Economistas falam em ‘nuvem’ cinzenta

Na semana passada foram conhecidos os dados da Direção-Geral do Orçamento que apontam para um agravamento do défice de 9704 milhões em 2020. O FMI melhorou a previsão do crescimento mundial, mas reviu em baixa a zona euro. O nosso jornal quis saber junto de nove economistas o que se pode esperar para este ano…

João César das Neves
‘A bazuca, pelo menos até agora, revelou-se uma desilusão’

«O cenário está muito nebuloso». É desta forma que João César das Neves comenta a evolução da economia para este ano. No entender do economista, «o que seria de esperar era uma recuperação significativa face ao terrível ano passado». No entanto, admite que o agravamento da pandemia pode inverter esse processo. «Estou convencido de que, em 2021, a economia ainda vai cair alguma coisa e só em 2022 teremos a recuperação».

E face a este cenário admite que as metas estipuladas pelo Governo e pelas entidades internacionais poderão ser ultrapassadas face à atual situação de pandemia. Em causa está o crescimento de 5,4% do produto interno bruto (PIB) para este ano e de um défice de 4,3% previsto no Orçamento do Estado de 2021 – metas essas que, ainda esta semana, levaram o ministro das Finanças a reconhecer que poderão ser revistas. «A segunda vaga da pandemia, mais intensa do que o esperado, e as medidas restritivas de confinamento associadas, com maiores apoios ao rendimento das famílias e às empresas, deverão conduzir a uma revisão em baixa do cenário macroeconómico e do saldo orçamental para 2021», disse João Leão.

Para César das Neves, não há dúvidas: «Penso que o Governo terá de avançar rapidamente com um Orçamento Retificativo». Ainda assim, garante que «não era possível fazer melhor». O economista já tinha admitido a este semanário, em setembro, que o Orçamento do Estado para este ano seria «uma obra de ficção» e, apesar de afastar críticas, lembrou que ninguém sabe como vai ‘andar’ a economia e ainda menos qual vai ser o cenário das contas públicas. «A tarefa de fazer um Orçamento nestas condições é uma missão impossível, mas tem de ser cumprida. Por isso, o Governo vai ter de arriscar umas previsões, umas metas e umas políticas, com a certeza de que teremos uma ou mais revisões quando a realidade bater».

Quanto ao impacto deste novo confinamento na economia portuguesa, o responsável acredita que não será mais penalizador do que foi no segundo semestre do ano passado. «Uma queda monstruosa como essa não será fácil de repetir. O encerramento desta vez é semelhante, mas as pessoas e as empresas estão mais preparadas, pelo que haverá uma descida forte, mas mais moderada».

E quanto aos setores que têm sido mais afetados – como é o caso da restauração e da hotelaria –, César das Neves afirma que o «Governo tem ajudado bastante, embora tenha sido tímido nos montantes e lento na entrega, sobretudo em relação aos mais pobres. Estamos entre os países que menos ajudaram».

Também está pouco otimista em relação à ‘bazuca’ europeia. «A bazuca, pelo menos até agora, revelou-se uma desilusão, porque está assumidamente dirigida para algo que nada tem a ver com a pandemia, que é o que se chama ‘recuperação’», refere, chamando a atenção para que a recuperação é algo que acontece automaticamente, assim que a pandemia terminar. «Ou seja, é bastante provável que esse dinheiro vá ser gasto em projetos politicamente motivados que nada têm a ver com as cicatrizes da pandemia –basta ver o programa português».

César das Neves afasta ainda qualquer mudança em termos de estratégica económica após as eleições presidenciais. «Não me parece que se vá assistir a qualquer alteração».

 

António Bagão Félix
‘Um ano muito difícil e ainda muito imprevisível’

Para António Bagão Félix, não há dúvidas em relação ao cenário económico para este ano: «Um ano muito difícil e ainda muito imprevisível, face à evolução da pandemia». E diz mesmo que «caminhamos sob um brutal nevoeiro». Como tal, afirma não ser «crível que as metas definidas venham a ser alcançadas». E dá como exemplos a evolução do PIB, a taxa de desemprego, a produtividade e as contas públicas.

No entender do economista, o facto de se terem verificado, nos últimos meses, menores receitas fiscais e maiores despesas – os dados divulgados esta semana pela Direção-Geral do Orçamento apontam para uma redução da receita (-5,6%) e um acréscimo da despesa (+5,3%) – vai levar o Governo a ter de rever as metas previstas no Orçamento do Estado e, consequentemente, terá de avançar com um Orçamento Suplementar.

