Mortalidade. Mais de 600 óbitos diários dão conta das empresas funerárias

Desde morgues cheias a cemitérios encerrados. A mais alta taxa de mortalidade que o país já viveu.

Portugal está a assistir a uma mortalidade diária jamais vista. Desde o dia 5 de janeiro que morrem no país mais de 500 pessoas por dia e desde o dia 10 que morrem mais de 600. Entre 2009 e 2020, para o mesmo período, esse número esteve sempre entre os 300 e os 400. As funerárias não têm mãos a medir e pedem ajuda para que se consiga preservar os cadáveres com dignidade. Os hospitais estão sem capacidade frigorífica para guardar os corpos e há cemitérios fechados a partir das 13h e aos fins de semana. Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), confessa ao i estar “saturado de cada um ser dono do seu quintal”.

Perante um aumento exponencial do número de infetados por covid-19, Portugal assistiu também a um aumento exponencial no número de óbitos – não só devido à doença, mas pelas condições em que se encontram os hospitais e pela rutura completa da sua organização. Existem cadáveres a permanecer nos hospitais mais tempo do que o normal e improvisam-se salas frigoríficas onde se colocam os equipamentos de ar condicionado com a mínima temperatura possível. O que se pode fazer para dar a volta a esta situação? A sugestão principal do presidente da ANEL é que se proíba a “passagem dos funerais pelos locais de culto ou centros funerários para realização de exéquias, vigílias ou velórios”. O que acontece é que, quando são feitas as cerimónias descritas, o corpo tem de ficar no hospital a aguardar e não pode ir para câmaras frigoríficas nos cemitérios, visto que não faz sentido aguardarem a cremação no cemitério, irem para os locais mencionados para as cerimónias fúnebres e voltarem novamente para o cemitério. Se estas cerimónias fossem suspensas, os corpos poderiam aguardar a cremação nas câmaras frigoríficas dos cemitérios, aliviando assim a quantidade de cadáveres que estão a entupir os hospitais. É verdade que as empresas funerárias também têm as suas próprias câmaras frigoríficas, mas na sua maioria “são apenas duas ou três”, não sendo por isso possível que conservem a quantidade de corpos que é atualmente observável.

Carlos Almeida conta que a média atual de tempo de espera para realizar uma cremação em Lisboa é de 72 horas, mas que ontem teve conhecimento de um óbito que ocorreu no Hospital de São José cuja cremação só decorrerá na próxima sexta-feira. O corpo ficará em espera no hospital durante quatro dias. André Silva, técnico de uma empresa funerária, conta ao i que está com uma espera de quase uma semana para cremações: “Houve um senhor que morreu no domingo e só vai ter cremação no próximo sábado. Obviamente que isto afeta muito mais as famílias, que não conseguem fazer o seu luto, do que as próprias funerárias”.

Parece não existir uma coordenação entre hospitais, funerárias e cemitérios. De acordo com o presidente da ANEL, existem cemitérios, “nomeadamente o da Câmara Municipal de Loures”, que está fechado aos fins de semana. Carlos Almeida mostra-se indignado, sugerindo que as entidades gestoras dos cemitérios se dediquem “à cultura do mirtilo e da framboesa no Alentejo porque não percebem nada disto que estão a gerir”. Também os cemitérios do Monte da Caparica e de Vilã Chã – ambos no distrito de Setúbal – se encontram com restrições horárias. O primeiro fecha diariamente às 13 horas, tendo o segundo adotado este método aos fins de semana. Face a isto, o responsável questiona: “Onde é que nós andamos? Queremos fazer funerais e bloqueiam-nos? Os hospitais estão a abarrotar de cadáveres e boicotam-nos?”

O técnico da funerária que se encontra em frente ao Centro Hospitalar Barreiro Montijo (CHBM) afirma que a situação “está complicada”. Neste momento tem três cremações e uma inumação em espera. O que antes demorava cerca de 24 horas ocupa-lhe hoje quatro dias, no mínimo, se estivermos a falar de cremações. Esse é o serviço mais requisitado pela maioria dos familiares. André Silva conta que o CHBM se viu obrigado a pedir um segundo contentor frigorífico para que existissem condições para preservar os corpos.

Tanto André Silva como Carlos Almeida apelam à consciência individual na hora de fazer as despedidas. Devido à experiência, compreendem a frustração que pode ser para a família “não ver o corpo na altura do adeus”, explica André Silva. Mas no momento pandémico que estamos a viver, é essencial que haja sensibilidade para os perigos que acarreta uma cerimónia fúnebre e, por isso, deixam um apelo: “Temos de simplificar as cerimónias”.