Empresas: A história de uma morte anunciada

Empresas portuguesas têm sofrido na pele os efeitos da pandemia e mais um confinamento pode significar o fim de muitas. Especialista diz ao Nascer do Sol que apoios parecem não estar ‘a ser estruturados de forma adequada às realidades e necessidades das empresas’.

Empresas: A história de uma morte anunciada

Não há nenhuma surpresa: as empresas têm vindo a sofrer com a pandemia de covid-19 desde março, mas um novo confinamento só poderá piorar a situação. O Estado português tem anunciado sistematicamente novos apoios mas são muitos os responsáveis dos setores que os consideram insuficientes. Face ao novo ‘fecho’, a Comissão Europeia autorizou esta quinta-feira aumentar para 1,2 mil milhões de euros as ajudas estatais a empresas afetadas pela pandemia.

Bruxelas explica que aprovou «a modificação de um regime português existente para apoiar a economia no contexto do surto de coronavírus», prevendo um «aumento do orçamento total, de 750 milhões de euros para 1,2 mil milhões de euros», disse em comunicado. Esta alteração inclui «um aumento do montante máximo que pode ser concedido por beneficiário ao abrigo das duas medidas incluídas no regime».

As empresas portuguesas esperam agora que esta ajuda possa ser uma mais-valia. Até porque, os dados mais recentes da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) não deixam margem para dúvidas: quatro em cinco empresas (83%) diz que os apoios do Estado estão aquém ou muito aquém do necessário.

Ao Nascer do Sol, João Costa, country manager da Expense Reduction Analysts revela que «numa conjuntura como esta nunca são suficientes [os apoios], até porque o Estado nunca se pode substituir completamente aos mercados e aos clientes». Por outro lado, acrescenta o responsável «o Governo tem mostrado alguma prudência, atendendo à débil situação das nossas finanças públicas». E deixa o exemplo da Alemanha onde no apoio público às empresas, trabalhadores e famílias já terá despendido cerca de 15% do PIB, enquanto o apoio público português terá andado apenas à volta de 5% do PIB. Para João Costa, apoios como o layoff simplificado e os apoios a fundo perdido são positivos. «Contudo, os apoios do Estado não aparentam estar estruturados de forma adequada às realidades e necessidades das empresas. Por exemplo, a prioridade está na não redução de pessoas, o que pode ajudar a matar empresas», defende.

 

Como se podem salvar?

João Costa explica que «o primeiro instinto das empresas é reduzir custos, no entanto, quando tentam fazê-lo sem recorrer a especialistas, o resultado pode ser o oposto». Assim, com a pandemia e o novo confinamento, muitas empresas decidiram apostas no e-commerce e nas entregas. «Isto pressupõe a utilização de um componente fundamental: o cartão. Contudo, dado o aumento da procura e a escassez da matéria, o preço aumentou significativamente. Por este motivo, atualmente, a questão que se coloca é o que podemos fazer para negociar ou manter os custos».

Nesse sentido, a Expense Reduction Analysts sugere que as empresas, para que consigam contornar estas quebras devem «controlar ou reduzir custos, rever e questionem a sua estratégia e metodologia e que aumentar a transparência e o envolvimento das pessoas. Simultaneamente, aconselhamos a que se tornem mais lean, através da procura por novos modelos de negócio, por novos clientes e novos canais de venda, da negociação com a banca, da diversificação e renegociação com fornecedores nos casos em que há dificuldades de abastecimento ou encarecimento das matérias primas, e procurando aproveitar os apoios públicos disponíveis», diz João Costa. O responsável não tem dúvidas: «Enquanto em tempos de mar calmo basta uma pessoa para controlar a direção do barco, numa tempestade é necessário utilizar velas e uma equipa para as ajustar permanentemente».

 

O que esperar?

Mesmo antes de ser confirmado o novo confinamento, as perspetivas das empresas já não eram as melhores. O mais recente inquérito da CIP revela que 51% das empresas inquiridas antecipam vender menos até março. João Costa diz que «isto era a realidade antes do novo confinamento, que vem agravar ainda mais a situação. Para as empresas que já estavam numa situação difícil, este novo confinamento pode significar a sua morte definitiva».

Para o responsável existe ainda um outro fenómeno «que se está a observar neste novo confinamento é a indisponibilidade de mão de obra. Ou seja, além dos infetados, que ficam de baixa, é relevante contabilizar os efeitos nos contactos, que ficam também em confinamento».

João Costa não tem dúvidas que com os confinamentos, as atividades mais afetadas são as que não comercializam bens ou serviços considerados essenciais. «O setor do turismo e da restauração, da cultura, do retalho não alimentar, das atividades turísticas, culturais, desportivas e recreativas e, por fim, o setor dos transportes, designadamente o aéreo», diz, acrescentando que «em geral, a atividade económica está a evoluir de forma assimétrica».

E justifica: «Enquanto os setores da construção, indústria e agricultura resistem relativamente bem, os setores do turismo e restauração enfrentam perdas muito significativas. Em relação ao comércio a retalho e serviços, ambos apresentam assimetrias significativas».

O que é certo é que o confinamento pode mesmo ser a morte de muitas empresas portuguesas. O mais recente estudo da Católica Lisbon Forecasting Lab não deixa margem para dúvidas: prevê a contração do PIB de 2% na totalidade do ano, devido ao novo confinamento, antecipando ainda a necessidade de um Orçamento Suplementar para este ano.

Um cenário que vai ao encontro de, João Costa. «O prolongamento dramático da pandemia e o novo confinamento geral vem agravar a situação das empresas muito dramaticamente».

E por isso, defende que é «expectável» que o número de falências aumente naqueles que têm sido os setores mais prejudicados, mesmo com os apoios do Governo. «Essa hora da verdade no que toca a falências será ainda mais evidente quando acabarem as moratórias bancárias, fator que configura a prazo uma ameaça para a banca, pois Portugal já era o terceiro país europeu com mais crédito malparado nos balanços bancários», garante João Costa.

 

Dados económicos oscilantes

Os problemas das empresas estão em linha com o que tem acontecido com a economia do país. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, referentes aos últimos dois meses do ano passado, mostram que, em novembro, altura que foi reintroduzido no país o estado de emergência, Portugal registou o pior mês de recuperação desde maio. No entanto, dezembro trouxe uma melhoria na recuperação. «A informação disponível para novembro e dezembro revela uma interrupção da recuperação parcial da atividade económica observada desde maio», diz o gabinete de estatística, acrescentando que, no entanto, «os indicadores de confiança dos consumidores e de clima económico aumentaram em dezembro face ao mês anterior». Esta foi a altura em que o Governo aligeirou as medidas devido ao Natal.

João Costa avança que «antes da segunda ou terceira vaga nos voltar a atingir em pleno, houve alguns sinais de reanimação económica ligados, tanto à possibilidade de as vacinas começarem a ser inoculadas na população, como a movimentos de reajustamentos empresariais após a primeira vaga». Já a recuperação de dezembro pode ser justificada com o período de Natal, altura em que «foram realizadas compras num prazo muito curto».