André Ventura: “Não é com o exemplo da vacinação que se combate o populismo”

André Ventura reconhece os excessos da campanha eleitoral, mas acredita que o Chega vai crescer até aos 15% nas próximas legislativas.

A entrevista com o líder do Chega foi feita antes de Ana Gomes ter entregue na Procuradoria-Geral da República o requerimento para reapreciação da legalidade do partido liderado por André Ventura – que mereceu deste o repúdio público e a afirmação de que «Ana Gomes saiu do MRPP, mas o MRPP não saiu de Ana Gomes». E antes também de Ventura ter viajado para os Açores, onde recebeu de José Manuel Bolieiro (presidente do Governo Regional e líder do PSD local) a garantia de que será criado o gabinete contra a corrupção, não existirão nomeações de familiares nem haverá qualquer cerco sanitário contra o Chega no arquipélago. Ao Nascer do SOL, André Ventura disse ainda que vai haver «uma plataforma de diálogo permanente entre o PSD-Açores» e o seu partido.

O  processo da vacinação deixa muitas dúvidas.

Temos vários casos de pessoas jovens até sem historial de problemas de saúde que estão a ter problemas com covid-19. O que acho é que quem de nós não quereria estar imune ao vírus? Qualquer um de nós. Todos queremos. Agora, eu tenho 38 anos. Muitos colegas meus, como a Joacine [Katar Moreira], têm a minha idade, não têm nenhum problema de saúde associado, que eu saiba, sempre se insurgiram contra as batotas políticas, sempre estiveram ao lado das minorias que sofrem mais, vá ser vacinado prioritariamente à covid-19? É uma tremenda hipocrisia. Há uma deputada socialista com 32 anos que vai ser vacinada. Isto não cabe na cabeça de ninguém. Eu não me sentia bem com a minha consciência a passar à frente das outras pessoas. O Presidente da República compreendo porque, para começar, é um cargo unipessoal e segundo porque está em fatores de risco relacionados com a idade. Acho que uma coisa é isso, outra é vacinar os políticos todos prioritariamente. Acho que não faz sentido e acho que, sobretudo, passa uma má imagem às pessoas quando não tivemos ainda bombeiros vacinados, polícias… os que estão na linha da frente.

Os ministros não deviam ser vacinados?

Não. Só ministros que estivessem em situações de risco. Na vacinação também passamos um sinal à sociedade. E o sinal que estamos aqui a passar é que se for político é mais importante que os outros e, portanto, é vacinado. Estou a excluir aqui o Presidente da República e o presidente da Assembleia que são as duas primeiras figuras do Estado que, primeiro a sua situação pessoal já é de risco – no caso da Assembleia penso que até é bastante de risco. Agora, um ministro que tenha 38 anos ou 40 anos tem que ser vacinado à frente dos outros porquê? Pode contrair covid? Pode. Para isso tínhamos vacinado os candidatos presidenciais que andaram na rua no meio de centenas de pessoas. Eu não fui vacinado contra a covid-19. A Ana Gomes, que eu saiba, também não (a não ser que a vacina tenha vindo de França e ninguém sabe). O João Ferreira também não, a Marisa Matias também não. E andámos no meio de centenas de pessoas, falámos com não sei quantas pessoas. Era muito mais risco do que ser ministro, estar ali sentado no Ministério.  Agora, o que temos visto é de uma imoralidade tremenda. Aqui há vacina a mais no INEM? Então o que é que fazemos? Damos aos amigos da pastelaria ali do canto. Ministros, deputados, presidentes de câmara. Qual é a ideia que passa lá para fora? Que é para os amigalhaços, é para os políticos. Depois querem que as pessoas vão votar. É a pior imagem que passamos. Se nós queremos combater o populismo a sério, é não dar estes exemplos. É vacinar quem tem que ser vacinado. Nunca me oporia a que me dissessem que o António Filipe do PCP é um moralista de primeira e vai ser vacinado. Eu não me oponho. Tem a idade que tem. Eventualmente terá condições clínicas para isso. Não me oponho. Agora, a Maria Bagonha? Que tem 32 anos? Que se saiba não tem nenhum problema clínico e vai ser vacinada à frente de alguém que está num lar e que a qualquer momento pode apanhar covid e morrer uma semana depois ou duas semanas depois? É isto que faz as pessoas afastarem-se de política e eu acho errado.

Falemos de eleições: o que pretende fazer com os quase 500 mil votos conquistados?

