A montanha pariu um rato!

Primeiro não paravam de dar notícias entusiásticas sobre a vacinação da população portuguesa. Agora, quando abrimos os jornais não se fala de outra coisa do que a vacinação indevida e a batota que alguns têm feito. 

Quando nos falta o sentido crítico, somos levados, muitas vezes, a ir atrás de factos e de narrativas que parecem uma coisa, mas afinal são outra. Hoje precisamos de desconfiar de todas as notícias que se nos aparecem. São todas factuais. Todas dizem a verdade. O perigo está mesmo na forma enviesada com que nos são apresentados os factos. O poeta António Aleixo tem um poema que diz resumidamente o que devíamos ter sempre presente: «Para a mentira ser segura e alcançar profundidade, deve ter sempre à mistura algum fundo de verdade».  

Primeiro não paravam de dar notícias entusiásticas sobre a vacinação da população portuguesa. Agora, quando abrimos os jornais não se fala de outra coisa do que a vacinação indevida e a batota que alguns têm feito. Parei um pouco e fui ver os números. É preciso fazer contas e eu – que sou pouco inteligente nos números – decidi fazer as contas. Na altura em que escrevi este artigo tinham sido vacinadas conforme à regra 364.211 e indevidamente foram vacinadas 340. 

Não quero – nem devo – desculpar aqueles que foram vacinados e não deveriam ter sido. Eu até penso que o número daqueles que foram vacinados indevidamente ainda irá aumentar. Mas a confirmar-se este número, podemos dizer que não representa nem sequer 0,1 por cento de todos os vacinados até hoje. 

Todos os números são verdadeiros e dizem os níveis de nepotismos que habitam a sociedade portuguesa. Porém, parece-me que é mais um dos casos construídos com narrativas enviesadas, apoiadas em verdades, mas que servem de entretenimento, com uma ausência quase total de valor informativo.

O número é insignificante para o total de pessoas já vacinadas. Isso, sim, é uma boa notícia que nos deve encher de esperança!

Estou seguro, apesar de admitir alguma margem de erro, que a maioria destas pessoas que foram vacinadas indevidamente não o terão feito por maldade. Aliás, algumas destas situações são mais do que compreensíveis.

Há situações que trazem mesmo problemas éticos graves para quem se vê confrontado com decisões que implicam responsabilidade.

Imaginemos estar na pele daquele dirigente do INEM do Porto. Pede um número de vacinas e no final do dia sobra onze.

O que faríamos? 

Frente a este problema temos de escolher uma de duas hipóteses: deitamos fora ou chamamos quem está mais próximo para receber aquelas vacinas?

É evidente que temos de perceber porque é que sobram vacinas: fizeram mal as contas ou pediram deliberadamente mais para vacinar os empregados do café da esquina?

São sempre grandes problemas que têm sempre soluções estranhas. Este facto fez-me lembrar uma instituição que dava às empregadas a comida que sobrava. E não é que sobrava sempre comida todos os dias!!!! 

Será este o caso? 

Não sabemos e não me parece… Mas é evidente que posso estar a ser ingénuo e pode haver no futuro algumas provas que indiquem o contrário. Pode ser que tenham mesmo pedido doses a mais de forma propositada! Pode ser que tenha havido um plano maquiavélico para terem mais vacinas para dar a amigos dos amigos. 

Pode ser, sim! Mas também pode ser que tenhamos de aplicar aqui o princípio do direito da presunção da inocência, isto é, até prova em contrário a pessoas é inocente e pode ter agido de boa fé.

Em todo o caso, já foram julgados! Já foram todos culpados! São criminosos.

A serem criminosos, digo uma coisa simples: se houve apenas 0,1 por cento de corruptos que usaram a sua influência para interesses pessoais então a vacinação indevida não acompanha os níveis de corrupção existentes em Portugal.