos que integra os CIEG [custos de interesse económico geral] apresenta para Portugal um peso de 46% do preço pago pelos consumidores”. Acima de Portugal estão apenas Dinamarca (peso de 66%), Alemanha (53%) e Finlândia (47%).

Mas a posição de Portugal neste top-10 pode estar prestes a mudar, pois no que diz respeito às grandes novidades de reduções para este ano está o valor da eletricidade. O preço vai descer para todos os clientes, tanto os que estão no mercado regulado como os que estão no mercado liberalizado.

 

Tarifa social

Quanto à tarifa social da eletricidade e do gás natural, esta foi, no final do ano passado, alargada a beneficiários de prestação de desemprego e do regime especial da pensão de invalidez. A extensão do desconto de 33,8% na fatura mensal da luz e do gás foi aprovada em Conselho de Ministros.

Ora, o diploma “promove o alargamento das condições de acesso à tarifa social da energia elétrica e do gás natural às situações de desemprego, passando assim a acrescer ao elenco de clientes finais economicamente vulneráveis os beneficiários de prestações de desemprego”.

Mas há mais: “Procede-se, ainda, ao alargamento a mais situações de desproteção: aos beneficiários da pensão social de invalidez do regime especial de proteção na invalidez ou do complemento da prestação social para a inclusão”.

São considerados ainda economicamente vulneráveis os clientes finais que integrem um agregado familiar cujo rendimento total anual seja igual ou inferior a 5808 euros, acrescido de 50% por cada elemento do agregado que não aufira qualquer rendimento, até ao máximo de dez.

Segundo a ERSE, no final do terceiro trimestre do ano passado, 806 mil clientes beneficiavam da tarifa social de eletricidade. Para o próximo ano, o regulador perspetiva 934 mil clientes.

 

Extremos térmicos

A temperatura mais baixa de Portugal continental, -16 oC, foi registada a 4 de fevereiro de 1954 nas Penhas da Saúde, em Miranda do Douro, na Covilhã. Neste dia marcado por um recorde pouco agradável, a temperatura máxima situou-se nos -10,2 oC.

Já em Lisboa, a temperatura terá chegado aos 2 graus negativos na noite de 11 para 12 de fevereiro de 1956 – de acordo com um artigo do Diário de Lisboa, o frio “penetrava nos ossos e em casa”. Esta foi a temperatura mais baixa registada na capital no séc. xx; porém, em 1896, havia sido uma décima mais fria. “Penetrou em todos os lados, cobriu as ruas de geada, nos lagos dos jardins formaram-se películas de gelo, nos canteiros, um alvo manto de geada, verdadeiras suspensões de estalactites”, podia ler-se na publicação.

O matutino da altura narrava que a temperatura resistia “a braseiros, a caloríferos, ao aquecimento central, ao exercício ginasticante, à sopa quente, à camisola de lã e até ao cachecol”. Volvidos mais de 60 anos, além do destaque atribuído à importância da condução defensiva, especialmente em “locais onde se forme gelo na estrada”, a ANEPC não deixou de lembrar que os aquecimentos com combustão, como braseiras e lareiras, “que podem causar intoxicação devido à acumulação de monóxido de carbono e levar à morte”, devem ser utilizados com muito cuidado.