Rosalina Machado. A publicitária que marcou quem com ela se cruzou

Rosalina Machado soltou-se das amarras da época para se tornar a primeira mulher portuguesa a presidir uma multinacional. Morreu na segunda-feira, aos 79 anos, logo a seguir ao seu marido. Rosalina Machado viveu em pleno: mulher, esposa, mãe, amiga, publicitária e gestora. Foi, sobretudo, alguém que esteve sempre à frente do seu tempo. Morreu, na…

“Recebi um convite para apresentar um programa sobre atualidade política na RTP e ele [o marido, Francisco Tavares Machado] não me deixava trabalhar (…) ficou indignadíssimo (…) disse-lhe que ele tinha de me respeitar e que, se assim não fosse, teríamos de nos separar. Ele acabou por compreender”. As palavras soltas de uma entrevista dada ao Correio da Manhã são da empresária Rosalina Machado, nome histórico da publicidade e do jet set português, que faleceu, aos 79 anos, na passada segunda-feira – apenas um dia depois de Francisco Tavares Machado, com quem esteve casada 50 anos, ter também falecido, vítima de complicações associadas à covid-19.

Este pequeno excerto conta um episódio familiar passado na década de 1970, mas permite ilustrar, nos dias que correm, o caráter combativo, enérgico e ambicioso que Rosalina Machado carregou ao longo de toda a sua vida. Esta marca, daqueles que estão à frente do seu tempo, valeu-lhe, entre outras coisas, ser a primeira mulher portuguesa a presidir a uma multinacional: a Ogilvy & Mather, uma agência de publicidade, marketing e relações públicas com sede na cidade de Nova Iorque (Estados Unidos).

A publicidade foi, aliás, uma das grandes paixões de Rosalina Machado – uma paixão que, diga-se, terá sido plenamente correspondida. Entrou neste mundo ainda antes do 25 de Abril, mas foi depois da revolução, em 1976, que decidiu dar o passo em frente e fundar, em parceria com um grupo de amigos, a DC3, que se tornaria nos anos seguintes uma das maiores agências de publicidade do país.

Em 1986 subiu mais um degrau. E integrou a Ogilvy & Mather – atualmente BAR Ogilvy –, projeto que viria a liderar durante mais de duas décadas. Porém, nos últimos quatro anos ligados à multinacional ocupou o cargo não executivo de chairwoman, que viria a revelar-se incompatível com a sua natureza de líder. “Eu não quero estar em nada em que não conheça em pleno a estratégia. E o cargo que ocupava nos últimos anos, chairwoman, não me dava qualquer poder. Quando me propuseram o lugar, aceitei-o talvez por uma questão de ego. Hoje não o teria feito”, declarou, na altura, ao Diário de Notícias.

Bateu com a porta. Vendeu a sua participação na agência e não fez mais publicidade. A publicidade, porém, nunca a esqueceu. “Marcou várias gerações de publicitários com a sua atitude positiva, profunda honestidade e a certeza de que as empresas não são pessoas. Pessoas que ela apoiava, incentivava e ajudava, mesmo fora do universo profissional. Rosalina Machado sabia que a felicidade é o bem mais valioso de uma empresa”, escreveu o diretor de serviço a clientes da BAR Ogilvy, Francisco Costa, numa nota enviada à comunicação social.

 

Reforma? Não, obrigado!

A partir deste momento, a história de Rosalina Machado e Francisco Tavares Machado poderia contar-se por tranquilos e divertidos convívios com familiares e amigos – e eram muitos. Incontáveis. Mas até o leitor que nunca se tenha cruzado com Rosalina Machado certamente já percebeu, por esta altura, que as coisas jamais poderiam passar-se desta forma. Em 2009 passou a dedicar-se aos negócios da família e à gestão do restaurante Belcanto, em Lisboa (hoje propriedade de José Avillez).

Em 2015, no edifício sólido que construiu abriu-se uma fenda. O diagnóstico não permitia dúvidas: cancro do pulmão. Mas Rosalina Machado, fazendo o que sempre fez, foi à luta. A derradeira. Partiu na segunda-feira, mas na companhia do marido. O casal deixa um filho, João Pedro, de 49 anos, e netos.