Esta medida não o irá surpreender, uma vez que, em setembro, já tinha admitido ao nosso jornal que o OE seria um documento de manutenção de um Governo minoritário. «Com um Governo sem maioria absoluta, o Orçamento do Estado tende a ser o resultado de um leilão para ser aprovado, pelo menos pela abstenção de outro partido na Assembleia da República. Essa barganha orçamental terá sempre como resultado o maior ou menor peso de medidas de cariz populista em tempo de forte crise: aumento da despesa para satisfazer clientelas eleitorais e, quiçá, diminuição deste ou daquele imposto ou taxa, compensada por aumentos seletivos e ideologicamente emblemáticos para os proponentes», disse na altura.

Quanto ao impacto económico deste novo confinamento, Bagão Félix reconhece que, a curto prazo, a economia portuguesa poderá ser ainda mais penalizada, mas levanta outras dúvidas. «A questão que aqui se põe e para a qual é difícil encontrar a resposta tem que ver com o que é melhor: se um confinamento acentuado que, a prazo, possa dar melhores condições à economia ou se um confinamento incompleto que pode surgir como enganador para a economia. Em suma, tratar primeiro da saúde para estabilizar a economia ou dar prioridade imediata à economia, agravando a condição sanitária».

Para o economista, a solução «estará num equilíbrio entre as duas curvas que, repito, não é mensurável. Mas, à partida, prefiro um confinamento apertado que possa evitar recidivas e, mais tarde, dar melhores condições à economia».

Em relação às verbas que têm sido anunciadas para ajudar os setores mais afetados por este novo ‘fecho do país’, reconhece que as ajudas financeiras – incluindo apoios diretos, indiretos e moratórias – são as possíveis num quadro de um país fortemente endividado. Mas deixa um alerta: «Mais decisivo que as medidas em si é o seu grau de rapidez de execução, a sua eficácia, e a redução forte dos empecilhos burocráticos, de modo a evitar factos irreversíveis e falências».

O mesmo risco de lentidão poderá verificar-se, segundo o economista, em relação à bazuca europeia, lembrando que as prioridades estão estabelecidas e dirigidas a setores mais vulneráveis perante a pandemia. «A questão é, mais uma vez, a lentidão. Lentidão no quadro europeu, com tramitação pesada, designadamente quanto à aprovação pelos Parlamentos nacionais do Fundo de Recuperação – provavelmente, lentidão que resultará da burocracia dos próprios serviços da Comissão Europeia. E, como antes referi, preparação de uma distribuição das verbas que rompa com o Estado pesado, demasiado formal e procedimental».

Também Bagão Félix acredita que não iremos assistir a qualquer mudança em termos de estratégia económica face aos resultados eleitorais das presidenciais. «Não creio, até porque o caminho é estreito e fortemente sujeito a aspetos (europeus) que devem ser cumpridos»

 

Eugénio Rosa
‘Quem sobreviveu com dificuldade, agora vai desaparecer’’

«Sempre afirmei que a recuperação da economia portuguesa seria lenta e difícil». A garantia é dada por Eugénio Rosa, que lembra que, contrariamente às previsões oficiais que apontavam 2021 já como o ano da recuperação – o Banco de Portugal, em junho, previa um crescimento do PIB de 5,2% em 2021 mas, em dezembro já tinha reduzido para 3,9% –, «a recuperação nunca seria lenta em V, mas sim em W, com crescimentos e quedas, como efetivamente está a suceder».

E vai mais longe. O economista garante que 2021 não será o ano de recuperação para a economia nacional, por um lado, devido à extrema dependência do turismo, e este depende do ambiente de confiança, cujo restabelecimento será muito lento. «Portugal entrou, para já, para a lista de cores da Comissão Europeia com a pior». No que diz respeito às exportações, «também aqui a situação não é tranquilizante, pois os principais países compradores de produtos portugueses debatem-se com a pandemia».

Para Eugénio Rosa, não há dúvidas: «Passada a euforia da descoberta da vacina, agora já se sabe que levará tempo a vacinar uma parte significativa da população (a indisponibilidade da vacina dentro dos prazos inicialmente anunciados é mais uma agravante) e será necessário muito mais tempo para que os seus efeitos se consolidem e gerem a confiança necessária para que a economia possa recuperar. 2021 será certamente mais um ano em que se assistirá à destruição de muitas empresas e ao aumento do desemprego. Só em 2022 se poderão sentir os efeitos da recuperação».

