China-EUA – A linha vermelha

Na quarta-feira, 20 de Janeiro, Joe Biden era consagrado, em Washington D.C., como o 46º Presidente dos Estados Unidos. Fazia-o num clima de quase estado de sítio, com 25.000 homens do Exército e da Guarda Nacional, com equipamento pesado na capital e seus arredores. E sem público, por razões de segurança.

por S.Araújo
 

No final, o seu predecessor Donald Trump acabara por aceitar a derrota e retirar-se discretamente para a Florida. Mas para além de um país partido ao meio, onde uma parte do eleitorado republicano mantém a convicção de fraude eleitoral, onde a Pandemia continua agressiva a contagiar e a matar (embora magicamente Biden já não tenha as culpas de Trump), onde a Economia está numa crise que lembra a Grande Depressão iniciada em 1929, Biden tem de gerir um “business as usual” da política externa norte-americana.

 

MUDANÇAS RETÓRICAS

Esta política não vai ter, na sua substância essencial, grandes alterações: a política externa dos países é moldada por elementos que escapam muito à vontade dos governantes, como a Geografia, a Economia, a História. Mas Biden vai mudá-la na retórica e vai mudá-la na forma. Ou seja, vai haver uma maior ênfase no multilateralismo, um regresso às organizações e iniciativas internacionais como a Organização Mundial do Comércio ou os Acordos de Paris sobre o Clima. Também haverá um esforço para coordenar algumas políticas atlânticas entre Washington e os europeus, nomeadamente nas relações com a China e com a Rússia.

Com a Rússia, havia uma urgência que é a negociação do Acordo START sobre o controlo e limitação de armas nucleares, que Biden resolveu, sob críticas fortes dos Republicanos, prolongando o mesmo acordo por mais cinco anos. O acordo, segundo os críticos, é bastante pouco exigente em matéria de verificação.

Com a China, o problema é mais complexo: a ascensão económica e social da China é um facto, desde as reformas de Deng Xiaoping, que liberalizaram uma parte substancial da economia chinesa. Este crescimento foi visto com bons olhos pelo Ocidente que, progressivamente, deslocalizou para a China muitas indústrias. Havia também a teoria de que progressivamente a liberalização económica traria a liberalização política, como sucedera na Europa do século XIX, com a ascensão da burguesia.

Tal não sucedeu e, nos últimos anos, bem pelo contrário, o controlo do PCC (Partido Comunista Chinês) sobre a sociedade foi aumentando. A luta contra a corrupção tornou-se também ocasião para um maior reforço da autoridade do Presidente Xi que se tornou mais que um primeiro entre iguais, o grande chefe do Partido e do País. Quanto à Pandemia, a China, apesar de ter sido o lugar do início da epidemia que já matou, no mundo, mais de 2.300.000 pessoas, quase não é referida como responsável por nada, havendo uma rigorosa cortina de ferro e silêncio sobre as origens da epidemia.

 

O AVISO DE PEQUIM

De qualquer modo, a questão da China é uma das questões primordiais da Agenda da nova Administração. E, antes mesmo que a nova Administração, para além de alguns “avisos” sobre os direitos humanos dos Uighures, ou dos direitos políticos em Hong Kong, tivesse formulado grandes estratégias, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Pequim, Yong Jiechi, um dos 25 membros do Politburo do PCC, fez um aviso a Biden e ao novo team das Relações Externas americanas.

O “aviso” foi feito numa comunicação por vídeo ao Comité Nacional do grupo “Estados Unidos- China”, uma associação baseada em Nova Iorque. Entende-se que, nas suas palavras, o ministro chinês levou em conta algumas declarações do novo Secretário de Estado Anthony Blinken, nas audições para confirmação no Senado, em que, ao ser perguntado sobre se concordava com as palavras do seu antecessor na Administração Trump, Mike Pompeo, de que “a China estava a cometer genocídio contra a minoria muçulmana de Xinjiang”, Blinken respondeu:

“Penso que estamos de acordo (…) Meter homens, mulheres e crianças em campos de concentração para os reeducar e fazer deles devotos da ideologia do Partido Comunista Chinês, tudo isso leva a pensar num esforço para cometer genocídio”.

Blinken acrescentou que os Estados Unidos de Biden manterão o compromisso de garantir que Taiwan será capaz de se defender e que gostaria de ver Taiwan assumir um papel mais importante no mundo, acrescentando que recebera a Presidente Tsai Ing-wen no Departamento de Estado quando ela foi eleita e que continuou essa relação nos anos seguintes, embora fora do executivo.

Quanto à China sob o Presidente Xi-Jimping, Blinken está convencido que há uma mudança radical de atitude em relação aos seus predecessores e que, enquanto estes procuraram ser discretos e não mostrar ambições políticas nenhumas, com Xi o governo de Pequim mudou:

“São muito mais assertivos a tornar bem claro que querem ser o país líder do mundo, o país que dita as regras, os comportamentos, e que traz um modelo que eles esperam outros países e pessoas irão seguir.”

A resposta não se fez esperar e, na sua intervenção, o Ministro chinês foi bastante claro a afirmar que se esperava uma mudança de atitude da nova Administração Biden em relação às “políticas erradas” da Administração anterior e que este era um momento-chave para, dos dois lados, se refazer a relação, mas que terão de ser os Estados Unidos a reparar os estragos causados por Trump.

“Nós, na China, esperamos que os Estados Unidos ultrapassem a velha mentalidade da soma-zero da rivalidade entre as grandes potências, e trabalhem com a China para manter a relação no caminho certo”. E finalizou dizendo: “Hong-Kong, o Tibete e o Xinjian, são casos protegidos por uma linha vermelha que não deve ser ultrapassada.