Pretendo subi-los, porque mesmo assim, como é sabido, não fiquei contente com o resultado. Acho que conseguimos chegar aos 15% nas legislativas. É uma meta muito ambiciosa. Na minha direção e nos meus circulos próximos dizem-me sempre todos que cometo um grande erro que é estar sempre a pôr metas muito altas e, portanto, nunca celebramos. E é verdade, acaba por ser este o problema. Numa circunstância normal o resultado da noite de domingo seria de uma festa tremenda. Não foi porque nós pusemos uma meta e eu sou de pôr metas, acho que os políticos têm que ser avaliados por metas. Portanto, pretendo subir estes votos, chegar aos 15% nas legislativas, obrigar a que não haja nenhum Governo de alternativa sem o Chega. E isto só os portugueses é que podem decidir. Por muito que o Dr. Rui Rio diga que não…

Nestes 500 mil votos há muitos votantes do PSD, do PC, CDS… Será natural que nas legislativas voltem aos seus partidos.

Não sei. Uma coisa que os estudos nos trazem de interessante foi que o eleitorado que tive nas legislativas manteve-se fiel para as presidenciais. Subimos muito mas aquele manteve-se. Nos nossos bastiões: Alentejo e Lisboa. No norte tivemos uma votação residual em 2019, agora não tivemos residual. Ficámos em terceiro, é preciso ter a noção da escala. Admito perder uma percentagem que vota no PSD tradicionalmente mas também perceber que não haverá alternativa se não um Governo PSD-Chega – eu gostava que fosse Chega-PSD. Admito que as pessoas pensem ‘se estes dois vão ter que se entender, então eu vou votar naquele em que eu acredito mais e gosto mais e me revejo mais’. Portanto, muito desse voto pode manter-se fiel a nós. E até acredito que conseguimos subir três pontos percentuais nas Legislativas até aos 15%. Se tivermos 15% será histórico. Nunca um partido de coligação em Portugal teve 13%.

O Chega é contra o sistema. Estamos a partir de um acordo com o sistema.

Não é um acordo. Eu queria ter maioria absoluta. Mas os números são o que são. Não sou irrealista. Não sou o PC, que vejo sempre uma vitória em todo o lado. Podia dizer que nós é maioria absoluta e mais nada. É fácil dizer mas nós sabemos que não é assim. Os Açores já mostraram que não é assim, a vida política mostra que não é assim. O que  espero do antissistema? Paulo Portas disse isso: ‘Pela primeira vez temos um populista antissistema com dois dígitos em Portugal’. Nós temos aqui uma oportunidade única que é por um antissistema, de facto, no Governo. Obrigar a mudanças radicais. E isso só as pessoas é que podem fazer. Quando eu digo mudanças radicais é o quê? As pessoas já sabem que eu nunca irei para o Governo se não houver aqueles três acordos. Estou em crer que o PSD, entre a espada e a parede, se tiver de escolher entre não ir para o Governo ou ir com estas medidas, vai aceitar fazer algumas destas coisas.

Foram muitos os que disseram… o próprio Rui Rio excluiu o Chega. Como é que vamos admitir que  Rui Rio, hipoteticamente, diria sim ao Chega?

O que ouvi no mesmo dia foi o Rui Rio a dizer que não ao Chega, o Francisco Rodrigues dos Santos a dizer que temos que falar depois das eleições legislativas… Estão a afastar-nos. É um favor que fazem ao António Costa. Mas nós já sabemos como é que isto funciona. O Durão Barroso nunca se ia coligar com Paulo Portas e sabemos o que é que aconteceu quando o Paulo Portas teve aquele célebre resultado do CDS. Acho que o Rui Rio pode dizer o que entender neste momento. Não está nas mãos dele, na verdade. Está nas mãos dos portugueses. Vamos pôr em cenário, se o PSD tiver 23% ou 24% como as sondagens lhes dão e nós tivermos 15%… Qual é a outra hipótese? É PS-PSD?

Há uma coisa engraçada nesse discurso. Percebe-se que, primeiro temos umas eleições autárquicas e que não há nenhum ênfase para essas eleições autárquicas mas vou fazer a seguinte pergunta: é ou não é verdade que os deserdados do PS, PSD e CDS estão a entrar no Chega?

É, é verdade. E não só, do PCP também. Sei que o PCP não gosta de ouvir isto mas é a verdade. Um dia vamos fazê-lo: um estudo profundo de quem são os nossos militantes e dirigentes no Alentejo. Estamos a receber muito pessoas que não votavam, abstencionistas, pessoas que estavam desagradadas com a política há várias décadas mas também é preciso admitir que estamos a receber muitos militantes e dirigentes que estavam descontentes com estes partidos e que não encontraram aí o caminho que acham que estes caminhos deviam ter seguido.

Como vai fazer uma avaliação dessas pessoas?