Esta situação leva o responsável a chamar a atenção para o facto de o Governo ainda não ter feito nenhum ajustamento em relação às metas previstas. Ainda assim, garante: «O irrealismo nas previsões do Governo é claro e também é claro que parece ainda não compreender o que se está a passar no país». E acrescentando que «tomar os desejos por realidade é o pior que poderá suceder na situação que enfrentamos, pois adiam-se ou não se tomam decisões importantes para resolver os problemas, e as consequências são dramáticas, como tem acontecido com o SNS».

Quanto ao novo confinamento, o especialista garante que o fecho total ou mesmo parcial da economia tem sempre consequências «imediatas e graves». E dá exemplos: «Muitas empresas que conseguiram sobreviver já com dificuldade no primeiro confinamento, agora já não conseguirão resistir e desaparecerão. O desemprego aumentará ainda mais. Muitas outras empresas, perante um futuro incerto e por uma questão de segurança, reduzirão o seu quadro de pessoal, lançando no desemprego mais trabalhadores. E não é o layoff simplificado nem os apoios que resolverão os problemas. Os empresários consideram-nos sempre insuficientes e tardios, pois medeia sempre um longo tempo entre o anúncio da medida e a sua chegada às empresas, e, além disso, estão longe de substituir a atividade produtiva».

Face a este cenário, Eugénio Rosa acredita que nos setores mais penalizados – não só a restauração e a hotelaria, mas também as microempresas, que constituem a esmagadora maioria das empresas do país (cerca de 1,2 milhões) e empregam 1,8 milhões de trabalhadores –, este confinamento, «a continuar sem um fim certo», vai causar o desaparecimento de uma parte significativa das empresas.

Esta e outras ‘derrapagens’ levam o economista a admitir que o Governo vai ter de fazer um Orçamento Retificativo, uma vez que entende que o documento foi elaborado com base em previsões económicas «otimistas irrealistas», o que se reflete nas receitas – previu-se mais do que se vai obter, nomeadamente a nível da receita do IVA, 17 mil milhões, que está muito dependente da evolução da economia – e nas despesas previstas do Estado, isto é, previu-se menos de que terá de se realizar. «É inevitável que o Orçamento do Estado para 2021 tenha de ser ajustado, pois não tem já qualquer aderência à realidade criada pela nova vaga da covid-19, de que todos falavam, mas não se tomaram atempadamente medidas para a enfrentar».

Já em relação às eleições presidenciais, Eugénio Rosa não acredita que se assista a grandes alterações em termos de rumo económico, uma vez que, lembra, não está dentro das competências do Presidente da República definir a politica económica. «Esta compete ao Governo e a experiência já mostrou que o crescimento económico ‘promovido’ por este Governo continuou a ser baseado em baixos salários (já quase 30% dos trabalhadores recebem apenas o salário mínimo nacional e o salário médio está cada vez mais próximo daquele), no turismo, em baixa intensidade tecnológica e baixa produtividade, e nas exportações, ou seja, um crescimento económico frágil e dependente do exterior cujas consequências estão à vista».

Como solução, aponta para uma mudança de perfil da economia, mas para isso considera que é necessário apostar numa economia de maior intensidade tecnológica, em maior investimento, em salários elevados, em elevada produtividade e numa menor dependência do exterior. «É certo que o Presidente da República, logo no início da crise, fez declarações de que Portugal teria de ter uma economia mais independente para não sofrer tanto com as crises, que vão continuar a acontecer, como está a suceder. Mas, depois, nunca mais se ouviu».

 

João Ferreira do Amaral
‘Restauração e hotelaria são demasiado importantes para serem deixadas cair’

João Ferreira do Amaral não deixa margem para dúvidas: caso a pandemia possa ser controlada em resultado das medidas de confinamento, «podemos ter esperança que a economia comece a recuperar já na primavera». Mas alerta para o risco: «Se a pandemia só for controlada mais tarde, com a vacinação, provavelmente, a recuperação só começará no verão».

Para já, o economista aponta para as metas ultrapassadas, tanto apontadas pelo Governo como pelas entidades internacionais. «O último trimestre de 2020, em particular o mês de novembro, já mostra essa tendência. Neste momento, o que se pode esperar para o primeiro trimestre deve confirmar evoluções negativas que não eram expetáveis em meados do ano passado. Provavelmente irá ser necessário mudar as metas orçamentais para 2021».

