Da batota ao desgoverno…

Há quem sugira sub-repticiamente que Marcelo aproveite a embalagem dos 61% dos votos recolhidos para substituir o Governo socialista por outro, sob a sua égide…

Se não fossem as circunstâncias trágicas que o Pais atravessa, seria divertido observar, na ressaca das presidenciais, como a extrema- -esquerda ‘explica’ o seu fracasso e o centro direita reage, aturdido, à progressão da direita radical.

A histeria que tomou conta das esquerdas desaguou em força no terreno mediático, ‘contaminado’ pela pandemia, onde os comentadores de serviço não hesitaram em catalogar o Chega e o seu líder – que, aliás, se puseram a jeito – como perigosos extremistas populistas, enquanto olham mortificados para o PCP e o Bloco, deplorando o seu enfraquecimento.

Até Pedro Nuno Santos – governante que se distinguiu na aquisição de ‘ferro velho’ circulante em Espanha para por nos carris da CP, e adepto da ‘redenção’ da TAP à custa dos contribuintes –, se deu ao trabalho de publicar um ‘artigo de opinião’, no qual defende a excelência da ‘sua dama’, Ana Gomes, enquanto vergasta o PS (leia-se, António Costa) por não lhe ter prodigalizado o apoio que ele assinou “de cruz”.

O certo é que tanto os apoiantes de Ana Gomes como os de Marisa Matias parecem nervosos. Quem diria, por exemplo, que Francisco Ramos, agora ex-coordenador da ‘task force’ para a vacinação – tão errático como o Governo que o nomeou –, acabaria por trocar um perfil técnico pela desajeitada militância partidária?

Primeiro, tratou – e bem – como ‘batoteiros’ os ‘chico-espertos’ que se vacinaram quando não deviam, abusando na maioria dos casos de serem ‘boys’ e ‘girls’ socialistas, investidos em funções que não mereciam.

Depois, ‘estatelou-se’, a propósito da aplicação da segunda dose da vacina a esses ‘batoteiros’, alegando que se não o fizessem seria o mesmo que exibir um «espírito vingativo» que ele só compara «àqueles 11% ou 12% que votaram na candidatura de André Ventura nas eleições presidenciais do último domingo».

Disse-o na SIC e, só mais tarde, este apoiante confesso de Marisa Matias se demitiu da ‘task force’, depois de insultar meio milhão de eleitores. Manteve, no entanto, cativa, a presidência da administração do Hospital da Cruz Vermelha, onde se verificaram as alegadas irregularidades no processo de vacinação dos seus profissionais de saúde, e que lhe serviu de pretexto para renunciar à ‘task force’. Uma originalidade conceptual…

A frustração que apoquenta as hostes é notória, e não menos notório é o seu à-vontade a tratar como ‘fascistas’ ou ‘neofascistas’ quem votou em André Ventura, incluindo numerosos alentejanos que já terão obedecido a outros credos.

Convirá, entretanto, que André Ventura não fique demasiado eufórico com a votação que arrecadou. Doravante, ele é ‘o saco de pancada’ de que a extrema-esquerda precisava como do ‘pão para a boca’, com a cumplicidade dos media.

As esquerdas, desde a ala ‘pedronista’ do PS aos comunistas do PCP e do Bloco, encontraram, por fim, um ‘inimigo comum’, talvez por não se conhecer em Ventura qualquer simpatia por ditadores da estirpe daqueles que iluminam e inspiram Jerónimo de Sousa ou a dupla Francisco Louçã – Catarina Martins, entre Estaline e Trotsky.

É visível que as presidenciais provocaram um sobressalto, tanto à esquerda como à direita, e nesta, são óbvios o desnorte do CDS e as movimentações dos liberais, enquanto o PSD continua refém das inconsequências de Rui Rio, líder da oposição por apelido.

O crescimento do Chega fez soar os alarmes, a ponto de haver quem preconize um governo de iniciativa presidencial, algo que foi liminarmente excluído com Cavaco, em alternativa à ’geringonça’.

A nova apologia consiste em atribuir a razões de fadiga o desorientado comportamento de António Costa, sugerindo sub-repticiamente que Marcelo aproveite a embalagem dos 61% dos votos recolhidos para substituir o Governo socialista por outro, sob a sua égide, enquanto durar a tormenta sanitária.

A ideia seria mais uma vez poupar o PS ao desgaste da crise, travando-se, também, a escalada do Chega, a tempo de a extrema-esquerda se reorganizar.

Afinal, o xadrez político ficou diferente com as presidenciais. Os politólogos e demais especialistas têm ainda muito a aprender com a lógica do chamado voto de protesto, que emerge silencioso em comunidades desencantadas com uma governação incompetente, que anda ‘ao deus dará’ na crise sanitária, lançando o país noutra depressão económica profunda.

Em 2015, Cavaco preferiu empossar um governo com suporte parlamentar de extrema-esquerda para não correr o risco de um ‘chumbo’. Agora há quem veja a solução num governo de salvação nacional, da responsabilidade de Marcelo. Uma armadilha para Belém, entre as batotas na vacinação e o desgoverno que nos calhou em sorte…

Segundo António Costa admitiu na TVI o «país está péssimo» e «claramente as coisas estão a correr muito mal». O diagnóstico só peca por tardio…