As presidenciais da mudança

Nestas eleições, as intervenções públicas de Francisco Rodrigues dos Santos e de Rui Río foram absolutamente desnecessárias e até mesmo estranhas. 

Por Judite de Sousa

As eleições presidenciais de domingo permitiram tirar uma conclusão: mudança. A esquerda e a direita não ficaram iguais a partir da noite de domingo. Ambas saíram perdedoras. Explico porquê.

Começando por João Ferreira. O eurodeputado fez a melhor campanha de todas. O seu desempenho televisivo esteve sempre num bom nível. No entanto, o voto PCP, como os factos o têm demonstrado, está em declínio há vários anos e os resultados dos últimos atos eleitorais são a prova disso mesmo. O PCP vai ter que pensar seriamente como é que em bastiões comunistas do Alentejo, Beja, por exemplo, João Ferreira fica atrás de André Ventura. 

Marisa Matias foi a grande surpresa da noite pela negativa. O bloco não avaliou o impacto que a candidatura de Ana Gomes e avançou como se a realidade destas eleições fosse comparável à de há cinco anos. Marisa Matias foi generosa na campanha, voluntarista, frágil em vários momentos televisivos mas acabou por obter um resultado humilhante para aquelas que seriam as suas expectativas. 

Ana Gomes nem sai bem nem mal destas eleições. Marcou presença e pouco mais do que isso. Nunca se percebeu ao que vinha, não compreendeu que o eleitorado socialista iria votar Marcelo, que a eleição presidencial nada tem de partidário nem de ideológico. Ana Gomes representou o voto útil, terá ido buscar votos a Marisa Matias mas ficou aquém do seu principal objetivo: forçar uma segunda volta. 

Tiago Mayan Gonçalves da Iniciativa Liberal cumpriu. Praticamente desconhecido dos Portugueses, não se esperava um resultado diferente do que obteve. Marcou uma posição, passou bem a mensagem, foi claro. Para um estreante de um partido que surgiu há muito pouco tempo, não seria de esperar mais. 

André Ventura foi a surpresa da noite. Mal amado pela classe política e mediática, os cerca de dez por cento de votos impõem daqui em diante um outro olhar sobre a direita radical. Uma das perguntas que resulta do passado domingo é a seguinte: quem votou em Ventura. Dizer-se que ele reuniu o voto de protesto é não querer ver a frieza dos números. E eles são eloquentes. Ventura veio modificar o xadrez partidário, introduzir uma linha antissistema e modificar vincadamente a relação de forças no campo da direita moderada. Mais tarde do que noutros países, o populismo chegou a Portugal e não foi pela porta pequena. 

Nestas eleições, as intervenções públicas de Francisco Rodrigues dos Santos e de Rui Río foram absolutamente desnecessárias e até mesmo estranhas. O presidente do CDS mostrou que não entendeu nada do que aconteceu. Colou-se sem propósito algum à vitória de Marcelo. Foi um dos momentos patéticos da noite. Já o mesmo se passou com Rui Rui que procurou evidenciar a linhagem partidária de Marcelo e obter ganhos próprios. Não esteve bem. 

Finalmente, o vencedor. Pouco há a dizer. A vitória à primeira volta era mais do que esperada. E é uma vitória só dele. O palco foi do candidato presidente. Correu em pista própria. Venceu. E percebeu que os portugueses querem um presidente menos cooperante com o governo mas mais exigente. Veremos.