Covid-19 e a tentação de fugir às regras

Cada vez há mais estabelecimentos – até de ensino – a não cumprir as regras de encerramento impostas pelo Governo. Mas também há bons exemplos. Saiba como alguns colégios têm superado a interrupção letiva.

Colégios privados a dar aulas presenciais, restaurantes, cafés e bares abertos ao público, e até infetados com covid-19 que saem à rua e põem em causa a saúde de todos. Em tempos de confinamento geral, é este o cenário vivido com cada vez mais frequência. Mas o que leva um estabelecimento de ensino a abrir portas para a realização de exames quando essa medida é proibida pelo Governo?  O que aconteceu, na semana passada, em Cascais, é um desses exemplos: a PSP foi chamada ao Colégio St. Dominics, em São Domingos de Rana, e mais de 40 alunos, preparados para fazer uma prova de avaliação final, foram obrigados a ir para casa. Em jeito de explicação, o sociólogo Elísio Estanque sublinha ao Nascer do SOL que «cada caso é um caso», mas admite que, apesar de já ter passado quase um ano desde o início da pandemia em Portugal, a consciência para o perigo é sempre diferente de pessoa para pessoa.

«Nem toda a gente tem a mesma consciência dos riscos que corre. O_nível de consciência da informação que circula todos os dias sobre a covid-19 varia muito. O negacionismo também anda por aí misturado com essa inconsciência toda. As pessoas só percebem que isto é uma calamidade quando o perigo se aproxima. Quando não acontece, empurra-se um bocado com a barriga», começa por dizer. O facto de as pessoas não conseguirem encontrar «um horizonte» que ofereça «alguma segurança» é outra das razões que levam ao incumprimento.

«Estamos a passar por uma fase complicada em todos os aspetos, onde há muitas irritações. Há uma sensação de esgotamento e de saturação. E as pessoas tentam resistir e manter a vida minimamente funcional», alerta. No caso da restauração, realça que o fator económico é um dos pontos mais sensíveis.

«É evidente que há um risco grande de falência em massa de pequenas empresas. Não há garantias de que os apoios do Estado possam ser suficientes para aguentar todas essas situações, por isso é natural que, em alguns setores, as pessoas procurem outras formas para minimizar os custos que são enormes. A tentativa de contornar as diretrizes do Governo passa muito por isto», atira, deixando ainda claro que «os portugueses têm uma tendência de muita proximidade nas relações quotidianas» que também pode dificultar o objetivo de travar o contágio da covid-19.

 

Autoridades não perdoam

Com os números de infetados e mortes a aumentar de dia para dia, as autoridades policiais têm sido cada vez menos pedagógicas na abordagem às pessoas nas ruas. Em apenas seis dias – entre 23 e 28 de janeiro –, a GNR_deteve seis pessoas e emitiu 658 autos de contraordenação por incumprimento das medidas de confinamento obrigatório definidas pelo estado de emergência. Nesse sentido, o agente da PSP_Jorge Rufino, vice-presidente da Organização Sindical dos Polícias (OSP), reforça ao Nascer do SOL que neste momento «a tolerância deve ser zero».

No distrito de Aveiro, por exemplo, a PSP tem recebido dezenas de denúncias diárias de estabelecimentos que continuam abertos e violam constantemente as regras impostas. «Têm de arcar com as consequências necessárias», diz o agente.

 

Exemplo para controlar a proibição

Como forma de reduzir o impacto que pode ter nas crianças o facto de o Governo ter proibido qualquer tipo de atividade letiva até ao próximo dia 8 de fevereiro, há colégios privados que não esqueceram os seus alunos e estão a acompanhá-los através da internet, até para ajudar também aqueles pais que estão em teletrabalho. Ao Nascer do SOL, a psicóloga Rita Jonet salienta que não se encontra em incumprimento de qualquer regra, mas sim a dar aulas de apoio aos alunos de forma facultativa.

«Estou a dar apoio num colégio de ensino básico, do primeiro ao quarto ano. É mesmo muito difícil pararmos. Só quem não está a trabalhar com as crianças é que pode pensar nessa solução. Claro que tínhamos de ir para casa, mas não podíamos parar o processo de maneira alguma. Eles tinham parado no Natal e, nestas idades, demoram sempre 15 dias a ter ritmo e a começar a ter as regras de sala de aula e a entrar nas exigências académicas. Se parássemos mais 15 dias íamos voltar imenso atrás. Às vezes, as pessoas não percebem que, nesta fase, tudo demora mais tempo, até na parte emocional. Os alunos estão mais ansiosos e têm mais dificuldade em se concentrar», relata, deixando claro que não é lecionada matéria disciplinar nova, mas que se trata de aprendizagens para as crianças não esquecerem as aulas.

«É um apoio escolar, mas é evidente que muitas vezes estamos a falar do Super Mário e da letra M, e eles podem não ter dado nas aulas a letra M e nós falamos sobre isso na mesma. Não podemos ser tão rígidos nesse sentido. Vamos ao encontro daquilo que eles falam. Quando há uma criança que não está, porque é facultativo, nós temos é que fazer esse registo se falarmos com os outros sobre alguma coisa nova para ninguém ficar prejudicado. Mas o que estamos a fazer é um apoio e consolidação de aprendizagens no tempo letivo», salienta.

No caso das crianças, é ainda mais importante manter-lhes a cabeça ocupada sem estarem concentrados apenas nos jogos de computador ou na televisão o dia todo, diz Rita Jonet. E é nesse sentido que a psicóloga realça a importância de trabalhar com os alunos nesta altura que devia ser de aulas.

«Muitas vezes só estamos online com eles para conversar. Só o facto de eles estarem ali connosco online, a conversar durante uma manhã, enquanto os pais trabalham, já é bom para que estejam uns com os outros através da internet», concluiu.