É o nosso maior desafio. Estamos a montar uma equipa enorme agora neste momento. Vamos ter, provavelmente, três convenções autárquicas do Chega. Nestas condições vamos não só sensibilizar para a necessidade de termos candidatos mas também para filtrar esses candidatos e para garantir que o Chega não vai ter os mesmos problemas que tiveram os outros partidos todos, com candidatos bandidos, candidatos acusados disto e daquilo, condenados, pessoas de mau caráter. Agora, se me perguntar se é possível ter 100% de segurança daquilo que vamos fazer? Tanto quanto me disseram na última reunião são cerca de 15 mil pessoas que vamos ter que ter nas nossas listas. É uma brutalidade. Impossível ter 100% de controlo. O que é que eu espero? Primeiro, registo criminal que vamos pedir a todos os candidatos para garantir que não há bandidagem condenada a entrar no Chega por crimes graves, corrupção, tráficos… e vamos ter um plano de formação autárquica que eu espero que os meus autarcas que vão ser muitos – à distância que estamos toda a gente já sabe que vão haver deputados municipais e vereadores do Chega. Isto significa que temos uma grande responsabilidade que é garantir que estas pessoas vão ser melhores que os outros. Se consigo ou não? Vamos ver. Agora achei muita graça o PSD dizer que não há acordo nenhum.

Acredita que vão ganhar alguma câmara?

No Alentejo, pelos números que tivemos, penso que é possível ganhar alguma câmara. Houve freguesias em que ganhámos, houve concelhos em que estivemos perto com 30 e tal por cento. Há uns em que se não ganharmos a câmara vamos colocar vereadores certamente. Aqui à volta de Lisboa. Em Lisboa espero que tenhamos um excelente resultado. 25% dos nossos votos no país todo foram no distrito de Lisboa. Isto significa que em termos de número de deputados para legislativas ou vereadores e deputados municipais para autárquicas, vamos ter muita gente a votar no Chega na Amadora, em Loures, Sintra, Lisboa, Cascais… Isto vai mudar completamente o panorama da direita aqui à volta. Quando ouço os autarcas dizer para fazer um cordão sanitário à volta do Chega. O que é que isso vale? Vale zero. Se os nossos vereadores estiverem lá, eles ou votam connosco ou não votam. É muito simples. Não há cordão sanitário que resista a isto.

Muitos desses vereadores serão os tais deserdados dos outros partidos.

Muitos, sim. Como acontece nos Açores. Os nossos dois deputados regionais, um era dirigente do PSD da Lagoa e outro era dirigente do CDS. É normal que estas pessoas que se desanimaram com o PSD e com o CDS, outros com o PCP, encontrem agora no Chega a sua plataforma de combate. Já vimos isso noutros países e estamos a ver cá também. Chegou tarde mas chegou e acho que vai durar. Foi por isso que a maior parte dos dirigentes europeus de partidos antissistema perceberam o que é que estava a acontecer em Portugal na noite de domingo.

Não em segundo lugar nas eleições. Quais acha que foram os maiores erros?

Se calhar tive excesso de linguagem mas sou assim. Não sei fazer política de outra maneira. Mas cometo erros e assumi-os no último dia de campanha. Acho que alguma comunicação social fez o que eu nunca tinha visto acontecer em Portugal nas últimas décadas, honestamente. Dizem-me que não preciso de comunicação social, que temos redes sociais. Sabemos que isso não é assim. A comunicação social tem um peso muito grande e influencia muita gente. Dou um exemplo: Duas reportagens sobre o Chega quando não fizeram de mais nenhum outro candidato nem de mais nenhum outro partido. Acho miserável mas vale o que vale. No dia em que fui apedrejado em Setúbal, a preocupação da senhora da RTP era saber se ação da polícia tinha sido demasiado firme e proporcional. Nós tínhamos pessoas apedrejadas, seguranças apedrejados, veículo apedrejado,  dois assessores que tinham levado com coisas mas a preocupação da RTP era saber se ação da polícia tinha sido firme. Claro que os portugueses também percebem isto, cada vez mais. Se eu disser que muita imprensa contribuiu para que eu não ficasse em segundo, isso não há dúvida nenhuma. E por isso não posso deixar de criticar o que eu acho que é falta de objetividade. As pessoas não gostam de mim, não têm de gostar. Mas acho que quem acompanha uma campanha tem de fazer, pelo menos, a parte objetiva disso. E o que eu vi nas notícias era: ‘André Ventura foi a um sítio qualquer e foi recebido com protestos’, ‘Marisa Matias quis dar um abraço a uma desempregada’. ‘Ana Gomes foi a um canil e chamou animal ao André Ventura’ – esta parte não apareceu. ‘André Ventura insultou os adversários à noite’. Quer dizer, quando há estes dois pesos e duas medidas, é difícil.

