À boleia da pandemia…

O resultado salta à vista. Corre-se atrás do prejuízo, entre o esgotamento do SNS e os preconceitos ideológicos na gestão da crise sanitária por parte do Governo

Impressiona o impasse em que o país se encontra. Depois de ‘folgar’ no verão, foi invadido por vagas em crescendo da epidemia, que mal se percebe onde começam e acabam. Esgotado o marketing das vacinas, o Governo endureceu as medidas, num esforço tardio para travar a avalancha de novos infetados, algo que assusta as populações.

O país voltou a fechar, repetindo em larga medida o quadro restritivo da primeira fase da pandemia. Dir-se-á que não havia outra alternativa, perante o aumento explosivo de novos infetados e de óbitos atribuíveis à covid-19.

Mas, ao contrário de março, não se pressente a mesma mobilização de recursos – públicos, sociais e privados – como então aconteceu, nem se nota que o governo disponha de um plano suficientemente estruturado e amadurecido para proteger a saúde pública.

Em contrapartida, a ministra Marta Temido, em obediência à sua cartilha ideológica, depois de atrasar a vacinação do pessoal da saúde fora do circuito do SNS, já admite a requisição civil dos hospitais privados, em socorro dos públicos. Um feito…

Entretanto, há quem atribua às liberalidades do Natal as principais culpas pelo recrudescimento do vírus, incluindo especialistas que identificaram esse período, no Infarmed, com a agudização do contágio.

O certo é que antes das festas, houve outras cedências que terão contribuído para um clima propício ao facilitismo e ao alastramento da doença. As exceções consentidas criaram um ambiente enganador, com o consequente relaxamento.

O resultado salta à vista. Corre-se atrás do prejuízo, entre o esgotamento do SNS e os preconceitos ideológicos na gestão da crise sanitária por parte do Governo.

Se em março do ano passado Portugal era anunciado como ‘um milagre’, agora procura disfarçar-se o pesadelo. Nessa altura ainda António Costa era incensado pela influente revista alemã Der Spiegel, admirada com a suposta eficácia portuguesa na contenção do vírus, em contraste com o que sucedia em Espanha. E, simpaticamente, comparava-nos, em estabilidade, à Aldeia de Astérix…

Menos de um ano decorrido, o país esqueceu o ‘milagre’ e subiu ao pódio dos mais infetados na Europa, não parecendo capaz, pelo ‘andar da carruagem’, de sair tão cedo dessa situação complexa. O caos espreita. E o conclave técnico do Infarmed não foi mais animador.

O primeiro confinamento geral arruinou o comércio de retalho, a restauração e a hotelaria, a braços com a fuga dos turistas. O boom evaporou-se.

A febre de construir novos hotéis e outros meios de alojamento, parou abruptamente, e semeou a paisagem urbana de construções inacabadas, que um dia, talvez, se concluam ou não.

Há um nervosismo crescente, um desemprego prestes a explodir, muitas empresas no limite da resistência e outras a fecharem portas, definitivamente falidas. A economia arrasta-se.

O aumento exponencial de infetados e de óbitos, batendo recordes diários, e as previsões dos especialistas, deveria aconselhar o primeiro-ministro e a ministra da Saúde a fazerem o seu mea culpa por terem falhado a planificação de recursos para enfrentar a previsível intensificação do vírus no inverno.

Pelo contrário, pressente-se uma sobranceria no ar, que se exibe sem grande parcimónia.

Com as presidenciais em pano de fundo, se a Saúde ‘está doente’ a Justiça não está menos. Enquanto a pandemia preenche boa parte dos telejornais, o PS não ‘dorme na forma’. Lesto, tratou de remover alguns ‘empecilhos’ no topo do aparelho de Estado, colocando gente da sua confiança.

As mudanças já surtiram efeitos. A nova PGR, de uma penada, quis impor a subordinação hierárquica aos procuradores, diretiva já contestada pelo Sindicato dos Magistrados do MP, que anunciou a intenção de recorrer à impugnação judicial.

O mesmo Ministério Público que deu nas vistas durante o mandato de Joana Marques Vidal, pela determinação em concluir o processo da ‘Operação Marquês’ – deduzindo a acusação e chamando ‘à pedra’ muita gente que se julgava intocável –, assume agora contornos diferentes.

E ainda falta o despacho do juiz de instrução, em demorada elaboração, para sabermos se o arguido José Sócrates e os seus amigos vão ou não a julgamento.

Em contrapartida, a ministra da Justiça soube ser célere na indigitação do procurador europeu, um infeliz episódio que já transbordou para o Parlamento de Estrasburgo, agravando o embaraço de uma carta, contendo dados falseados «irrelevantes» para António Costa.

Parece não ser esse o entendimento do Grupo dos Liberais europeus, a terceira força política do Parlamento em Estrasburgo, cujo líder pretende ser esclarecido sobre se houve «interferência política» na escolha de José Guerra para procurador europeu.

A presidência portuguesa abriu com o pé esquerdo. Escusava de ficar tão mal na fotografia…