A ‘servidão voluntária’

Esta é a geração das redes sociais, prisioneira dos dogmas do politicamente e do sexualmente correto, empenhada em liquidar uma civilização que não aprendeu a amar.

Há períodos na História que parecem desenhados a régua e esquadro por um demiurgo para determinar o futuro do mundo. É assim o período que vivemos.

Um dos fatores que o caracterizam é a chamada ‘revolução digital’. A filósofa Bétrenice Levet caracteriza-o deste modo no livro Libertem-nos do Feminismo (Gradiva, a publicar em Fevereiro):

«É a geração das redes sociais. Alargando-se as balizas cronológicas até aos 40 anos. Com audiências na ‘geração Macron’, estendidas a uma esquerda órfã das grandes narrativas. Nascida com o mundo digital, na charneira das décadas de 80 e 90, na época em que o computador entrou nas vidas privadas».

Geração que está em todo o lado e em lado nenhum – digo eu. Empanturrada e polícia dos dogmas do politicamente e do sexualmente correto, empenhada em liquidar uma civilização que não aprendeu a amar, só a odiar.

De facto, que sabe esta geração da França, de Portugal, exceto que foram e são ‘machistas, racistas, homofóbicos’? Até a Declaração dos Direitos do Homem e a divisa republicana ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’ consideram uma herança impura, de dominação masculina.

Tecnocrática e higiénica, não bebe, não fuma, não ‘engata’… mas tweeta. Chegada ao poder nas nossas sociedades, é a geração do antirracismo, do amor como resposta ao terrorismo islâmico. O ethos comum de trintões e quarentões que encontramos sem grandes diferenças de Londres a Madrid, de Roma a Oslo, de Paris a Berlim, cada vez mais em Lisboa, globalizados, sem território, desligados de qualquer tradição nacional, presos a um politicamente, historicamente e sexualmente correto, privados do instrumento que lhes permitiria distanciar-se deles: o conhecimento de modalidades de pensar e viver anteriores às suas.

«Confinados ao presente, constituem-se como dóceis executantes do espírito do tempo. Deliciam-se com aparelhos inteligentes que lhes transformam a vida em dados encriptados, que os reduzem a um algoritmo. É a esses que a comunicação social oferece a visibilidade, que possuem o monopólio da palavra, que animam as redes sociais e exercem um real poder de influência sobre as nossas sociedades».

Outro fator que intuí e tentei enfrentar foi a ocupação da escola. As ‘novas pedagogias’, o desconstrutivismo hoje alargado ao inimaginável, à natureza biológica. Começou pela imposição da amnésia da História, a liquidação da memória, a desvalorização e omissão do conhecimento, a anti-ciência, o nivelamento por baixo, a punição do mérito, da autoexigência, neutralizando a vontade.

A etapa em que estamos hoje é a da tribalização, da racialização e do género.

Resultado, afinal, de uma revolução cultural como nem Trotsky e Mao a imaginariam. Eis a profecia apocalíptica de Marx, realizada como ele porventura nem teria desejado. Eis o ‘homem novo’! Sem prisões, goulagues, morte física, sem coação. Sem ser escravo de outrem, mas escravo de si próprio. A ‘servidão voluntária’, como Boécio nunca a teria concebido.

Só uma revolução cultural de sinal contrário, da inteligência e da coragem, tornaria reversível o apocalipse.