Eutanásia, Não Posso Discordar Mais…

O Parlamento acaba de aprovar a legalização da eutanásia em Portugal. Tal significa que, se a lei vier a ser definitivamente aprovada, qualquer pessoa residente no nosso país, desde que tenha mais de 18 anos, não tenha problemas mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável poderá pedir a morte medicamente assistida.

por José António Tavares
Médico

Triste e paradoxal trabalho, este, dos Deputados portugueses. Ora tomam decisões a favor da vida, como ocorreu no dia imediatamente anterior, no qual foram decididas medidas visando dominar a terrível pandemia que nos assola e que, em Portugal, causou já vários milhares de óbitos, ora, denotando desprezo pelo valor supremo da vida humana, despenalizam uma prática que não põe termo ao sofrimento, conforme vem sendo propalado pelos seus defensores. Põe termo, sim, é à vida.

Com efeito, esta incoerência é incompreensível.

Desde logo, porque não respeita as pessoas que tiveram a infelicidade de serem contagiadas pelo vírus SARS-CoV-2 e que lutam, com grande sofrimento, para salvar a própria vida. Também não respeita os profissionais de saúde. Todos eles: médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares, ou administrativos que, abnegada e permanentemente, colocam a sua vida em risco – por vezes, com desfecho fatal – no sentido de contornar a situação sanitária, sem precedentes, que estamos a viver.

Presentemente, estão internadas 877 pessoas, com Covid-19, nas Unidades de Cuidados Intensivos de todo o país; é um novo máximo. Há cerca de uma semana, o tempo de espera, em ambulância, para atendimento no Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria, em Lisboa – o maior hospital do país -, chegou a atingir 15 horas. O Governo Regional da Madeira, há poucos dias, recebeu três doentes, com Covid-19, oriundos do Continente e acaba de manifestar a sua disponibilidade para, de novo, receber mais três doentes. Hoje mesmo, chegou da Alemanha uma equipa clínica, constituída por 26 profissionais de saúde, na sequência de um pedido de auxílio do governo português.

Os últimos dias constituíram, portanto, a pior fase da pandemia. Os governantes, antes de deliberarem e de tomarem as decisões relacionadas com a situação sanitária, auscultaram as opiniões dos técnicos, como lhes compete? Sim. Os decisores políticos

têm responsabilidade nesta situação? Têm, sim. E porquê? Porque inquiriram os técnicos, é um facto, nomeadamente de sectores diversos e até de forma exaustiva, nalguns casos. Simplesmente, não seguiram as recomendações veiculadas pela maioria deles. Ao longo de vários meses, muitos especialistas bem alertaram, sem rodeios ou subterfúgios, para a gravidade da situação em que iríamos incorrer, caso o rumo traçado não fosse, entretanto, alterado. Por outo lado, não raras vezes, a evolução da pandemia no estrangeiro – um indicador precioso -, foi também subestimada pelos decisores. Ou seja, o governo, infelizmente, nem sempre seleccionou as opiniões e as informações de que dispunha, nas quais devia fundamentar as decisões a tomar, de acordo com o melhor critério. São disso exemplos as novas estirpes do vírus e as projecções do número de novos casos, tão amplamente divulgadas por vários especialistas, nomeadamente epidemiologistas e matemáticos.

Estando nós com tantas dificuldades, mais complicado se torna entender a extemporaneidade do tema eutanásia na agenda política. Dito isto, releve-se que este não é o momento para debates ideológicos, nem de servir interesses partidários. Porém, abordar a questão era obrigatório, face ao incompreensível anacronismo verificado. Importa, agora, mais do que nunca, congregar esforços com o objectivo de encontrar as melhores soluções a adoptar para combater a pandemia e reverter a delicadíssima situação em que nos encontramos.

Entretanto – enquanto aguardamos, com grande expectativa, a pronúncia do Senhor Presidente da República, com legitimidade robustecida na sequência do recente acto eleitoral -, é de toda a conveniência que, tão rapidamente quanto a evolução da pandemia o permita, os Srs. Deputados, ao invés de insistirem nesta lei absurda, promovam o adequado acompanhamento das pessoas em fim de vida, nomeadamente mediante o reforço das unidades de cuidados paliativos e, também, criando as condições técnicas e humanas indispensáveis para implementação de cuidados paliativos na residência dos doentes cujo estado clínico o permita e que lá desejem permanecer. De facto, desde que não existam contraindicações, é de privilegiar a prestação dos cuidados paliativos no domicílio, já que a proximidade de elementos familiares muito contribui para aumentar o bem-estar dos doentes.

A experiência tem demonstrado que bons cuidados paliativos – prestados por uma equipa interdisciplinar, que inclua médicos, enfermeiros, psicólogos, auxiliares, assistentes sociais e, porventura, outros, de acordo com as necessidades e os desejos de cada doente -, permitem aumentar muito o conforto destas pessoas, limitam ao máximo os eventuais efeitos indesejáveis do tratamento médico, melhorando a sua qualidade de vida e aliviando o seu sofrimento físico, psicológico, espiritual e existencial.

Desta conjugação, de ciência e humanismo, resulta uma alternativa eficaz ao pedido de eutanásia. Os cuidados paliativos, além de proporcionarem que estas pessoas, tão vulneráveis, mantenham a vontade de viver, constituem a única saída consentânea com a dignidade humana. A eutanásia rouba-lhes a vida. “Se a vida não tem preço, nós comportamo-nos sempre como se alguma coisa ultrapassasse, em valor, a vida humana… Mas o quê?”, disse Antoine de Saint-Exupéry.

“Morte medicamente assistida.”. Esta expressão infeliz, eufemística, não podia ser mais enganadora. Não posso discordar mais. Jamais empurrarei alguém para a morte.

A eutanásia não contribui para debelar nenhuma situação patológica, logo, não é da competência dos médicos. A função destes é salvar vidas, prevenir e tratar doenças, e aliviar o sofrimento, de acordo com as leges artis, a ética e a deontologia médicas.

José António Tavares
Ordem dos Médicos, Cédula Profissional n.° 34429
Licenciatura em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Pós-graduação em Climatologia e Hidrologia pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Curso de Bioética para Pesquisa em Ciências da Vida pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Brasil
Pós-graduação em Direito da Farmácia, do Medicamento e das Novas Tecnologias pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Centro de Direito Biomédico)
Doutorando em Bioética na Universidade Católica Portuguesa
Email: tavares.ordemdosmedicos34429@gmail.com