A loira calipígia

Marido obsessivamente ciumento de Marilyn Monroe, Joe DiMaggio tornou-se um bêbado insuportável.

Em português ganhou o nome de O Pecado Mora ao Lado, mas o título original do filme tinha muito pouco que ver com o que por aqui lhe demos, The Seven Year Itch, inicialmente uma peça de teatro escrita por George Axelrod na qual um fulano lia um livro chamado precisamente The Seven Year Itch numa altura em que se encontrava sozinho no seu apartamento de Nova Iorque, depois de ter mandado a mulher ir gozar férias para um lugar qualquer do interior dos Estados Unidos.

Faz um calor bruto durante a película realizada por Billy Wilder e é consensual que, da mesma forma que dilata os corpos, o calor dilata o desejo. Eis então o sarilho em que se vê metido o protagonista, Tom Ewell no papel de Richard Sherman: conhece a vizinha de cima, uma loiraça espampanante, e desenvolve um processo mental de vontade de trair a esposa distante e de se esforçar por não o fazer. O Pecado Mora ao Lado – que deveria quando muito chamar-se ‘O Pecado Mora em Cima’ – ficou para a história do cinema a partir do momento em que as saias brancas da moça loira esvoaçam enquanto ela passa sobre um respiradouro do metropolitano, deixando à mostra um magnífico par de pernas, benza-as Deus. A jovem tentadora do baralhado Richard Sherman não chega sequer a ter nome de personagem – é apenas ‘The Girl’ –, mas o nome que adotara desde que entrara no mundo do espetáculo chegava e sobrava: Marilyn Monroe.

Em 1955, Marilyn ainda não completara 30 anos e estava casada com Joseph Paul DiMaggio, que já terminara a sua carreira de jogador de basebol dos New York Yankees. Joltin Joe, como o alcunharam, continuava a merecer o interesse da imprensa, fizesse o que fizesse, e manteve-se como tema de letras de canções, como, por exemplo, a de Les Brown: «He started baseball’s famous streak/ That’s got us all aglow/ He’s just a man and not a freak/ Joltin’ Joe DiMaggio/ Joe, Joe DiMaggio/ We want you on our side».

Les podia querer ficar ao lado de Joe mas, ao tempo das filmagens de O Pecado Mora ao Lado, DiMaggio vivia uma completa obsessão pela mulher, ao ponto de se tornar uma verdadeira estucha para diretores, produtores, câmaras e outros atores, seguindo a loiraça para todo o lado e passando horas a fio nos estúdios da 20th Century Fox, metendo-se debaixo dos pés de toda a gente só para manter Marilyn debaixo de olho.

Convenhamos que Norma Jeane Mortenson, tal como foi batizada no dia 1 de junho de 1926, em Los Angeles, era a pior mulher possível para um homem dado a excessos de ciúmes. A cena do respiradouro do metropolitano era absolutamente inocente se comparada com as fotos que fizera para várias revistas antes de seguir o caminho de atriz, apresentando-se tal como veio ao mundo, naturalmente orgulhosa das suas formas calipígias. A verdade é que Joe ficou possesso. Especado atrás do realizador, bufava por todos os lados enquanto Marilyn ensaiava a melhor pose para os captadores de imagens e divertindo-se à brava com isso.

DiMaggio também não cabia muito bem no papel de marido desconfiado e possessivo. Sempre fora um mulherengo da pior espécie e saltava de uma para outra com a desenvoltura que lhe valera o epíteto de Joltin. Além do mais, na fase final da carreira encontrara uma companhia fiel no álcool, sendo imprevisível encontrá-lo fora ou dentro de uma garrafa.

Joe e Marilyn casaram-se no dia 14 de janeiro de 1954. O primeiro encontro foi à mesa de um restaurante. A loira dolicocéfala, como lhe chamaria Dino Segre, o Pitigrilli, aceitara finalmente um dos infinitos convites levados até ela pelo agente de DiMaggio. A resposta multiplicara-se: «I don’t care to meet him. I don’t like men in loud clothes, with checkered suits and big muscles and pink ties. I get nervous». Joe teve a decência de aparecer com uma gravata cinzenta. Mas, a partir do momento em que deram o nó, raramente teve a decência de a tratar como um cavalheiro.

Durante as filmagens de O Pecado Mora ao Lado, Joltin Joe passou a ser um personagem do filme. Ninguém suportava mais a sua presença. Billy poderia até tê-lo aproveitado para figurante, mas DiMaggio estava mais virado para ser um figurão, bruto, bêbado e espumando pela boca de cada vez que Marilyn interpretava uma ação mais atrevida. Basicamente encarnara-se numa besta de 56 patas. Se não estava a derreter a paciência da rapaziada do estúdio enfiava-se em casa a fumar e a beber enquanto esperava pela chegada da mulher. No fundo, não era assim tão diferente de Richard Sherman que, ao mesmo tempo que alimentava devaneios pela vizinha de cima, tinha pesadelos com a mulher a traí-lo com o vizinho. Afundado na depressão, Joe mereceu a canção de Paul Simon: «Where have you gone, Joe DiMaggio?/ Our nation turns its lonely eyes to you/ Woo, woo, woo/ What’s that you say, Mrs. Robinson?/ Jolting Joe has left and gone away…» Voltaria numa manhã de sol. E continuaria a beijar o chão que ela pisava.