Não deram destaque quando chamou bêbedo a Jerónimo de Sousa.

Só ouvi falar disso no dia a seguir. E os lábios. Até houve uma campanha dos lábios internacional que meteu ministros espanhóis. Ana Gomes chamou-me animal. Ninguém se chateou com isso. Comparou-me a Adolf Hitler e ninguém se importou com isso. As pessoas só se interessam quando é comigo.

No caso de Setúbal, escreveram que foi agredido com caixa de chicletes.

É mentira.

Não acha que a fuga repentina lhe tirou votos?

É possível mas sou humano. Sou o que sou. Às vezes respondo e não devia responder. Tenho seguranças mas sou humano também. Se me insultam, geralmente  não sou de ficar calado. Ali o que aconteceu foi que eu saí, as pessoas insultaram-me e saiu-me ‘o que é que querem? Vão trabalhar’. Saiu-me. E quando voltei estava a fazer a mesma coisa. De repente vejo pedras a virem na minha direção. Como qualquer ser humano naquelas circunstâncias, eu acho, fiquei com medo. Vejo a meterem-me a mão na cabeça, a baixarem-me, a minha reação natural foi fugir para trás e empurraram-me para dentro do carro. Não sou nenhum herói. Sou humano também, tenho medo. Esse é um ponto. O outro é que fui atacado por bandidos que não respeitam a democracia e poucos se preocuparam com isso. Isso é que era a questão naquele dia. Se um dia levar um tiro, o que vão dizer é que a pessoa que me deu o tiro tinha motivos para me dar o tiro.

Esse momento foi muito comparado com o do general Eanes em Évora , em 1976.

Ele é um herói e eu não. É essa a diferença.

É acusado de não estudar dossiês, preparar-se mal. Já fez as contas a quem tem RSI e qual é a percentagem de ciganos?

Não. Os números que nós temos é que são cerca de 4%, 3,8% no total do RSI correspondem a população cigana. Este número apresentado assim é enviesado porque o que me está a dizer é que, do universo do RSI, 4% são ciganos. O que nós nos devemos perguntar é quantos, da percentagem dos ciganos, têm RSI. Repare, a população cigana em Portugal é de 0,5% a 1%, mais ou menos. Já se tiveram 4% no RSI, já é quatro vezes mais que a população deles. Mas, a verdadeira questão que temos que perguntar é dentro da população do universo dos ciganos, quantos têm RSI. E aí vamos ter números, certamente, acima de 70%. E é isso que é preocupante.

Quando diz que são bandidos…

Os ciganos não são todos bandidos, atenção. Estou a falar dos ciganos que me atacaram em Setúbal. E aí eram bandidos.

Somos dos países mais seguros da Europa e do mundo. Por que insiste tanto na questão da segurança em relação aos ciganos?

Se compararmos as últimas campanhas eleitorais na Europa, tenho a certeza que nenhuma teve o que eu tive. Em todos os distritos onde fui houve manifestações com violência, com agressividade e com insultos. Em todos. Em Castelo Branco tentaram agredir-me, em Serpa tentaram entrar no teatro onde eu estava e foi uma sorte os seguranças e a polícia terem-se apercebido que alguém tentou entrar por trás e meteram o esqueleto atrás de mim. Estiveram a metros de mim. E se tivessem aberto a cortina não temos certeza do que podia ter acontecido. Em Setúbal tentaram apedrejar-me. Até no encerramento da campanha estavam à porta do hotel Marriott. Isto é país seguro? Este é que é o tal país seguro onde um candidato é apedrejado, atacado, insultado? O Vox não é tratado assim em Espanha e é um país com quatro vezes mais população que nós. Quando me dizem que é dos países mais seguros do mundo, pergunto-me onde. Sou ameaçado todos os dias de morte, todos! Todos os dias recebo mensagens a dizer que me vão matar a mim, à minha mulher, aos meus pais… todos os dias recebo ameaças no Parlamento, cartas escritas, assinadas. A dizer que vou ser morto, que o meu fim está próximo… Se isto é o país mais seguro do mundo eu não sei então o que será viver num país inseguro.

Os serviços de segurança dão credibilidade a essas ameaças?

Talvez não, não sei. Bem, durante a campanha deram. Tanto que na noite de encerramento e a partir de um determinado momento começaram a acompanhar-nos sempre e de forma, enfim, muito musculada, porque perceberam aquilo que o país inteiro já tinha percebido que um político na democracia nunca foi tão ameaçado como eu. Nunca.

Foi muito crítico da Festa do Ávante!. Acha que foi justo fazer um jantar para 180 pessoas em plena pandemia?