Este ‘baralhar’ de contas, no seu entender, deverá obrigar o Governo a ter de avançar com retificações quanto ao Orçamento do Estado em vigor. E não hesita: «Tal deve-se ao facto de o cenário de evolução da economia ser agora pior do que o esperado e de o auxílio financeiro por parte do Estado às empresas e famílias ter de ser superior».

Ainda assim, reconhece que não havia alternativa a não ser decretar o confinamento e avançar com medidas de apoio às empresas mais afetadas, nomeadamente na restauração e turismo. «Não me parece que houvesse outra solução senão garantir auxílio financeiro para que daqui a (espera-se!) poucos meses, quando a procura aumentar, o setor esteja em condições de responder e começar a recuperar. Se a ajuda será ou não suficiente, esperemos para ter mais indicações, na certeza de que, se se verificar que está a ser insuficiente, deverá ser rapidamente aumentada. É um setor demasiado importante para ser deixado cair».

Mas os alertas não ficam por aqui. De acordo com o economista, além do auxílio financeiro é necessário garantir a segurança sanitária aos turistas que nos visitarão, «espera-se que, em boa parte, já vacinados no seu país de origem, e também controlo sanitário, com um mínimo de filas de espera nos aeroportos».

João Ferreira do Amaral está de olhos postos na bazuca e deixa uma garantia: «É necessária para permitir que haja investimento público ou com financiamento público numa situação que, a partir do próximo ano, será quase certamente de restrições financeiras. Mais que essencial no curto prazo (a política monetária do Banco Central Europeu é muito mais importante deste ponto de vista), será um instrumento fundamental para criar condições de crescimento a médio prazo».

 

Nuno Teles
‘Recuperação estará adiada pelo menos até ao segundo semestre’

«Com a continuação da pandemia e os atrasos na produção de vacinas, a recuperação antes esperada do crescimento económico estará adiada até pelo menos ao segundo semestre deste ano». Esta é a opinião de Nuno Teles que, se o cenário económico português já era muito incerto antes desta terceira vaga pandémica, agora acredita que será mesmo impossível assistir às condições de recuperação económica que o Orçamento para 2021 colocava nas suas previsões de receitas e despesas.

O economista reconhece «que as otimistas previsões de recuperação em V veem-se, assim, cada vez mais goradas, mesmo num cenário pós-pandémico», e lembra que à medida que os confinamentos se prolongam no tempo, também os problemas económicos de desemprego, endividamento e depressão da procura se agravam para muitos setores e, como tal, hipotecam a possibilidade de uma recuperação rápida. «Se este é o preocupante cenário mundial, o caso português é mais grave devido às conhecidas vulnerabilidades recentes da economia portuguesa (dependência do turismo e imobiliário) e a um papel do Estado no combate à crise económica mais modesto do que o observado na generalidade dos países ricos».

Ainda assim, Nuno Teles garante que o cenário deste novo confinamento seria obrigatório, mas lembra que «se uma nova quebra no produto e no emprego é inevitável, não parece que o seja na mesma escala de março de 2020, dada a aprendizagem que empresas e serviços públicos foram tendo ao longo de 2020, o que lhes permite minimizar perdas». No entanto, chama a atenção para o facto de o efeito cumulativo negativo de longos períodos de inatividade ou de atividade reduzida, a par do endividamento e do aumento do desemprego, poderá fazer com que este confinamento tenha agora impactos mais visíveis em determinados setores.

E um desses casos, de acordo com o responsável, poderão ser os setores da restauração e da hotelaria, que têm sido os mais penalizados. Apesar de reconhecer que a crise tem um lado conjuntural que é minorada pela continuação do layoff aprovado pelo Governo, poupando-se assim nos custos laborais, por outro lado, medidas como o IVAucher parecem-lhe «votadas ao fracasso nos seus propósitos devido à sua complexidade e condicionalidade».

Já em setembro tinha garantido ao nosso jornal que não havia margem para dúvidas: «É inevitável que haja queda de receitas e aumento de despesa, fazendo aumentar o défice. Além disso, dada a incerteza radical que vivemos, estabelecer qualquer meta orçamental vai rapidamente revelar-se um exercício especulativo».

O economista vai agora mais longe e garante que, mesmo com a vacinação da população, não é possível assistir à recuperação total da procura turística no nosso país. «Este devia ser, pois, um tempo de reflexão estratégica do que queremos como os setores mais dinâmicos da economia portuguesa no futuro e qual pode ser o papel do Estado na centralização do necessário investimento para a reestruturação económica portuguesa e na reafetação de trabalhadores entre setores, garantindo uma economia mais robusta no futuro e a proteção de que dezenas de milhares de trabalhadores agora precisam», diz, lembrando que o documento estratégico de António Costa Silva parece já votado ao esquecimento e aproveitando para criticar a bazuca europeia.

