O acordo comercial China-UE – Uma bofetada na América

Nestes últimos e tempestuosos dias da transição presidencial dos Estados Unidos, com uma linha de desforra entre os Democratas, contra o Presidente Donald Trump, e uma linha ainda mais radical, destinada a punir os partidários e a generalidade dos conservadores, há também muita agitação no Extremo-Oriente.

por S. Araújo

Um dos pontos desta agitação tem a ver com a decisão do Secretário de Estado Mike Pompeo de oficializar e incrementar os contactos com Taiwan, decisão que foi muito mal recebida em Pequim. Segundo o Financial Times de 12 de Janeiro, um porta voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Pequim reagiu com expressões muito violentas ao levantamento de restrições às relações entre Washinton e Tóquio. E um especialista militar chinês, Song Zhongping, afirmou que a China devia “ignorar palhaços como Pompeo” e preparar-se para lidar com a Administração Biden. Ao mesmo tempo, esperava-se a clássica demonstração do mau humor chinês e o processo de intimidação – aumento de movimentações militares – nas imediações de Taiwan.

Neste momento, passam a ser claras as intenções de Pequim, levando em conta o conflito ideológico e político da América da transição Trump-Biden, atribuir a política de Washington em relação a Taiwan à retórica anticomunista de Trump, lembrando constantemente as origens chinesas do vírus da Covid-19 e fazendo da China o inimigo nº1 dos Estados Unidos. Mas a realidade é talvez diferente: em quarenta anos, desde 1979, quando os Estados Unidos cortaram relações com Taiwan, o regime era um regime militar semi-ditatorial. Desde então, o país democratizou-se, a economia cresceu quase vinte vezes e foi um dos campeões do mundo a lidar com a Covid-19, naquilo que foi considerado por muitos especialistas como “a melhor resposta mundial à pandemia”. Por outro lado, há fortes indícios de que não haverá mudanças – a não ser na linguagem e no estilo – da política norte-americana em relação à China. Alguns comentadores reagiram às decisões de Pompeo de melhorar o nível de relações diplomáticas com Taiwan, pondo em questão mesmo a política de “Uma China” como uma forma de minar a Administração Biden. Mas essa não parece ser a realidade, levando em conta as declarações ao longo dos tempos do próprio Presidente eleito, da sua Vice Kamala Harris, de Bernie Sanders e dos indigitados para a Secretaria de Estado e para a política asiática.

O dilema europeu, agora que o esperado euro-atlantismo da Administração Biden retirou os entraves diplomáticos do unilateralismo americano, tem a ver principalmente com o conflito entre o respeito pelos “direitos humanos” dos parceiros económicos e os interesses comerciais. É um velho dilema que a UE foi resolvendo sempre, entre retórica diplomática, maquiavelismo e na acção.

Estas situações agudizaram-se com a escalada de repressão em Hong Kong, na Primavera-Verão de 2020, e toda a questão dos Uighurs no Xinjiang.

Mas apesar de uma certa euforia que em Bruxelas saudou a eleição de Biden e do “draft” de um acordo euroamericano para uma política comum em relação à China, a UE acabou por assinar, um tanto ou quanto a correr, um Acordo Comercial com a China. Pequim festejou o sucesso e o Presidente Xi Jimping celebrou-o como uma nova vitória nas vésperas das celebrações do 100º aniversário da fundação do Partido Comunista Chinês.

Já a reacção do lado americano não foi positiva: “Para a relação Transatlântica foi uma bofetada na cara”, comentou Philippe Le Corre, um especialista em temas chineses do Carnegie Endowment. A surpresa e a frustração foram grandes, sobretudo depois de, em meados de Novembro, os Europeus terem apresentado um pré-plano para uma estratégia “chinesa” conjunta a Washington.

Os negociadores europeus justificaram a pressa na conclusão por causa da concessão de última hora, autorizada pelo Presidente Xi Jimping. A chanceler Merkel teve um papel decisivo nesta aceleração, interessada que estava em fechar o acordo na Presidência alemã que agora termina. Na Alemanha, entretanto, houve também críticas, mas os partidários do Acordo sublinharam a importância comercial da China para Berlim e a incerteza da política americana a curto prazo.

Mas o comentário final americano foi crítico – “o ângulo transatlântico não foi honestamente analisado e, pelo que diz respeito às novas relações transatlânticas, começam assim com um gosto amargo para Biden” comentou alguém próximo da Nova Administração.