Acho que aquele jantar não nos correu bem. Já disse isso objetivamente e se fosse hoje não o fazia. Houve erros que cometemos, esse é um dos erros, não voltaria a fazer. Mas a minha crítica foi sempre esta: o PCP juntou 1200 pessoas num teatro e ninguém se indignou.

Qual foi o maior erro da campanha?

Houve vários. Queria ter metido temas na agenda e não consegui porque focava-me sempre muito nos mesmos temas. Houve outros que dei demasiado valor aos insultos dos meus adversários e não consegui pôr temas que queria meter na agenda como os pensionistas, o mundo rural… e muitas vezes fui acusado de passar uma campanha a tocar em temas…

Uma cassete.

Sim, mas muitas vezes isso não é verdade e os jornalistas que me acompanham sabem isso. Só que o que passa para fora é sempre a mesma coisa.

Em relação ao Alentejo, onde teve uma das maiores prestações percentuais e como está sempre a falar nos imigrantes, o que acha dos imigrantes que põem o Alentejo a funcionar? Produções agrícolas…

Na minha perspetiva nós temos que ter uma política de abertura e não de exclusão absoluta. O que acho é que temos de distinguir bem os que vêm para trabalhar, os que vêm para se integrar e os que vêm para viver de subsídios do Estado. Para isso já temos cá muitos, não precisamos de mais. Quem vem para trabalhar para indústrias cuja sazonalidade necessita de trabalhadores, nada contra. Até podemos ter – que é algo que eu acho razoável – uma política de imigração sazonal. Isto é, autorizações sazonais para presença em Portugal para este tipo de trabalho. Muitos desses trabalhos são sazonais.

Essas comunidades depois integram-se e têm outros negócios…

E quem vem para isso, quem estabelece negócios, quem investe, quem está em Portugal para trabalhar… nada contra. Nunca me viram dizer mal dos imigrantes que cá estão por dizer. Portugal já foi um país de imigrantes, hoje muito menos mas ainda somos. E acho que nós não podemos esquecer a história que temos e a memória. Agora, não é isso que temos com muita imigração afro descendente em Portugal e não é isso que temos com alguma imigração que está a chegar à Costa do Algarve vinda de países islâmicos. Nós não temos os problemas que França e Espanha têm e espero que nunca venhamos a ter mas não podemos é também dizer que não há neste momento nenhum problema de imigração no Algarve porque há. Estão a chegar e muitos deles, ao fim de dois dias, o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] não sabe onde é que muitos deles estão, ou a GNR não sabe onde é que eles estão.

Estamos a falar para aí de 100 pessoas.

Não sei quantos são mas é um problema porque quando começaram a chegar à Grécia também eram 100 ou 150. E depois começaram a ser mil, depois dois mil e hoje é um caos. Alguns deles estão em ilhas, em campos fechados e é uma situação sanitária de direitos humanos tremenda.

Em Portugal, há uns anos, tivemos a necessidade de legalizar muitos imigrantes porque não tínhamos quem descontasse para a Segurança Social. Como se resolve esse problema?

Aí é que está o problema. Nós não temos uma política de natalidade na Europa que funcione e então estamos a usar a migração. Isto vai ter consequências. Está a ter na Alemanha onde, aí sim, movimentos racistas e xenófobos estão a ganhar tremenda força por causa disso e a Alemanha não é propriamente um país que nós possamos olhar para história e dizer que está tudo bem e, portanto, foi a migração que provocou isto. Podemos dar as explicações sociológicas que quisermos. A Alemanha não está a empobrecer, não está com menos rendimentos… Como é que movimentos xenófobos estão a ganhar força no sul da Alemanha? Porque está um caos, está uma bandalheira, está tudo de qualquer maneira, as pessoas andam na rua à noite parece que estão no Bangladesh… claro que ficam revoltadas. E são racistas? Não são racistas. Estão é fartos de andar na rua e parece que estão no meio do Bangladesh.

Em Nova Iorque também tem todas as etnias.

Nova Iorque é por definição uma cidade cosmopolita. Não é assim noutras cidades norte-americanas. Nós estamos a correr o risco de perder a identidade europeia. Nós já temos cidades na Europa – Bruxelas é um exemplo mas temos outras – onde a presença islâmica está a ser um verdadeiro problema cultural e civilizacional não só para os direitos das mulheres mas para as questões de integração, religiosas, até estéticas. Acho é que temos que pôr um travão aí. A Europa não deve ser uma Europa fortaleza, devemos perceber que precisamos de emigração para trabalhar, precisamos de garantir uma sustentabilidade em termos de segurança social, mas temos que proteger ao mesmo tempo os que cá estão, temos que proteger a nossa identidade.