«A bazuca financeira nunca o foi. Embora tenhamos assistido a uma inovação europeia na construção deste fundo, as suas disponibilidades estão muito abaixo das necessidades. Se isso não é um problema para os países ricos, como a Alemanha, que disponibilizam os fundos necessários do seu próprio orçamento, países como Portugal, que fazem depender os seus esforços orçamentais de recuperação da bazuca, veem-se com uma capacidade de fogo muito reduzida a ser dividida em vários anos. Segundo a análise do Instituto Brueghel, o impacto da bazuca europeia em termos do rendimento nacional andará entre 0,75% em 2021 e 2% em 2024. Compare-se com o pacote de estímulos agora anunciado pelos EUA, para 2021, de 10% do PIB», aponta.

Quanto aos resultados das eleições presidenciais, Nuno Teles acredita que vão resultar «na manutenção do statu quo. Por isso, não acho que tenham qualquer impacto na condução da política económica».

 

Pedro Ferraz da Costa
‘Nunca tivemos uma política orçamental muito transparente’

Pedro Ferraz da Costa não poupa críticas à gestão do Governo em tempos de pandemia. «O Governo nunca está preparado para nada nem nunca estará. São muito incompetentes». E isso acaba, no entender do economista, por se refletir nas contas económicas do país, garantindo que todas as previsões que foram feitas, nomeadamente na altura do Orçamento do Estado, já estão ultrapassadas.

A situação não o surpreende. «Já havia dúvidas em relação às previsões que foram apresentadas no Orçamento do Estado porque havia dois problemas: uma boa parte do investimento público não foi inscrita no Orçamento porque seria financiado com fundos europeus, logo não se sabe muito bem quanto é essa verba e para que projetos vai, uma vez que, quando está inscrita no documento, essa verba tem de respeitar determinadas regras e tudo é escrutinável. Outro problema diz respeito ao Plano de Eecuperação e Resiliência, pois sabe-se muito pouco sobre isso. O Governo anunciou esse programa em Bruxelas, mas deu muita pouca informação a esse respeito».

Ainda assim, o economista chama a atenção para o facto de cerca de três quartos do valor da bazuca terem como destino o reforço da política orçamental do Governo, e não o estímulo da atividade económica. E dá exemplos: «A propósito da digitalização vão para o Estado 2,7 mil milhões, a propósito de mais não sei o quê vão mais não sei quantos milhões. Ou seja, só o Estado arrecada grande parte desse valor, e estamos a falar de um montante muito elevado. Estamos a falar de muito dinheiro».

Mas, apesar do ‘cartão vermelho’ que dá ao Governo, Ferraz da Costa garante que Portugal não tinha hipótese de ir muito mais além, em termos financeiros, nos setores de atividade que têm sido mais atingidos por esta pandemia. «Não temos uma situação financeira para irmos muito mais além. Não criticaria, neste momento, o Governo por isso, porque estamos numa má situação financeira». E aponta como exemplo o erro do país de ter estado demasiado tempo dependente do turismo. «Depender tanto do turismo é próprio dos países subdesenvolvidos», garante.

E vai mais longe: «Nunca tivemos uma política orçamental muito transparente. De há muito tempo para cá começou a existir uma grande diferença entre o que estava orçamentado e o que se gastava realmente. E se formos ver os valores, facilmente verificamos que o que se gasta, de facto, no fim do ano revela diferenças muito significativas em relação ao que foi inicialmente orçamentado», afirma, acrescentando que essa diferença só se verifica devido ao «volume muito grande de cativações que são feitas». Quanto ao ministro das Finanças, pede que este esteja a ‘tomar conta’ do dinheiro. «Parece-me que é o que está a fazer e é por isso que não distribuíram mais. Foi, de facto, uma pena que nestes últimos cinco anos não tivessem aproveitado para reduzir mais a dívida e melhorar a situação financeira portuguesa».

Em relação à reação que Portugal teve, no que diz respeito aos outros países europeus, face à situação de pandemia, diz ser muito diferente. «Por exemplo, a Alemanha deu apoios que são 10% ou 15% do PIB. Em Portugal, em qualquer conversa familiar ou de autarquia ou de Governo, aparece sempre alguém a dizer que não temos dinheiro. Não temos dinheiro porque o estragamos. Já não somos um país assim tão pobre».

