Híbridos perdem incentivos

Perda de incentivos para híbridos tradicionais pode levar consumidores a recorrem à compra de carros a gasolina e gasóleo. Pressão do PAN pode pôr em causa redução de emissões.

A entrada do Orçamento de Estado para este ano trouxe más notícias para os carros híbridos convencionais. Em causa estão as alterações fiscais – impostas pelo PAN em troca de aprovação do documento – que deixam de dar incentivos aos automóveis ligeiros de passageiros que apresentem uma autonomia em modo elétrico até 50 quilómetros e que emitam emissões de menos 50 gramas quando todos têm acima: 80.

«Trata-se de uma argolada do Governo para aprovar o Orçamento de Estado com o PAN. A ideia ideia era penalizar os chamados híbridos plug-in – veículos que carregam na ficha – mas acabaram por penalizar os chamados híbridos convencionais e estes não entram no critério que o Parlamento assumiu. Fomos apanhados neste fogo cruzado», refere Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), ao Nascer do SOL.

Ao que o nosso jornal apurou, estas alterações deixam de fora dos incentivos marcas como a Toyota – que tem apostado no modelo Prios – a Lexus, entre outras, que emitem menos 35% de emissões do que um veículo a gasóleo ou a gasolina.

De acordo com o responsável, esta alteração fiscal vai levar os clientes de carros híbridos convencionais a comprarem carros a gasolina e a gasóleo. «Se não há incentivo, ficam mais caros e as pessoas não têm incentivo para comprar estes carros e vão comprar a gasolina ou a gasóleo. Estes carros estavam a contribuir para baixar as emissões», esclarece. Para já, o responsável admite que não está em cima da mesa alterações em termos fiscais. «Só se houver um Orçamento retificado. Até aqui tentámos tudo, mas continuamos a insistir com o Governo. Achamos que o Governo devia suspender esta decisão mas até ao momento não concordou com a nossa proposta», explica.

 

Quota pesa

Nas contas de Hélder Pedro, os híbridos convencionais que ficam excluídos deste programa de incentivos representam no total do ano 8% do mercado. Mas no mês de dezembro representaram 14,5%. «O Governo gosta muito de falar dos carros elétricos, mas na prática não faz nada para incentivar a compra deste tipo de veículos», acrescenta.

E lamenta o facto de o Governo manter os incentivos para a compra de veículos elétricos. Em causa está a comparticipação do Estado pode chegar aos três mil euros e nos veículos de duas rodas o incentivo vai até metade do valor da aquisição.

No entanto, esta verba é atribuída por ordem de chegada e aprovação das candidaturas. E, tendo em conta anos anteriores, o valor do incentivo esgota rapidamente. Em 2020, foram recebidas mais de 845 candidaturas, mas só 696 foram aceites.

 

Incentivo ao abate ‘é salvação’

Uma situação que não é bem vista aos olhos da ACAP, que considera que «há uma perseguição fiscal do automóvel em Portugal», acrescentando que a verba é a mesma quando outros países aumentaram. «Espanha aumentou em 50% esse incentivo, a França também subiu, até a Grécia aumentou e Itália segui o exemplo», afirma.

Para Hélder Pedro, o regresso do incentivo ao abate de veículos em fim de vida poderá ser uma das soluções para ‘salvar’ este mercado.

Uma solução que acabou por ser recuperada em junho por Espanha, França e Itália, e que se insere na descarbonização, que é um dos objetivos prioritários. «Se retiramos de circulação veículos que emitem 170 gramas de CO2 e substituirmos por veículos que emitem 95 gramas, necessariamente estamos a dar um grande passo no sentido da descarbonização. Foi isso que o Governo do PSOE, do Presidente Macron ou o Governo italiano viram, e o nosso Governo não teve essa noção. E não foi por falta de reuniões, não foi por falta de se discutirem as propostas, foi uma opção política», referiu.

E dá exemplos: «O Governo grego implementou estímulos à procura e de incentivo ao abate e registou um crescimento de 20% do mercado em setembro, enquanto o nosso caiu 37% de janeiro a setembro e continuamos na cauda da Europa».

Esta medida é vista como uma «oportunidade não só para o setor automóvel, mas para o Governo». E lembra que seria possível, por exemplo, minimizar as quebras superiores a 270 milhões de euros que o executivo estima apenas em ISV (Imposto Sobre Veículos).

Os números apurados em 2019 mostram que o parque automóvel português é maioritariamente constituído por ligeiros de passageiros (cerca de 72%), com uma idade média que ronda os 13 anos, valor consideravelmente superior à média da União Europeia que se fixa nos 11 anos.

«A implementação das medidas de incentivo ao abate seriam, no caso de Portugal, além de uma prioridade do ponto de vista económico, um passo importante (e urgente) no campo da gestão ambiental», conclui o secretário-geral da ACAP.

«Com a ausência de medidas de incentivo no OE 2021, Portugal fica mais longe dos pactos ambientais assumidos. E o esforço de renovação tecnológica garantido pelas marcas é ainda mais penalizador. Não só o parque automóvel nacional vai tornar-se mais antigo e poluente, como a importação de veículos usados vai crescer – em resultado da deterioração da economia –, penalizando ainda mais o setor e o ambiente. A aposta nas energias alternativas é assim, uma vez mais, adiada».

 

Indústria em números

A ACAP chama ainda a atenção para o facto de o setor automóvel empregar 152 mil trabalhadores e as exportações representarem 8,8 mil milhões de euros (15% das exportações nacionais), assumindo como o produto mais exportado em Portugal.

«Mais do que a importância do setor, esta radiografia mostra-nos a importância de se olhar para esta indústria e ajudá-la a enfrentar e ultrapassar esta crise», diz.