Quando os jornalistas são os maiores impulsionadores da desinformação

Janet Cooke, Sabrina Erdely, Stephen Glass e Jayson Blair espelham a realidade da disseminação das fake news por aqueles que mais devem combatê-las. Fabricação e plágio são apenas dois dos palavrões que constam do currículo destes quatro jornalistas.

Quando os jornalistas são os maiores impulsionadores da desinformação
Nem todas as pessoas concordam com a definição de fake news. Originalmente, este termo dizia respeito às notícias fabricadas, apresentadas sem evidências credíveis e baseadas no aumento do alcance da desinformação ou da persuasão a partir da mesma. Curiosamente, a primeira utilização deste conceito remonta ao ano de 1762 quando, na Assembleia Geral do estado norte-americano da Virgínia, foi promulgada uma lei que assentava na punição dos «divulgadores de notícias falsas». Se o tribunal decidisse que o alegado criminoso havia, de modo malicioso, inventado ou publicado estas «histórias», teria de entregar ao órgão supremo de justiça aproximadamente 900 quilos de tabaco. 
 
Volvidos três séculos, e já distantes da era colonialista, em junho de 2019, o Pew Research Center – think thank, sediado em Washington D.C., que se foca no estudo da forma que as questões sociais, a opinião pública e as tendências demográficas moldam o mundo, levou a cabo um estudo acerca deste fenómeno e concluiu que muitos americanos disseram que a criação e a disseminação de notícias e informações inventadas estão a causar  danos significativos à nação e têm de ser eliminadas. Por meio deste inquérito, que contou com a participação de 6,127 adultos, foi igualmente possível entender que os cidadãos dos EUA encaram as fake news como um problema colossal para o país, identificando o terrorismo, a imigração ilegal, as alterações climáticas, os crimes violentos, o racismo e o sexismo menos graves do que estas. 
 
Além disso, quase sete em cada 10 adultos norte-americanos (68%) asseveraram que notícias e informações inventadas têm um grande impacto na confiança que nutrem pelas instituições governamentais, enquanto cerca de metade (54%) disse que a desinformação influencia a confiança mútua, isto é, inclui não só a forma como os norte-americanos veem os seus órgãos políticos, mas também como os dirigentes encaram a população. 
 
É de mencionar que os norte-americanos, mais do que os jornalistas, culpam os líderes políticos e os ativistas pela criação das fake news com o propósito de enganar o público, acreditando, porém, que os profissionais da comunicação têm a obrigação de consertar este flagelo que, na sua ótica, «vai piorar num futuro próximo». Isto porque a grande maioria dos inquiridos responde que, «com frequência», encontra notícias fabricadas nos órgãos de informação que habitualmente consulta, procedendo a uma diversificação das fontes noticiosas para tentar inverter este rumo. E, neste sentido, 8 em cada 10 adultos estão cientes de que devem ser tomadas medidas para restringir as fake news, em oposição aos 20% que as veem como uma espécie de «comunicação protegida».
 
No entanto, ao longo da história do Quarto Poder, nos EUA, existiram escândalos noticiosos marcantes que alertaram a população para a fabricação de artigos pertencentes aos mais variados géneros jornalísticos.  
 
Um Pulitzer devolvido
Em 1980, com 26 anos, Janet Cooke juntou-se à equipa da secção Weeklies do The Washington Post sob a direção de Vivian Aplin-Brownlee. Em primeira instância, a jovem começou por mentir relativamente à sua formação académica, dizendo que havia tirado a licenciatura no Vassar College e o mestrado na Universidade de Toledo – onde havia recebido um prémio de jornalismo pela sua prestação no Toledo Blade –, embora tivesse apenas completado o primeiro ciclo de estudos. Em 28 de setembro do mesmo ano, publicou um perfil intitulado Jimmy’s World, explorando o quotidiano de uma criança – de apenas oito anos – viciada em heroína. Cooke não poupou detalhes, descrevendo as «marcas de agulha sardentas na pele macia de bebé dos seus braços finos e castanhos», sendo que esta história gerou muita empatia entre os leitores, incluindo Marion Barry, então mayor do Distrito de Columbia, que, juntamente com as autoridades municipais, organizou uma busca para encontrar o menino. Contudo, não havendo rasto de Jimmy, o líder percebeu que a história era fraudulenta. Mesmo assim, com a pressão pública que envolvia o caso, mentiu e alegou que a criança era conhecida na cidade e estava a receber tratamento para se desintoxicar.
 
Ainda que alguns jornalistas do The Washington Post duvidassem da veracidade da história, o editor-chefe assistente Bob Woodward – responsável, entre outros, pela divulgação do Caso Watergate , enviou a história para apreciação do júri do Prémio Pulitzer. Assim, a 13 de abril de 1981, Cooke foi agraciada com o maior galardão jornalístico. Mas, quando os editores do Toledo Blade leram a nota biográfica da vencedora, notaram discrepâncias e não ficaram em silêncio. Pressionada pela equipa, Cooke confessou que havia inventado a notícia. Dois dias após a entrega do prémio, o editor do Post, Donald E. Graham, deu uma entrevista coletiva e admitiu que a história era fraudulenta. O editorial do jornal do dia seguinte continha um pedido público de desculpas. «Eu acreditei, nós publicámos. Acho que a decisão de nomear a história para um Pulitzer tem consequências mínimas. Também acho que ganhou pouca importância. É uma história brilhante – falsa e fraudulenta», disse Woodward. Posteriormente, o prémio foi entregue a Teresa Carpenter, a candidata que havia perdido para Cooke.
 