Quando questionado sobre a hipótese de o Estado português injetar dinheiro nas contas dos portugueses, como fez o Estado americano, diz apenas: «Quando muito, tirava».

Já em relação ao resultado das eleições presidenciais deixa uma garantia: «Acho que o primeiro-ministro saiu reforçado pelo decréscimo da extrema esquerda. Não sei se é bom ou mau porque não consigo perceber o que António Costa pensa da economia e que caminho quer fazer».

«Não estou muito otimista em relação ao futuro. Ninguém está porque o que precisávamos era de aproveitar este período para fazer medidas que nos tornassem muito mais competitivos, para atrair investimento direto estrangeiro, e criarmos condições para que empresas modernas e startups não fossem vendidas ao estrangeiro como têm sido», afirma, concluindo: «Fala-se muito de os enfermeiros terem ido para Inglaterra, mas não são só os enfermeiros. Há muita iniciativa empresarial que também vai. E vai continuar a ser assim enquanto não mudarem a burocracia e uma série de coisas, mas penso que, com esta configuração governativa, nada vai mudar nesse aspeto».

 

Susana Peralta
‘Temos de pôr dinheiro na mão das pessoas’

Susana Peralta mostra-se surpreendida com o facto de o ministro das Finanças ter, nesta fase, capacidade para poupar dinheiro – uma situação que, no entender da economista, devia estar excluída nesta fase, mas que está bem visível nos últimos dados divulgados pela Direção-Geral do Orçamento. «O défice é uma decisão política e este ministro das Finanças já foi capaz de mostrar a maior insensibilidade perante a maior crise do século», diz, e acrescenta: «Basta dizer que em 2020 ficámos três números abaixo do défice que tínhamos previsto em outubro. Isto significa que em três meses conseguiu poupar três mil milhões de euros relativamente àquilo que devia ter gasto. Claramente, o défice vai depender da insensibilidade social e até económica do Governo».

E dá como exemplo os apoios que estão dados aos setores mais penalizados, nomeadamente a restauração, e aos trabalhadores independentes. «Porque é que o Governo não fechou mais cedo os restaurantes e não lhes pagou as compensações devidas? Porque é que o Governo desenha programas de apoio aos trabalhadores independentes que são mantas de retalhos? E porque é que os apoios são curtos? Porque é que Portugal tem uma das maiores adesões da zona euro às moratórias? E porque é que as pessoas não têm dinheiro?».

Mas dá uma resposta: «As pessoas não têm dinheiro porque o Governo não lhes está a pagar. Não é cortar. É decidir não gastar. Numa crise destas, o que é preciso é avançar por parte do Governo com ajudas generosas».

Susana Peralta garante que, nesta matéria, vê o Executivo muito pouco ambicioso nos gastos com a despesa e acredita que «até a vacina nos colocar realmente num patamar de segurança, em que consigamos pôr as pessoas a voltar a circular livremente e sem medo, vai demorar bastante tempo», o que irá inevitavelmente afetar o setor do turismo. «Neste momento estamos nas capas da imprensa internacional como o pior país do mundo em número de infeções e em número de mortos, e isso tem um custo. Não vamos estar à espera que, daqui a dois meses, os turistas venham para cá todos contentes a achar que isto é um sítio muito seguro».

Face a este cenário, a economista reconhece que o Executivo também foi pouco ambicioso em termos de apoios dados aos setores mais penalizados. «O Governo português foi muito pouco ambicioso nas ajudas que colocou no terreno», afirma, lembrando que nestas atividades há muitos trabalhadores que ficaram desprotegidos. «Muitas dessas pessoas, mesmo com contratos de trabalho, ganham horas extraordinárias e, em caso de confinamento, nunca serão compensadas por isso», aponta, apesar de elogiar como ‘boa’ medida o pagamento de 100% do salário a quem está em layoff.

E dá como exemplo aquilo a que se assistiu na Alemanha e nos Estados Unidos, em que foi dado dinheiro às famílias. «Essas coisas, em Portugal, simplesmente não foram feitas. E as medidas que foram tomadas como, por exemplo, fechar os restaurantes às 13h, foi para tentar poupar mais uns euros, porque isso nunca fez grande sentido».

