Os cheques em branco…

A epidemia realçou, de facto, não apenas as insuficiências e fragilidades do SNS – já conhecidas antes de declarada a crise sanitária -, mas, principalmente, a incapacidade do governo para planificar respostas a montante, prevenindo as consequências de um vírus de contágio rápido.

Descontadas as presidenciais, com o desfecho que se previa, o país está encalhado por culpa de uma navegação errática, sem que o governo seja capaz de ‘segurar o barco’, para além dos remendos de ocasião destinados a proteger a sua sobrevivência política.

As eleições confirmaram a barafunda, quer no voto antecipado – sem que o Ministério da Administração Interna providenciasse as condições suficientes para evitar filas gigantescas –, quer no boletim de voto, que ficará para a história com a inclusão de um candidato-fantasma. Vergonhosa irresponsabilidade. 

A desorientação já não é escamoteável. E a má gestão da pandemia, pôs a nu o improviso e a incompetência que nos “saíram na rifa”, com consequências trágicas em óbitos e novos infetados, colocando o país na sinistra liderança do ranking dos piores do mundo.

Com o caos instalado no sistema de saúde, sem que se anteveja uma saída para travar o desastre, vive-se uma dramática incerteza em cenário de catástrofe. Marcelo Rebelo de Sousa fez bem em eleger a pandemia como a prioridade da sua ação enquanto Presidente reeleito.

A epidemia realçou, de facto, não apenas as insuficiências e fragilidades do SNS – já conhecidas antes de declarada a crise sanitária -, mas, principalmente, a incapacidade do governo para planificar respostas a montante, prevenindo as consequências de um vírus de contágio rápido.

O ‘milagre’ foi ‘sol de pouca dura’. Em curtos meses, subimos a um pódio nada invejável.
Impossibilitado de maquilhar o desaire, o Governo socialista falhou com estrondo, como antes já falhara, em diferentes circunstâncias, quando António Guterres se apressou a fugir do pântano e José Sócrates nos precipitou nele. 

As esquerdas falharam e não há nada que absolva esse fracasso, por muitos ‘fascismos’ que convoquem para mascarar a dramática experiência que está a ser vivida. 

António Costa foi capaz de engendrar um plano para ganhar o partido, e foi ainda o bem-sucedido criador da ‘geringonça’, mas as suas habilidades ficaram por aí. 

Mal rodeado e sem ‘nervo’ para desenhar e impor uma estratégia, é um primeiro-ministro acossado, que soçobrou como timoneiro diante da tempestade sanitária. 

Doravante e com a má fama que se nos colou a pele, os turistas vão tardar, a economia continuará a afundar-se, enquanto se impingem histórias de hidrogénio, ou de lítio, para encobrir negociatas e decisões sem nexo.

Neste contexto, o segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa não poderá repetir a receita das selfies e dos afetos, por muito que lhe custe.

O Presidente reeleito precisará de costurar, a partir de Belém, a confiança abalada dos portugueses, a quem esta nova crise trouxe desalento, desemprego, incerteza, e milhares de vítimas como não há memória.

No primeiro mandato, Marcelo convenceu-se – ou achou melhor parecer convencido – de que a sociedade portuguesa estava crispada, urgindo ‘libertá-la’ dos demónios da austeridade, apregoados por António Costa.

Para dar corpo a esta ideia, fingiu não perceber que, por detrás de sucessivos Orçamentos de Estado aprovados pela ‘geringonça’, estavam as cativações de Mário Centeno – em particular, no setor da saúde – e a falta de investimento público. 

Como fingiu não ter percebido que a demagogia das 35 horas na função pública, em especial nos hospitais do SNS, teria de acarretar mais despesa, sem trazer o menor benefício aos serviços.
Neste segundo ciclo presidencial, Marcelo não poderá comprometer-se com agendas que não são as suas, a começar pela lei da eutanásia, que o bom senso deveria ter adiado, quando as taxas de mortalidade por covid-19 nunca foram tão altas.

Marcelo não poderá ser refém das esquerdas, em troca destas não o maçarem, como não poderá ficar, também, cativo da sua popularidade, desdobrando-se diante de câmaras e de microfones, como se estes fossem vitais para a sua afirmação politica. E não são.

Marcelo precisará de poupar-se para intervir somente quando for estritamente necessário, usando da influência da palavra, sem cair na banalidade.

O país carece de um Presidente que seja um verdadeiro árbitro, acima dos partidos, longe de ser o ‘pronto-socorro’ do Governo, ou cúmplice de António Costa nos seus momentos de aflição.

Se em março de 2016, Marcelo avisou António Costa que «nenhum Presidente da República passa cheques em branco a nenhum Governo», agora repetiu a mesma ideia de outro modo, dizendo ter «a exata consciência de que a confiança agora renovada é tudo menos um cheque em branco».

Oxalá seja assim, porque a estabilidade não é um valor absoluto, se isso significar abdicação. Exige-se a Marcelo, neste segundo fôlego, que seja um fiel da balança e não um atrelado do governo. De contrário, todos perdemos. Ser português não pode ser uma fatalidade – nem uma má sina…