Governantes doentes

Ferro Rodrigues, parecendo que vive num sarcófago, fez uma breve aparição para dizer coisas tão fantásticas como estas: «Votar é uma das formas de defender a República e a democracia. Votar é também uma forma de resistência. Contra o vírus e o medo, e contra os que deles se querem aproveitar». Extraordinário: o país a…

A pandemia não é boa conselheira e são muitos os que estão a ficar um pouco perdidos. Naturalmente que quem perdeu o emprego ou ficou a ganhar menos, quem tem dificuldades em manter a porta do seu negócio aberta, sente frustração e desorientação. Tudo isso é normal. O que já não é normal é os governantes comportarem-se como umas baratas tontas que hoje dizem uma coisa e amanhã afirmam outra. E, convém não esquecer, já passaram pelo menos dez meses desde o aparecimento do coronavírus, tempo suficiente para se criarem equipas multidisciplinares que ataquem o problema com toda a organização – mesmo que o tivessem feito seria difícil, quanto mais com o que têm feito.

Independentemente de todas as falhas, há uma que me deixa estupefacto. Como é possível o Governo não ter decidido vacinar todos os governantes, além do Presidente da República – para que este não ficasse numa situação favorável em plena campanha eleitoral, ter-se-ia também vacinado os restantes candidatos. Com esta decisão hipócrita, ainda vamos ver os governantes europeus decidirem não vir a Portugal para as reuniões agendadas devido aos casos de covid no Executivo de António Costa. Mas o mais grave é se os governantes ficarem doentes e não puderem exercer o seu cargo e tratar dos destinos do país. Cem vacinas fariam assim tanta diferença? É ridículo.

Perante a catástrofe que estamos a viver – veja-se que no dia 20 morreram 721 pessoas no país, um novo recorde –, Ferro Rodrigues, parecendo que vive num sarcófago, fez uma breve aparição para dizer coisas tão fantásticas como estas: «Votar é uma das formas de defender a República e a democracia. Votar é também uma forma de resistência. Contra o vírus e o medo, e contra os que deles se querem aproveitar». Extraordinário: o país a viver uma crise sanitária de que não há memória nos últimos 100 anos e o presidente da Assembleia da República lembra-se de vir dizer que ir votar é uma forma de resistência ao vírus?

Penso que hoje serão muito poucos os que ainda não viram que foi uma estupidez incrível não se ter adiado as eleições. Com mais de 200 mortos diários por covid nos últimos dias, com os médicos na linha da frente a dizerem que estamos a viver, nos hospitais, como se estivéssemos numa guerra ou num terramoto – veja-se as edições de segunda e terça-feira do i –, os arautos da democracia insistem que ir votar é um ato de liberdade.

Como se a liberdade estivesse nas urgências dos hospitais, onde os infetados com covid morrem sozinhos. É óbvio que a abstenção, tudo o indica, vai encostar-se aos 75%. Por várias razões, já aqui explicadas e em milhares de artigos, mas há uma que vai tornar o dia ainda mais singular: quem está destacado para as mesas de voto pode não aparecer por dois motivos principais: ou porque ficou infetado ou por receio de o ficar. Eventualmente, no domingo teremos um Presidente eleito com pouco mais de 20% de votantes. Acham isto dignificante? Ou será uma inevitabilidade dos sistemas democráticos?

Por fim, a campanha eleitoral. Como foi possível os candidatos não terem suspendido todas as ações de rua, dando um exemplo à população? Penso que o caso mais grave foram os jantares de André Ventura – para quem tanto mal disse da Festa do Avante!, não lhe tinha ficado mal ser bastante mais contido –, mas também todos os outros deviam ter-se remetido às redes sociais.

 

P.S. – O que se passou em Setúbal no comício de André Ventura é inaceitável e o candidato do Chega deve ter ganho mais uns bons votos. Até pareceu de encomenda, mas não foi. Ah! E não é que Rui Rio fez ontem uma excelente conferência de imprensa, respondendo aos ziguezagues de António Costa e condenando os ataques físicos ao líder do Chega, aplaudindo ainda a intervenção policial. Quem diria?

vitor.rainho@nascerdosol.pt