Mas acha que esses árabes que diz que estão em Bruxelas não trabalham?

Alguns viu-se que não, tanto que fizeram atentados gravíssimos há dois anos ou três. Alguns não trabalham, outros trabalham.

Quando fala contra a migração, muitos estão no Alentejo a trabalhar em condições desumanas e ninguém os defende.

E está a ver? Foi aí que tivemos maiores votações. Será que as pessoas são racistas, extremistas e xenófobas? Não. As pessoas querem é tudo no seu sítio. Querem tudo com regras, com valor. E o que temos hoje é a extrema esquerda a acusar-me de qualquer coisa que aconteça eu sou imediatamente racista.

Se eles estão a trabalhar e são, a maioria dos trabalhadores, do Alentejo…

Nada contra. Se estiverem a trabalhar, integrados a pagar impostos, contribui para o país e nada contra. Essa é a nossa diferença.

Também disse que teme que algum dia o Chega seja liderado por alguém racista, xenófobo e homofóbico. Disse que tem medo de estar a criar um monstro. Não há uma contradição quando diz que é preciso afastar a bandeira do ódio mas não acha que é a principal bandeira do ódio com esse discurso?

Acho que conseguimos, se tivermos um discurso antissistema forte, fora do politicamente correto, sem medo do politicamente correto, atraímos os portugueses de bem. Que é o que eu acho que está a acontecer. 12% numas presidenciais significa que votaram em nós pessoas de todos os partidos, todos os quadrantes, todas as faixas sociais, etárias, etc. Este é o discurso que é politicamente incorreto mas é assertivo e é firma. Outro é tornar o ódio, o racismo como discurso bandeira do partido, o que eu acho que não tenho feito. Se um dia isso acontecer deixará de ser o partido em que me revejo. Os portugueses não são racistas.

Com esta votação não teme que haja uma vontade desses setores…

Sim, vão ter hipótese agora de o fazer nas eleições daqui a um mês e meio. Vão ter hipótese de o fazer. Têm é que ganhar. Têm que ir a votos e ganhar. Se ganharem, o que é que posso fazer? Nada. O partido é feito pelos seus militantes e é feito por quem vota. Estou convencido que os militantes reconhecerão o que foi um trabalho feito de crescimento, sobretudo entre 2019 e 2021. Um crescimento de 1,29% para 12%. Se acharem que este não é o caminho certo, que podíamos ter tido mais em dois anos, que podíamos ter feito mais, votarão noutro candidato. Não sei se vou ter adversários ou não porque ainda não sabemos. Não está ainda aberta a luta eleitoral mas vai ser nos próximos dias aberta a possibilidade de se candidatarem. E eu não quero já lançar qualquer anátema sobre os meus possíveis adversários. O que quer dizer que os militantes têm que ter noção que este partido pode ser antissistema, pode ser politicamente incorreto, pode ser firme e assertivo sem ser um partido de disparates racistas e odiosos. Acho que se nos tornarmos uma espécie de movimento bandeira do disparate, só vamos perder com isso porque vamos perder o eleitorado que já estamos a conquistar moderado que está chateado com o regime. E eu quero manter esse eleitorado moderado mas que está chateado com o sistema em vez de o perder. Agora os militantes é que decidirão o que querem.

Como acha que se pode resolver o problema quer dos imigrantes que não trabalham quer dos ciganos que não trabalham, como diz?

Em relação à imigração é simples. Quem entra tem que ter um contrato de trabalho, tem que ter alguma perspetiva de trabalho ou um prazo para conseguir fazer essa integração. Se não fizer terá que sair. Não só em Portugal mas na União Europeia, temos que ter regras. Uma casa que não tem portas não é uma casa, é um esqueleto. Em relação aos ciganos o problema é mais complexo. Os ciganos são portugueses, como são espanhóis, italianos e franceses que são os quatro países onde há… e depois os países de Leste onde também há problemas muito sérios. Acho que temos mesmo de atacar o cerne que é a subsídio dependência. Estamos a falar de uma comunidade mais jovem que a comunidade geral, com percentagens de gente mais jovem. Das duas uma: ou têm que trabalhar forma do sistema público e têm que encontrar trabalho porque estão em idade para trabalhar, não têm problemas de saúde para não trabalhar ou, caso contrário, os que recebem RSI têm que trabalhar, que é o que nós propusemos no Parlamento.

Quando diz que é preciso fazer uma cerca sanitária aos ciganos não acha que está a ser racista?