Face a esta situação, Susana Peralta não tem dúvidas: «Temos de chegar rapidamente ao terreno, pôr dinheiro na mão das pessoas e das empresas. Sou muito sensível à questão das famílias porque, apesar de haver um grande foco na questão de ajudar as empresas, é preciso ajudar as famílias, pois há famílias às quais não conseguimos chegar através das empresas». E dá como exemplo o serviço doméstico e algumas atividades do setor da restauração, uma vez que entende que o layoff não chega a esses trabalhadores. «É preciso que essas pessoas possam confinar como eu, desde que não percam rendimento, para conseguirem pagar as contas. Só assim podem ficar em casa, já que não podemos abrir a atividade económica».

 

Luís Mira Amaral
‘Pagar a 100% aos trabalhadores em layoff é generoso’

Luís Mira Amaral garante que Portugal foi um dos países com maior queda do produto interno bruto (PIB) em 2020 e diz que as perspetivas não são animadoras para este ano, tendo em conta os alertas que têm sido feitos pela Comissão Europeia. «Tudo indica que Portugal, Espanha e Itália serão os países com menor crescimento». Mas tem uma explicação: «Somos economias muito dependentes do turismo e, como o turismo não vai alavancar nos próximos meses, obviamente que estamos fragilizados em relação aos países do leste europeu que não têm essa dependência do turismo».

Perante esta realidade, o economista não tem dúvidas: todas as estimativas vão ter de ser revistas. «Algumas chegaram a falar de um crescimento de 5% do PIB para este ano e já estão a ser revistas em baixa. O Fórum para a Competitividade falava de 2 a 4% com tendência negativa, a Católica até fala em valores negativos, apontando para uma queda de 2% em 2021. Acho que vai andar entre valores negativos ou valores positivos muito pequenos, até porque não estou a ver que antes de setembro possa existir qualquer reanimação económica».

Perante esta realidade, Mira Amaral admite que é inevitável o Governo avançar com um Orçamento Retificativo. «O Executivo, quando elaborou este Orçamento, não tinha ideia, nem nós, da dimensão da segunda e, agora, da terceira vaga da pandemia». E lembra que, antes da segunda vaga, ainda havia alguns «otimistas que diziam que a recuperação ia ser em V, enquanto os menos otimistas garantiram que aquele ‘cheirinho’ de crescimento que tivemos em outubro e novembro iria baixar, e é isso certamente que vai acontecer», apesar de reconhecer que houve quem tivesse alertado para o crescimento em K, ou seja, alguns países vão recuperar mais e outros recuperam menos, e, como tal, iremos assistir a uma recuperação assimétrica. «É evidente que, perante uma situação destas, Portugal estará na perna de baixo do K».

Mas, apesar destes constrangimentos, Mira Amaral acredita que o Governo vai tentar adiar por mais algum tempo a revisão das estimativas – uma situação que, não o surpreende, até porque, no seu entender, ninguém sabe fazer previsões neste momento. «Quanto mais tarde fizer um ajustamento no Orçamento, menos incerteza tem. Já se percebeu que a despesa pública vai ter de aumentar, com os novos programas de apoio às empresas, famílias e trabalhadores, e também já se percebeu que a receita vai continuar a cair», diz, remetendo para os últimos dados divulgados pela DGO.

Em relação aos apoios dados pelo Governo aos setores mais afetados, o economista lembra que, antes desta segunda e, agora,  terceira vaga, Portugal teria gasto com o apoio às empresas, famílias e trabalhadores cerca de 5% do PIB, enquanto a Alemanha e os EUA gastaram 15% do PIB. «Isso significa que, afinal, o Governo tem consciência da fragilidade das nossas finanças públicas e jogou à defesa», refere, acrescentando que só agora, com os pedidos das confederações empresariais, nomeadamente da CIP, é que o Governo falou em apoios às empresas a fundo perdido. «Até aqui, os apoios eram mais em termos de layoff e em linhas de crédito, mas linhas de crédito não são apoios a fundo perdido, representam endividamento para as empresas. Para muitas empresas, essa não era a solução, apesar de os empréstimos terem a garantia do Estado. Por exemplo, na Alemanha foi dada a cada empresa quase cerca de um milhão de euros a fundo perdido. Mas isto é compreensível, face ao estado das nossas finanças públicas».

Essa mudança de política económica, de acordo com o mesmo, vai representar um aumento da percentagem em termos de PIB. Por outro lado, Mira Amaral acredita que a máquina pública já tem experiência no que diz respeito à atribuição de apoios, depois de ter passado pela primeira vaga. «Espero que, desta vez, sejam mais rápidos a atuar, porque os empresários sempre se queixaram da lentidão dos apoios na primeira fase. Diziam que não só eram insuficientes como chegavam tarde».

