Relatos de infetados em supermercados são mentira, garantem superfícies

Relatos publicados nas redes sociais dão conta da presença de doentes com covid-19 nos supermercados. Jerónimo Martins e Lidl falam em “boatos”. Funcionária do Pingo Doce não considera situação “minimamente credível”.

Com o confinamento a apertar cada vez mais, têm-se tornado públicos vários casos de pessoas infetadas com covid-19 presentes em grandes superfícies, nos transportes públicos e até nas filas para votar. Os relatos mais recentes dão conta da presença de infetados em supermercados. O compositor e produtor Diogo Clemente é um desses exemplos: utilizou as redes sociais esta segunda-feira para denunciar uma situação vivida em Alcochete, onde reside. Em causa está o incumprimento do isolamento profilático por parte de um grupo de pessoas infetadas com covid-19.

“Alcochete, dias de hoje, tempo de covid-19. Uma médica está dentro de um supermercado, uma grande superfície, e diz: ‘Olhe, eu estou aqui dentro destes corredores e vi passar uma pessoa que eu sei que tem covid-19. É meu paciente’”, começou por contar, numa série de vídeos partilhados no Instagram. “A senhora da caixa dirige-se ao microfone e diz: ‘A pessoa que está identificada com covid que se dirija em segurança à caixa’. Apareceram nove. Isto não é uma anedota”, denunciou.

“Não é o Governo que tem culpa, não é o Serviço Nacional de Saúde que tem culpa, não é ninguém que tem culpa. Este é um problema grave e este é que é o maior problema: a consciência. Apareceram nove pessoas que estavam dentro de uma grande superfície”, lamentou o ex-companheiro da cantora Carolina Deslandes.

Contactado pelo i, o músico explicou que soube desta situação através de “uma pessoa que era amiga da médica que lá estava”, apesar de saber que já existem relatos de quem desminta o episódio. No entanto, Diogo Clemente acredita que “não há fumo sem fogo” e esta é “uma atenção que nunca é prejudicial”, estando a servir “como um alerta”.

No entanto, Diogo Clemente não foi o único a relatar estes episódios. Outros iguais ou semelhantes têm vindo a ganhar lugar nas bocas dos portugueses, levando a desconfiar que poderá ser um “diz-que-disse”. Nuno Correia contou ao i que viu uma publicação no Facebook que expunha exatamente a mesma situação.

“Uma médica que tinha visto o seu paciente infetado num supermercado foi denunciar ao posto de informações do supermercado e, quando disseram no intercomunicador que o paciente infetado devia apresentar-se, apareceram três”. Mas Nuno, ao contrário de Diogo Clemente, já se tinha deparado com a publicação há cerca de duas semanas.

“No máximo colocaríamos o doente num local isolado” Laura (nome fictício) tem 58 anos e trabalha numa loja Pingo Doce do concelho de Oeiras há quase 30 anos. “Isto não aconteceria. Pelo menos no Pingo Doce, não. Se tivéssemos conhecimento de uma situação como essa, imediatamente contactaríamos as autoridades”, explicou a funcionária que, atualmente, trabalha na caixa. “Até quando alguém não cumpre as regras impostas pela Direção-Geral da Saúde, o segurança manda chamar a polícia”, continuou, garantindo que a equipa “nunca” levaria a que uma pessoa infetada com o novo coronavírus se deslocasse até à caixa, infetando mais clientes.

“No máximo, colocaríamos o doente num local isolado. Ainda que saiba que tudo depende das gerências, não acho este cenário minimamente credível”, continuou, adicionando que, se os boatos correspondessem à realidade, “o funcionário em questão estaria a arriscar o seu posto de trabalho porque não são estas as diretrizes recebidas da chefia”.

A posição das grandes cadeias de retalho “Têm surgido muitos relatos desse género nas redes sociais, às vezes só mudam o nome da loja onde aconteceram e, por aquilo que tenho visto nas notícias, não passam de fake news”, começou por explicar um elemento da equipa de relações públicas da Jerónimo Martins. “Já me relataram situações que supostamente aconteceram em lojas do Pingo Doce e, quando vou procurar informação internamente, confirmo que nada aconteceu na loja em questão”, explicou.

Por seu lado, o Lidl Portugal esclareceu que “a publicação em questão, referente a um supermercado em Alcochete, não se refere a nenhuma das suas lojas naquela zona”.

A rede de supermercados alemã avançou igualmente que, “no que diz respeito a estes boatos, tem colaborado com a rede VOST no esclarecimento dos mesmos, uma vez que surgem através das redes sociais”. “Os desmentidos têm sido feitos em cooperação com esta associação – Associação de Voluntários Digitais em Situações de Emergência – que se dedica precisamente a combater a desinformação que surge online e que, em contexto de pandemia, é vital que seja esclarecida rapidamente para tranquilização da população”, explicou, não esquecendo de salientar que a VOST Portugal faz parte do Gabinete de Resposta Digital à Covid-19 do Governo português, “estando em contacto com diferentes autoridades”, veiculando também, no seu site, números atualizados da situação de covid-19 em Portugal, com base nos dados oficiais da Direção-Geral da Saúde.

Também a empresa Sonae já se desmarcou da situação alegando que “as publicações que têm circulado nas redes sociais, nos últimos dias, sobre clientes infetados em lojas Continente não têm, até ao momento, qualquer fundamento real e a sua propagação só cria pânico injustificado, pelo que o Continente as condena veementemente”. A cadeia que detém o hipermercado Continente esclareceu ainda que “tem implementado uma série de medidas alinhadas com as recomendações da Direção-Geral da Saúde, para tranquilidade de todos, nomeadamente limitações ao número de pessoas no interior das lojas, distâncias de segurança, desinfeção e higienização de carrinhos, cestos e zonas comuns, barreiras acrílicas de proteção nas caixas de pagamento e no apoio ao cliente”.

relatos Nos transportes Não é só nos grandes espaços comerciais que se relata este tipo de situações. Um homem de 80 anos fez ontem parar um autocarro em Adaúfe, no distrito de Braga, por estar infetado com covid-19. Fonte da GNR adiantou que foi a própria mulher do octogenário que deu o alerta para a situação. O homem foi depois “encaminhado de ambulância para casa, com acompanhamento por parte da GNR”, acrescentou a fonte. Como configura uma violação do dever de isolamento profilático, o caso vai ser comunicado ao Ministério Público. Os restantes passageiros do autocarro serão orientados pelas autoridades de saúde.