Problemas dentro e fora do campus 
Em 2014, com 42 anos, Sabrina Erdely escrevia para a revista Rolling Stone, sendo que já tinha colaborado com órgãos de informação aclamados como a The New Yorker ou a GQ. Numa peça intitulada de A Rape On Campus, ilustrou os alegados abusos sexuais de que uma estudante da Universidade da Virgínia teria sido alvo por parte de sete membros – um gang-rape, como é designado na gíria anglo-saxónica – da fraternidade Phi Kappa Psi. Tanto o próprio grupo como o The Washington Post realizaram investigações e concluíram que existiam grandes erros e discrepâncias na reportagem. Deste modo, o trabalho de Erdely foi escrutinado pelos media, que questionaram a veracidade da publicação. A título de exemplo, o Post e o Boston Herald emitiram apelos para que os redatores da Rolling Stone, envolvidos na divulgação do artigo, fossem demitidos. A seu lado, Natasha Vargas-Cooper, colunista do The Intercept, disse que a história de Erdely mostrava «um viés oculto e horrendo», enquanto um editorial do The Wall Street Journal acusava a jornalista de ter construído uma história baseada em «factos que encaixassem na sua teoria». 
 
À medida que as críticas à história escalavam, Erdely não foi mais vista, sendo que variados meios de comunicação a descreveram como «missing in action» e «off the grid», expressões que se associam à ideia de desaparecimento. A 10 de dezembro de 2014, o The Washington Post publicou uma peça sobre as atualizações da investigação que estava a realizar, observando que «a violação coletiva no artigo de Sabrina Rubin Erdely pode ser fabricada». A jornalista que, à revelia de muitos universitários, já deu aulas de escrita na Temple University e na University Of Pennsylvania, foi condenada ao pagamento de 32 milhões de dólares (cerca de 26 milhões de euros) por danos resultantes das suas ações.
 
Uma fábrica de mentiras 
Em 1998, Stephen Glass, um jornalista de apenas vinte e cinco anos cujos artigos publicados na The New Republic faziam furor e levavam a que os seus colegas e, até mesmo, os repórteres dos jornais da concorrência nutrissem uma grande admiração por si, pois escrevia com uma regularidade elevada e narrava acontecimentos e histórias inacreditáveis, viu o seu modus operandi ser desvendado. O jovem forjava artigos, escrevendo consoante aquilo que imaginava e não aquilo que observava e presenciava. Na verdade, 27 dos 41 artigos que publicou na The New Republic entre 1995 e 1998 basearam-se em invenções da sua mente conturbada. A estrela em ascensão de uma das revistas mais prestigiadas dos EUA no decorrer da década de 90 não foi a única culpada deste caso que tomou proporções chocantes.
 
É importante realçar que Glass adotara o hábito de anotar as observações e citações que afirmava serem verídicas num bloco de notas, portanto, sem provas sonoras ou gráficas (gravações de voz e fotografias), ninguém seria capaz de comprovar a veracidade das informações que transmitia. No entanto, a verificação das fontes e dos factos era complexa no seio da redação da revista americana e, desde os editores Michael Kelly – que acreditava cegamente em Glass e Charles Lane – que se deixava levar pelas falácias do rapaz, mas confrontou-o quando a Forbes denunciou a fábrica de artigos fictícios em que a The New Republic se estava a tornar –, passando por outros jornalistas e por advogados, os artigos de Glass eram lidos e revistos vezes infindas. Um dos trabalhos mais conhecidos do agora profissional de Direito é Hack Heaven, uma reportagem sobre a história de um hacker, de apenas 15 anos, que invadiu a rede de computadores de uma empresa e foi contratado pela mesma como consultor de segurança.
 
Quando o plágio anda de mãos dadas com as fake news 
Em 1999, com a licenciatura concluída na University Of Maryland, Jayson Blair ingressou no The New York Times. Em cinco anos, foi promovido a editor, no entanto, a 28 de abril de 2003, recebeu um telefonema do editor nacional do jornal, James Roberts, que o questionou acerca de semelhanças entre uma história que ele havia escrito dois dias antes e uma publicada em 18 de abril, do mesmo ano, pela repórter Macarena Hernandez do San Antonio Express-News. A investigação levada a cabo permitiu que os editores concluíssem que Blair havia fabricado e plagiado em vários artigos escritos. Inclusivamente, quando mencionava que havia viajado para determinadas cidades, em busca de histórias, não o fazia.
 
São muitos os artigos que exemplificam as atitudes pouco éticas do jornalista cuja carreira terminou quando tinha somente 27 anos, porém, um deles remonta a 30 de outubro de 2002, quando Blair escreveu sobre uma alegada disputa entre autoridades policiais que teria arruinado o interrogatório de John Muhammad, o assassino em série convertido ao islamismo que, com o filho adotivo Lee Boyd Malvo, promoveu uma série de ataques, chamados sniper attacks, matando 10 pessoas e ferindo quatro durante o mês de outubro de 2002 em Washington, bem como na sua periferia.
 
Contudo, a confissão de Muhammad, intoduzida no texto com suporte de citações de agentes das autoridades não identificados, foi negada por todos os envolvidos. Por outro lado, Blair também citou alguns advogados, que não estavam presentes, como testemunhas do interrogatório. 
 
Mais tarde, Blair criou um grupo de apoio a pessoas que padecem de bipolaridade e tornou-se coach motivacional, não descartando a hipótese de enveredar pela carreira política.