Estamos perante uma ‘bomba-relógio’? O economista admite que sim, porque representa mais despesa e menos receita. «Com esta equação, o défice vai ser maior, a dívida pública, se calhar, vai ser maior do que tinha sido previsto, e é, portanto, uma situação complicada». Mas lembra que Portugal não é um caso isolado. «Admito que alguns estejam como nós, mas há outros que estão em melhores condições em termos de finanças públicas. O certo é que, no nosso caso, fomos apanhados numa situação muito frágil».

Mira Amaral rejeita, no entanto, a ideia de dar dinheiro diretamente aos portugueses como uma forma de resolver o problema, garantindo que Portugal não tem essa capacidade. «Os Estados Unidos conseguem emitir dívida e não têm problemas; nós já teremos de ter outro cuidado. Até percebo a prudência que tem sido tida pelo Governo nesta matéria. Ainda assim, o apoio do layoff, quando é pago o salário aos trabalhadores a 100%, não é mau. É generoso», diz, recordando, no entanto, que essa medida é financiada pelo programa europeu SURE. «A bazuca, aqui, não tem qualquer responsabilidade, pois só se destina a dar apoios à economia e ao investimento público, não é para apoios diretos para as finanças públicas».

Quanto ao resultado das eleições presidenciais, Mira Amaral diz apenas: «Só posso citar as palavras de Rui Rio: espero que o Presidente atue com rigor em relação ao Governo».

 

João Duque
‘João Leão deve achar que é campeão da poupança’

Apesar de ninguém saber o que vai acontecer, João Duque garante que «2021 vai ser melhor do que 2020» e, como tal, vamos assistir a algum crescimento económico que, apesar de admitir que não será muito elevado, representa um aumento. «Acredito que vamos ter um primeiro trimestre mau e que será pior do que o primeiro trimestre do ano anterior, mas vamos ter um segundo trimestre melhor do que o segundo trimestre de 2020».

E dá uma justificação: «Vários países terão implementado o plano de vacinação, e este é muito importante porque vai permitir que as pessoas possam mover-se com mais liberdade, possam desfrutar da restauração e possam voltar a consumir». «Até junho, tudo se resolve», acredita. E por isso mesmo mostra-se otimista em relação a este verão. «Acho que vai ser um verão muitíssimo melhor do que o ano anterior. Não sei se Portugal vai conseguir executar um plano de vacinação que seja muito completo e abrangente para nos leve a chegar a tempo em outubro em termos a população praticamente vacinada».

Mas apesar deste cenário positivo, João Duque aponta para um crescimento anémico este ano: entre 2 a 3% «por causa da pancada do primeiro trimestre».

Em relação aos apoios dados aos setores mais afetados e ao próprio desenvolvimento da economia, o economista não tem dúvidas: «Podíamos ter ido mais além» e garante que isso só não aconteceu porque o Ministro das Finanças cortou na execução orçamental. «Podíamos ter dado outro tipo de apoios que não foram feitos porque João Leão deve achar que é campeão da poupança».

João Duque que, numa entrevista ao i, afirmou que Mário Centeno «era uma mão de vaca», quando questionado se isso é o que caracteriza João Leão, o economista diz apenas: ««Mário Centeno era mão de vaca em tempos de crescimento, mas este ministro é um louco. Teve uma autorização dada pelo Parlamento para ter um défice de 13 mil milhões e apresentou apenas 10 mil milhões, então isso significa que há três mil milhões que não gastou. Ou seja, consegue apresentar uma execução orçamental em que não gasta a despesa que está prevista nem a despesa de capital».

Uma situação que, no seu entender, é considerada ‘inacreditável’, o que o leva a garantir que «os parceiros de coligação deviam perguntar claramente ao Governo como é que isso acontece».

E foi mais longe: «Ninguém lhes pediu para serem tão bons. Se eles gastassem mais mil milhões de euros em investimento e mais mil milhões em aquisição de bens e serviços tinham seria o ideal e teriam espaço para gastar isso», acrescentando que «nem estou a dizer que gastassem os 13 mil milhões todos, mas podiam gastar mais. porque dois mil milhões de euros a mais injetados na economia teria um efeito mitigador maior até no PIB e gerava até mais receita. Era só preciso gastar mais. E quem lhes deu autorização para fazer isso deviam agora estar em cima deles a pedir contas sobre a execução».