Ouvi um presidente da câmara socialista a dizer isso anteontem e não ouviu uma única palavra dos socialistas contra ele. Ouvi um presidente dizer que já tinha feito um rigoroso confinamento da comunidade cigana – porque de facto, provou aquilo que eu tinha dito: eles não se souberam comportar em relação às regras de covid-19 e estavam a ser um foco de contágio. O presidente fez uma cerca rigorosa. Ouvimos alguém do PS? Do Bloco? Do PCP? Ninguém. Se fosse o André Ventura a dizer que confinou os ciganos na sua terra, meu Deus. Este episódio de Castro Verde mostrou a hipocrisia que vivemos neste país.

Mas nunca defendeu uma cerca a Paços de Ferreira, por exemplo…

Naquele dia, não tínhamos um episódio. Tínhamos muitos episódios espalhados pelo país. Não era uma terra, eram múltiplos episódios de funerais, casamentos, etc… em que se mostrava claramente que a comunidade que não cumpre tanto as outras regras também não sabia cumprir estas.

Se fosse eleito Presidente, como é que seria só Presidente de alguns portugueses?

Exercia a minha influência tendencialmente para melhorar a vida e defender esses portugueses de bem. Não estou a dizer que expulsaria os outros. Agora, pela primeira vez, teríamos um Presidente a fazer por aqueles e não pelos outros, que é o que fizeram ao longo destes últimos tempos todos.

Insisto. Seria tipo União Soviética e mandava os não portugueses para uma espécie de Sibéria?

Não, não mandava para lado nenhum. O que faria era garantir que a minha influência seria para defender os portugueses que trabalham ou que trabalharam, os pensionistas, os que sentem que há anos são espoliados. Tenho andado pelo país todo. Estes 12% de votos não são fascistas nem racistas nem extremistas. São pessoas que estão fartas de contribuir, pessoas que sentem que estão fartas de pagar e que o Estado nunca lhes dá nada quando é preciso.

Admite que gostaria de tirar a nacionalidade portuguesa a essas pessoas?

Não, acho que não se pode tirar a nacionalidade portuguesa a quem é português de origem.

Vamos imaginar dois brasileiros que vieram para Portugal. Admitia tirar a nacionalidade portuguesa aos filhos dessas pessoas?

Não. Mas porquê que haveria de tirar?

Porque os pais não são de nacionalidade portuguesa.

Não. Se estiverem cá como encontrámos em Braga, por exemplo, a trabalhar, a pagar impostos, não vejo problema nisso. Mas há uma coisa que defendo que é imigrantes ou quem tenha obtido a nacionalidade à posteriori e cometa crimes graves em Portugal como tráfico de droga ou terrorismo ou crimes graves, admito sim serem repatriados para o país deles. Não me faz sentido nenhum que alguém que seja condenado por tráfico de droga cumpra em Portugal uma pena de cinco anos ou seis e quando sair possa continuar a viver em Portugal.

O crime de tráfico de droga é mais grave um pedófilo?

Não, claro que não. Dei o exemplo do tráfico de droga porque é um crime, eventualmente, mais frequente. Crimes graves, quando terminassem de cumprir a pena, eu repatriava-os a todos para a terra deles de volta. Não ficava cá um que tivesse cometido um crime grave nas prisões portuguesas. Repare na história toda: vieram para cá, abrimos-lhes os braços, cometeram crimes, prejudicaram pessoas, prejudicaram negócios. Vão para a prisão e ainda lhes pagamos. Durante cinco ou seis anos ficaram a viver à nossa custa e saem, estão no El Dorado europeu à mesma. Malinhas no avião e embora para o país deles. E não é com subsídios a pagar para irem para o país deles como está a fazer a Inglaterra. É aviãozinho, terra de origem.

É uma posição humanista?

Acho que sim. Quem trafica droga também não está muito preocupado com o humanismo. Acho, sem dúvida, que os traficantes têm que ter penas muito mais elevadas em Portugal. Acho que temos penas nalguns países que não fazia nenhum mal termos cá também.

Em relação às autárquicas, já disse que não vai ser candidato. Porquê?

Acho que é o momento de dar espaço a caras novas no partido. Acho que é fundamental. Não vai haver outra oportunidade tão depressa para mostrar caras novas no partido nos vários distritos.

Mesmo que sejam velhas.

Mesmo que sejam velhas. Acho que é importante o partido mostrar que tem outros rostos. Somos neste momento um dos maiores partidos português em número de militantes.

E provas disso?

Vou dar um dado que é fácil de demonstrar: o mês de janeiro foi o segundo melhor de sempre em entrada de novos militantes. Este mês, o último militante que foi atribuído foi o número 26 mil e qualquer coisa. Portanto, isto significa que temos 26 mil militantes? Não. Muitos vão saindo entretanto, outros não pagam quotas, etc. Mas mostra que somos, neste momento, um dos maiores partidos a par do PSD e do PS.

