SNS sob forte pressão, confinamento volta a estar em cima da mesa

Governo decide hoje as medidas para a próxima semana. Deverão ser mais restritivas, mas um confinamento como o primeiro será sempre a opção mais difícil.      

Os alertas de que os casos de covid-19 iriam aumentar depois das festas já pairavam há várias semanas, com a mobilidade dos portugueses a aumentar no período festivo, e bastaram os primeiros dias do ano para desfazer a expectativa de um aumento gradual ou pouco significativo. O país passou ontem a barreira dos 10 mil casos diários, mais cedo do que se antecipava. Sem adivinhar que o dia seria de recordes nos casos reportados e sem alterar planos, o Parlamento renovou o estado de emergência por oito dias e a decisão de medidas daqui para a frente, que já estava agendada para o conselho de ministros desta quinta-feira, tornou-se mais complexa. Sem a habitual reunião de peritos no Infarmed, que o Presidente da República indicou que só poderia acontecer na próxima semana, o i sabe que ontem ao final do dia foram auscultados pelo Governo os peritos que têm feito o acompanhamento da situação epidemiológico da epidemia e intervindo nas reuniões com o PR e representantes dos partidos. A ideia de uma “tempestade perfeita” a formar-se, com o aumento de diagnósticos de covid-19 e o inverno a aumentar por si só a pressão nos hospitais, foi uma das imagens transmitidas ontem ao i. A convicção de que será prudente um apertar das medidas perante a subida de casos e internamento foi defendida por vários peritos publicamente e não é diferente da ideia que tinha ficado nas últimas reuniões no Infarmed, quando o Presidente da República já tinha questionado diretamente os especialistas sobre o que esperar em janeiro. E recebido a resposta de que, apesar do início da vacinação trazer agora a luz ao fundo do túnel, os primeiros meses do ano serão ainda críticos e o R está sempre pronto a disparar. A nova variante detetada em Inglaterra, mais transmissível e que ainda não se sabe se está por detrás do aumento de casos em algum ponto do país, foi a nova variável conhecida em cima do Natal. Na altura não se sabia, mas o INSA veio a confirmar que já estava em Portugal em dezembro e prossegue a análise de dezenas de casos suspeitos. Entretanto o R, o fator de reprodução do vírus, já aumentou. Está de novo acima de 1.1 em todo o país, indicou ao i José Artur Paiva, presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, uma das áreas onde a covid-19 tem colocado maior pressão. Com mais de 500 doentes internados com covid-19 nas unidades de cuidados intensivos do país, a ocupação de UCI a nível nacional ronda os 85%, contando com doentes não covid que também estão internados em estado crítico e aumentam nesta altura do ano. O país tem atualmente cerca de 1100 camas de cuidados intensivos dos diferentes níveis, explicou José Artur Paiva, quase o dobro das 629 que existiam no ano passado. Uma expansão conseguida com a adaptação de outros serviços e realocação de equipas de outras alas dos hospitais, nomeadamente de cirurgia, mas que mostra o peso que a covid-19 trouxe aos hospitais mesmo num inverno até aqui com menos gripe. Atualmente, são muito mais doentes em UCI em cuidados intensivos do que nos invernos anteriores, o que só tem sido possível de acomodar porque houve a expansão da resposta, sublinha José Artur Paiva, indicando no entanto que houve alguma heterogeneidade nesse aumento. Na região Norte, mais afetada tanto na primeira como na segunda vaga, há agora 2,4 vezes mais camas de UCI do que em janeiro do ano passado. Em Lisboa, a expansão foi de 1.4%. Alargamentos que a manterem-se ou a serem reforçados continuarão a afetar a atividade não urgente, nomeadamente cirurgia.

Ontem o Ministério da Saúde reforçou as instruções para os hospitais suspenderem atividade não urgente. Ainda antes de serem divulgados os números, a ministra da Saúde antecipou os dias difíceis pela frente. “Estamos novamente numa fase de imensa pressão no SNS, estamos a procurar responder mas precisamos da ajuda de todos”, apelou Marta Temido no arranque de mais um dia de vacinação nos lares. “Os hospitais têm autorização para todas as contratações que possam fazer, independentemente de termos feito contratações por tempo indeterminado, por exemplo para reforço de unidades de cuidados intensivos (UCI), acrescentou.”, acrescentou.

Com 32 mil portugueses vacinados com a primeira dose, a vacina que agora começa a ser distribuída dificilmente ajudará a tornar janeiro um mês menos difícil de gerir, nos hospitais e politicamente – a segunda dose será dada aos primeiros vacinados dentro de duas semanas e, à luz dos ensaios, a eficácia foi demonstrada sete dias depois. Nem todos ficarão imunizados e será preciso esperar pelo menos até fevereiro para poder perceber o impacto na quebra nas hospitalizações e mortalidade. Isto numa altura em que os novos casos aumentam de novo em todos os grupos etários, incluindo idosos, os grupos de maior risco. E a segunda vaga mostrou que não há grupos estanques: os mais jovens em idade ativa foram mais infetados, mas a infeção chegou aos mais velhos e a mortalidade disparou. Só na última semana foram mais de 5 mil casos diagnosticados em pessoas com 70 ou mais anos, um recorde ainda antes do aumento acentuado de casos nos últimos dias. Os dados disponibilizados pela DGS não permitem perceber a proporção de idosos infetados em lares e na comunidade, mas os lares com surtos ativos são agora mais do que os da primeira vaga. Ontem, no Parlamento, Eduardo Cabrita defendeu que as medidas do estado de emergência, que hoje serão fechadas pelo Governo, são “difíceis, mas necessárias, adequadas, equilibradas e proporcionais.” O cenário de um confinamento geral como o primeiro foi várias vezes afastado pelo primeiro-ministro ao longo dos últimos, mas António Costa também disse que nunca hesitaria em recuar. Os cenários poderão ir de manter as restrições e recolher obrigatório, ou mesmo antecipá-lo, ou o encerramento das escolas a partir do 1º ou 2º ciclo, em função da situação epidemiológica no país e do que mostrarem os próximos dias. Certo é que com os casos conhecidos ontem, o país volta a estar com uma incidência de covid-19 acima do patamar de risco muito elevado (480 casos por 100 mil habitantes a 14 dias), agora em todas as regiões do país exceto no Algarve. Com 615 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias – os casos de ontem fizeram o país disparar de 466 casos por 100 mil habitantes para mais de 600 – Portugal é dos países onde a situação se agrava mais rapidamente. No Reino Unido, de novo em confinamento, a incidência cumulativa era ontem de 720 casos por 100 mil habitantes.