“Não podemos salvar toda a gente mas temos de tratar todos”

Associação de cuidados paliativos propõe assessoria a equipas a lidar com mais situações de fim de vida.

A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos lamenta a falta de uma estratégia para integrar a resposta em cuidados paliativos na gestão da pandemia e propõe que seja articulado apoio aos profissionais na linha da frente, ao mesmo tempo que se mantêm as respostas comunitárias. Ao i, Catarina Pazes, enfermeira especialista em cuidados paliativos no Serviço Nacional de Saúde e presidente da associação, recorda que a resposta no acompanhamento em doentes em fim de vida já era deficitária no país e está a ficar ainda mais insuficiente face à situação que se vive. “Por isso precisamos de uma estratégia para integrar a resposta e os especialistas que existem e garanti-la aos doentes. Quando assumimos que temos de tratar todos os doentes temos de perceber que isso nunca significa salvar todas as pessoas, porque é uma inevitabilidade haver mortes, mas é preciso conseguirmos acompanhar toda a gente, inclusive quem vai morrer, que sabemos de antemão que pode morrer pela sua situação prévia de fragilidade. E para garantir os cuidados a todos é preciso perceber os recursos disponíveis e definir objetivos atingíveis”, sublinha.

Catarina Pazes mostra preocupação por já terem sido encerradas unidades de internamento de paliativos em alguns hospitais, nomeadamente no Alentejo, sem ser conhecida alternativa, e lamenta que o Ministério da Saúde não tenha ainda nomeado a nova Comissão Nacional de Cuidados Paliativos, depois de a anterior ter cessado funções no fim de 2020. Perante a escassez de recursos, propõe que os especialistas em cuidados paliativos possam dar assessoria nos serviços dedicados à covid, desde logo na urgência. “Os profissionais, além de estarem cansados, estão sujeitos a elevados níveis de burnout. Em cuidados paliativos trabalhamos com o fim da vida e com a morte, sabemos que fazemos o que está ao nosso alcance para que a pessoa esteja o melhor possível até ao fim. Quem trabalha noutras áreas tende a ver a morte como fracasso. Trabalhar com o fracasso mais presente, dia a dia, hora a hora é um fator de sofrimento. E para isso achamos que poderíamos estar a ter um papel mais importante no acompanhamento dos doentes e no apoio aos colegas”. A enfermeira defende também a importância das equipas para apoiar a resposta às famílias, área em que os especialistas em cuidados paliativos têm treino. “Precisam de alguém que as ajude a gerir expetativas e a angústia de estar longe de alguém que pode não voltar a casa, seja qual for a doença, covid ou não”.