Quanto é a quota?

18 euros, penso eu. Não é especialmente cara. Pode pagar-se um ano ou dois. Repare, tem uma situação destas, um partido com imensos militantes a crescer. O mês de janeiro foi dos melhores de sempre com entrada de novos militantes e a cara que aparece é sempre a minha. O que é que temos que fazer? Promover novos militantes. Estamos neste momento a promover militantes porque vamos precisar deles. Se a cara das autárquicas for outra vez o André Ventura, passa a ideia do partido unipessoal. se um dia acontece alguma coisa ao André Ventura, o partido acaba. E não pode passar esta ideia, isto é um movimento muito maior que o André Ventura e que esta direção.

Já passaram duas semana das eleições. Prometeu que apresentaria a demissão caso não ficasse em segundo lugar, já apresentou. Mas também prometeu que ia revelar o nome das pessoas e empresas que lhe pagaram a campanha eleitoral.

Nenhuma empresa nos pagou. Vamos enviar isso tudo à entidade de contas. Posso dizer que gastámos, pelas contas que fizemos já, cerca de 115 mil euros. Muito abaixo dos 165 mil euros que tínhamos no orçamento. As despesas que tivemos com a campanha foram deslocações, refeições, material de marketing e informática, segurança – tivemos uma despesa significativa em segurança – e hotéis. Isto são as nossas despesas. Ficámos cerca de 50 mil euros abaixo do que tínhamos previsto.

E donativos?

Vamos entregar todos os donativos que tivemos. Tivemos donativos a maior parte do partido. O Chega entregou ao partido 25 mais 10. Portanto, 35 mil foram do partido. Há uma rúbrica que diz que os partidos quando apoiam fazem uma subvenção partidária à campanha. Neste caso, o Chega foi o principal apoiante com cerca de 35 mil euros.

Onde foram buscar esse dinheiro?

Do dinheiro do partido. O partido tem conta e o partido apoiou o candidato presidencial. Em reunião de direção…

Foram muito poucas pessoas e empresários em nome individual a participar.

Tivemos alguns, não sei ao certo quantos mas foram alguns. Ainda conseguimos, agora não tenho a certeza de quanto. Sei que recebemos bastantes donativos pequenos. Pequenos, enfim.. Recebemos algumas centenas de euros, alguns mil euros, 1500 euros, alguns 3000, 5000 mas foram sempre donativos pequenos.

Não tem ideia do total.

De donativos não tenho. Sei que a maior fatia foi a subvenção do apoio do partido. Não caiu nenhum financiamento da extrema direita que vinha aí apoiar a minha candidatura. E como digo, gastámos no total 115 mil euros.

Esses 500 mil votos significaram quanto em dinheiro?

Não sei, não tenho ainda nada disso. É um bocadinho falacioso. Eu não vou receber dinheiro nenhum, é preciso que as pessoas saibam isto. Nem queria nem aceitava. A única coisa que esses votos permitem, quando se passa os 5% das votações, é cobrir as despesas da campanha. Mas o dinheiro não vem para mim. Portanto, os que fizeram donativos não vão receber o donativo de volta.

Não vai ao supermercado ou a uma feira? Por causa das ameaças…

Tento e continuo a tentar, apesar das dificuldades que temos, manter uma certa normalidade minha pessoal. Olhe, quando fui votar, fomos com uma equipa de segurança, e fui para a fila. Mal abri a porta passou uma rapariga que me chamou fascista de merda. Estava eu e a minha mulher. Ninguém gosta de ouvir isto, sobretudo quando estamos com a família, é desagradável. Quando estou sozinho é-me relativamente indiferente. E as pessoas não distinguem quando estou com a família ou não estou, partem imediatamente para o insulto, para a ameaça… e ninguém gosta de se ver envolvido numa situação de pancadaria. Mas tento fazer uma vida normal e espero conseguir até ao fim.

Qual é o cargo que quer no Governo? Ministro da Justiça? Da Administração Interna?

Não vou dizer o que me vejo a mim. O que vejo é o Chega como fundamental para um Governo: a Justiça, a Administração Interna, a Defesa e a Segurança Social.

E vice primeiro-ministro.

Acho que se tivermos 15% parece-me evidente que os portugueses quererão esse equilíbrio de forças dentro poder político porque é preciso que se perceba que este Governo, a vir a existir, não será um Governo PSD-Chega. Será um Governo do PSD e do Chega. Não será um Governo em que um é o pai e o outro é o filho. Será um Governo de dois irmãos em que os dois terão que se entender, ceder e preparar para fazer mudanças.