 

Lágrimas dos amigos

Rosalina Machado e Francisco Tavares Machado partiram, mas deixaram para trás um rasto de lágrimas de despedida dos muitos amigos que foram somando por onde passaram.

Mário Assis Ferreira, vice-presidente da Estoril-Sol, era um dos melhores. Conhecia Rosalina Machado desde o berço, ainda os laços de amizade eram tecidos pelos pais de ambos. “A Rosalina era mais que uma enorme amiga, era uma irmã. E nunca nos tratámos de outra forma”, recorda. De voz embargada, Mário Assis Ferreira promete guardar a memória: “Não posso esquecer o que ela representou, como empresária e amiga. A Rosalina emanava uma espécie de luz que iluminava e inspirava. Era um ser superior, que mesmo assim nunca deixou de ser humilde, generosa e solidária com todos com quem se cruzou”.

“A sua morte foi uma perda irreparável para mim. Sinto que éramos duas metades da mesma unidade e que, provavelmente, nunca mais voltarei a encontrar na minha vida uma alma tão gémea como tinha nela”, diz Mário Assis Ferreira.

Bernardo Reino, proprietário do restaurante Gigi, na Quinta do Lago, no Algarve, era mais um amigo. “Conheci o Francisco há muitos anos, na década de 1980, antes ainda de ser tasqueiro de praia”, diz, bem ao seu jeito, meio a brincar e meio a sério. “Sabe, antes via os meus amigos partirem a passo de passeio, mas hoje têm todos partido a passo de corrida…”, lamenta.

Era na discoteca da moda da Lisboa dos anos 1980, o Banana Power, ou Bananas (como toda a gente a conhecia), que Bernardo Reino começou a privar com o casal Machado, no epicentro do jet set nacional, que depois coloria as páginas das revistas cor-de-rosa da época. “Fiquei imediatamente com uma admiração enorme pelo Francisco Tavares Machado. Era de uma lisonja, de uma amizade… Era fantástico! E a Rosalina, então, era uma mulher notável. De uma simplicidade e simpatia… Era, sobretudo, uma pessoa que espalhava alegria por onde passava. Era impossível não nos sentirmos bem na sua presença, e isso notava-se até no staff do meu restaurante. Os meus colaboradores adoravam a Rosalina e o Francisco!”, recorda.

Do baú de memórias, Bernardo Reino recupera ainda o dia em que teve de abrir o seu restaurante propositadamente para o jantar entre o casal Machado e os amigos Mário Soares e Maria Barroso. “Eram muito amigos. A Rosalina e o Francisco fizeram questão que o jantar fosse no meu restaurante e, por isso, tive de abrir. Lembro-me perfeitamente desse dia, da alegria à mesa, das brincadeiras… Eram pessoas maravilhosas e que vão deixar muitas saudades”, conclui.

Rosalina e Francisco partiram lado a lado como, de resto, viveram a maior fatia (e talvez a mais feliz) das suas vidas. Pelo caminho foram acrescentando memórias: alegrias e tristezas. E muitas pessoas novas que chegavam, por vezes, sem se saber muito bem como ou porquê. Outras, por outro lado, esfumavam-se com o tempo. Foi, aliás, uma vida igual a tantas outras. E, como tantos outros, o casal que vivia junto há mais de 50 anos não se viu separado nem na hora da morte – faleceram apenas com um dia de diferença. Já todos ouvimos histórias destas, mas o i procurou saber: é possível, de facto, morrer-se de amor ou desgosto? Daniela Alves Nogueira, psicóloga clínica e psicoterapeuta, especialista na área do luto, explica que, de facto, “é possível sentir uma tristeza que possa levar-nos a morrer”. “A forma como lidamos com a perda de um companheiro depende muito da qualidade dessa relação. Perante uma ligação tão continuada no tempo, normalmente satisfatória, ver morrer um companheiro significa para muitas pessoas perder o sentido para a vida. E, neste caso, o choque e o desgosto podem levar ao agravar de sintomas e à falência de órgãos nas pessoas em situação frágil”.