Revisão cirúrgica contra ‘multidão’ de abstencionistas

Jorge Miranda defende alteração célere para se admitir dois dias de voto. Teme abstenção de ‘uma multidão’.

Não há consenso político alargado para se adiar as eleições presidenciais, apesar do agravamento da pandemia da covid-19. Os números são preocupantes e Jorge Miranda, considerado um dos pais da Constituição, diz ao Nascer do SOL que seria urgente fazer uma alteração cirúrgica à lei fundamental para permitir eleições em dois dias, até para evitar um elevado nível de abstenção: «É muito melhor do que haver uma massa enorme de abstenções. Vai com certeza haver uma multidão de abstenções».

Tal solução obrigaria a uma maioria de dois terços no Parlamento, mas poderia ser feito com uma alteração cirúrgica. «Há países em que as eleições se concretizam em dois dias. Exigiria uma revisão constitucional, mas não teria implicações no mandato presidencial. Adiar eleições implicaria alterações no mandato presidencial. E como não se sabe quando é que a pandemia vai acabar, isso poderia significar adiar [as eleições] por dois, três, quatro, cinco meses. Seria muito mais simples marcar as eleições para dois dias», justificou o constitucionalista, apontando até a operacionalização da medida. Num dia, votariam os eleitores com nomes de A a H, por exemplo, e no segundo dia, os restantes.

Contudo, os partidos não se entendem sobre esta matéria.

O PSD está disponível para uma alteração cirúrgica à Constituição, mas não a vai patrocinar.

Já o PCP disse que nem é possível alterar a lei fundamental em Estado de Emergência.

O mesmo repetiu o PS. Ora, o primeiro-ministro considerou que há condições para se realizarem as eleições presidenciais, ainda que os candidatos tenham de fazer ajustamentos às campanhas.

E o próprio Presidente da República ouviu os partidos previamente e a resposta foi unânime: a eleição não deve ser adiada. Mais, «neste momento encontramo-nos numa situação em que não vejo muito fácil que a revisão constitucional seja feita em tempo útil», defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.

Só o candidato Vitorino Silva defendeu abertamente que o ato eleitoral deveria ter sido adiado, num confronto televisivo com a candidata Ana Gomes.

A também ex-eurodeputada defendeu nesse mesmo debate televisivo que «teria gostado que houvesse outras medidas mais de fundo que tivessem sido adotadas há mais tempo para, por exemplo, facilitar o voto por correspondência dos nossos imigrantes».

«As eleições estão marcadas e não há qualquer proposta de revisão constitucional nesse sentido. É uma questão que não se coloca», defendeu, por seu turno, a candidatura de Marisa Matias, ao Nascer do SOL.

Por sua vez, a Iniciativa Liberal, que apoia Tiago Mayan nas presidenciais, argumentou:«Na eventualidade de o Presidente da República ou o Governo virem em data posterior a decidir a implementação medidas mais restritivas, terão de ter consciência que essa decisão poderá ter implicações no exercício do direito de voto, cabendo-lhes, nesse caso, a responsabilidade de propor soluções».

Ora, Maria do Rosário Gama,  fundadora da APRe (Aposentados, Pensionistas e Reformados), não acredita que seja possível adiar eleições. Mas pede soluções para os mais velhos. «A questão dos lares resolvia-se se as urnas fossem aos lares», advogou Maria do Rosário Gama.

No caso das pessoas saudáveis e autónomas, Maria do Rosário Gama diz que é imperioso a máscara, o distanciamento físico de dois metros e desinfetantes na entrada e na saída das assembleias de voto. Mais, «era importante dar prioridade aos mais velhos» nas filas. Maria do Rosário Gama defende que se deve votar, mas acredita que a abstenção vai aumentar «porque as pessoas mais velhas são aquelas que gostam de ir votar».