“Isto é trabalhar para a destruição do partido”

Ribeiro e Castro quebra o silêncio e pede lealdade interna. Nuno Melo abre a porta de saída a Rodrigues dos Santos, que vai avaliar se vale a pena continuar. Vem aí Conselho Nacional.

Bastaram três dias para o CDS entrar em crise e sem certezas sobre qual será o caminho de futuro e no curto prazo. O antigo líder do CDS José Ribeiro e Castro alerta que já assistiu a esta história no partido: «É a repetição de um filme que já sucedeu várias vezes no CDS. É um grupo de pessoas que está empenhado em criar dificuldades à direção, mantém guerrilha permanente e, portanto, isso obviamente provoca efeitos e mossa e o eco público disso é negativo», afirmou ao Nascer do SOL.  Mais: a situação no partido pode deixar o CDS sem interlocutor junto do PSD nesta fase crucial de preparação das autárquicas. Resultado? «Isto é trabalhar para a destruição do CDS», defendeu o antigo dirigente centrista e ex-eurodeputado.

O primeiro sinal de crise surgiu com um artigo de opinião de Adolfo Mesquita Nunes (no Observador), a alertar que está em causa a sobrevivência do CDS. Foi aí que lançou o desafio ao líder, Francisco Rodrigues dos Santos, para convocar um conselho nacional e marcar um congresso eletivo em modo à distância, mesmo em tempos de pandemia. 

O antigo vice-presidente de Assunção Cristas está disposto a ir a jogo e viu o rescaldo das presidenciais como o momento do tudo ou nada. Caso contrário, diz, não haverá muito que recuperar, se o partido esperar até às eleições autárquicas. 

Os dados estavam lançados. Mas ainda haveria outro ponto que precipitaria a crise interna: a demissão de Filipe Lobo d’Ávila da comissão executiva. Que rebentou com estroindo no partido: se um artigo de opinião poderia servir para a direção se queixar dos críticos, a saída do primeiro vice-presidente mais dois elementos da comissão executiva (Raúl Almeida e Isabel Menéres Campos) são baixas de vulto.

Baixas e perda de apoios

Afinal, Filipe Lobo d’Ávila era (e é) o rosto principal do  movimento Juntos pelo Futuro. Que teve 14,5 por cento dos votos na reunião-magna dos centristas há um ano. Foi, aliás, decisivo para que Rodrigues dos Santos chegasse a líder do partido. Ou seja, o presidente democrata-cristão acabara de perder uma base crucial de apoio. Pelo caminho, o líder do CDS antecipou a reunião da comissão política nacional e teve mais baixas, todas conotadas com o mesmo movimento: Paulo Cunha de Almeida e José Carmo.

Além disso, saíram também José Maria Seabra Duque e Tiago Leite do gabinete de estudos. 

O movimento Juntos pelo Futuro já reuniu, entretanto, e decidiu preparar um livro, com base na moção de Filipe Lobo d’Ávila, para servir de acervo à direita democrática (em particular ao CDS) e «sobre a urgência em ocupar a direita social em Portugal». 

A referência à direita social é, de facto, o ponto de partida, até porque entre os centristas que estiveram com Filipe Lobo d’Ávila recorda-se que Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente recém-eleito, assumiu -se como um rosto da direita social. Ou seja, inspirado na doutrina social que também serve de base à democracia cristã. E já há elementos a trabalhar no livro: João Casanova de Almeida, João Pedro Simões Dias, José Seabra Duque, Raúl Almeida, , Filipe Lobo d’Ávila, José Pedro Anacoreta Correia.

Ora, Lobo d’Ávila saiu da direção e escreveu um carta ao líder onde lembra que o CDS tornou-se quase irrelevante: «Infelizmente, e por muito que me custe dizê-lo, o CDS de hoje não risca».  E reconheceu que tentou ajudar mas não consegue mais. 

Neste puzzle, Nuno Melo, eurodeputado do CDS, começou por dizer, em entrevista à RR e ao Público, que Francisco Rodrigues dos Santos poderia cumprir o mandato, mas assumiu-se disponível para avançar em 2022, no próximo congresso estatutário. E terá dito o mesmo na comissão executiva em que Filipe Lobo d’Ávila bateu com a porta. Ora, vinte e quatro horas depois, em entrevista à TVI24, o eurodeputado considerou que Francisco Rodrigues dos Santos «deixou de ter condições» para continuar. E até achou uma «boa notícia» a intenção de Mesquita Nunes em querer avançar se houver um congresso de clarificação.

Congresso extraordinário

De realçar que a palavra clarificação foi pedida na comissão executiva, designadamente, por Raúl Almeida, um dos vogais demissionários.  De facto, a equipa que apoiou Lobo d’Ávila há um ano considera importante haver debate e reflexão no partido, independentemente de quem o liderar. 

Nesta contenda, há ainda outro dado a reter:  estão em curso movimentações para fazer regressar Manuel Monteiro, antigo líder do CDS, à liderança do partido. 

Perante o atual quadro do partido, Nuno Magalhães, ex-líder parlamentar, disse ao Nascer do SOL que «é desejável» um congresso extraordinário, «tendo em atenção» a demissão de Filipe Lobo d’Ávila e dos elementos do seu movimento que teve uma votação «com algum impacto» no último congresso.«Seria bom para todos, para o partido, que de uma forma serena pudesse ponderar, refletir, pensar, até para unir e legitimar», independentemente da opinião que cada um possa ter sobre os candidatos, advogou o ex-deputado ao Nascer do SOL. Em suma, «seria positivo» para o CDS uma «clarificação» para agregar e preparar o próximo embate eleitoral. Que são as eleições autárquicas.

Adolfo Mesquita Nunes será o nome indicado para agregar o CDS? Na resposta, Nuno Magalhães realçou a inteligência e bom senso do antigo secretário de Estado do Turismo. «Agora, mais do que estar a discutir já este ou aquele nome, acho que é importante que o partido tenha consciência disto: será errado negar que não existem problemas, porque isso revela distanciamento da realidade», insistiu Nuno Magalhães, pedindo debate e reflexão «sem trincheiras, sem condicionais», com o objetivo de unir o partido. «Divisões é o que existe mais no CDS», concluiu Nuno Magalhães.

Ora, na reunião da comissão política nacional, Francisco Rodrigues dos Santos, deu sinais de resistência, porque só em janeiro de 2022 se fará o balanço da sua liderança, dando a entender que não tem vontade de convocar um congresso extraordinário. Contudo, haverá conselho nacional, mas não é líquido que uma reunião-magna extraordinária seja aprovada. Para já, o presidente centrista está em reflexão até segunda-feira e deixou um desabafo de cansaço: «Pergunto-me se valerá a pena». Certo é que, na bancada de cinco deputados, João Almeida quer uma reflexão e não será candidato e Ana Rita Bessa já sinalizou um apoio a Adolfo Mesquita Nunes. Também o  deputado João Gonçalves Pereira escreveu no Facebook: «Ainda vamos a tempo», replicando a frase de Mesquita Nunes no artigo que tudo espoletou.

Já Ribeiro e Castro, antigo líder do CDS, coloca-se ao lado de Rodrigues dos Santos, pedindo o cumprimento dos mandatos e lealdade: «É muito difícil lutar pela sobrevivência quando se luta pela destruição».