Covid-19. Casos caíram para metade na última semana

Peritos voltam a ser ouvidos esta terça-feira no Infarmed. RT já está no valor mais baixo que atingiu em abril do ano passado, 0,80. Confinamento funcionou. Desconfinamento é agora o busílis. Portugal pode só voltar a ter menos de 300 doentes em UCI no final de abril. Especialistas da FCUL defendem que alívio de medidas…

O número de novos casos de covid-19 diagnosticados no país caiu para metade na última semana – a descida mais forte desde a subida a pique depois do Natal – e o índice de transmissibilidade, o chamado RT, está agora já no nível mais baixo que atingiu em abril do ano passado, depois do primeiro confinamento, cerca de 0,80 nos últimos dias. O ponto de situação será feito esta terça-feira na reunião do Infarmed, um mês depois da anterior e com um cenário agora mais otimista do lado da transmissão, mas com os hospitais no limite e sem folga para novas acelerações da pandemia nos próximos tempos. Que o confinamento está a “funcionar”, já não restam dúvidas e, agora, é o desconfinamento que está no horizonte. Ontem, João Gouveia, presidente da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para Covid-19, e que não será ouvido no encontro, defendeu publicamente que as medidas não devem ser aliviadas com menos de 3 mil casos diários às quartas e quintas durante três semanas seguidas, sem o RT ficar abaixo de 0,7 e com menos de 270 internados nos cuidados intensivos. Quando se chegará aí?

 

O travão a fundo e o ponto de saturação

Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que trabalha na modelação da pandemia com Manuel Carmo Gomes, que fará, como habitual, uma apresentação sobre a situação epidemiológica e uma proposta sobre os critérios para levantar as restrições, sublinha que o país está no bom caminho, mas alerta para duas questões: por um lado, vai haver um ponto de saturação nas atuais medidas e, por outro, a descida dos internamentos será lenta.

Chegar aos 3 mil casos diários parece ser o processo mais bem encaminhado. O investigador sublinha que Portugal é dos países europeus com melhor desempenho na redução de infeções. Note-se que, aqui, os investigadores não seguem apenas os casos reportados a cada dia pela DGS, mas a data de início de sintomas dos doentes, que permite perceber quando se terão infetado (em média, sete dias antes). “Estamos com uma redução de contágios para metade a 14 dias. França conseguiu em dez, Bélgica em oito e Áustria em 22 dias. Estamos com uma boa performance. Lisboa está com uma redução para metade dos contágios ainda mais forte, a dez dias”.

O resultado é melhor que o esperado. Os dados da DGS mostram também esse esmagar da curva: se o pico de infeções em Lisboa foi atingido mais tarde do que no resto do país e, na penúltima semana, ainda houve uma subida de 22% nos diagnósticos, na última semana caíram 50%. Lisboa passou de um recorde de 43 299 casos na semana de 25 a 31 de janeiro para os 21 258 casos na semana de 1 a 7 de janeiro.

Todas as restantes regiões caíram na última semana em torno dos 50%, com exceção da Madeira, onde se registou um aumento de casos, sendo a única região do país com RT acima de 1.

Carlos Antunes sublinha que a modelação permite perceber o impacto que teve o fecho das escolas, anunciado pelo Governo a 18 de janeiro, tema que dividiu opiniões na última reunião e volta a estar esta terça-feira em cima da mesa. Para os especialistas da FCUL, que o defenderam na reunião de 12 de janeiro, foi essencial. Depois do Natal, as infeções subiram a pique. A transmissibilidade começou a descer a nível nacional e voltou a subir após a abertura das escolas, a partir de 4 de janeiro. A 16 de janeiro, quando foi anunciado o confinamento, já estava a baixar, mas cai fortemente a partir daí. “Lisboa é um dos casos onde se vê que a partir de 28 de janeiro, sete dias depois do fecho das escolas, há um reforço da desaceleração de contágios, o que se nota sobretudo nos grupos etários estudantis, que são os dados que iremos apresentar”. O investigador admite que no ano passado houve poucas evidências do impacto de uma medida extrema como o fecho das escolas, mas nesta fase da epidemia foi notório. “No ano passado, em março, quando fechámos, não tínhamos o vírus disseminado na comunidade e muito menos na população estudantil. Na altura, as escolas fechadas serviram como prevenção e não conseguimos medir se as escolas tinham impacto na transmissão comunitária”, diz. “Em setembro foi evidente que sete a oito dias depois de se iniciarem as aulas há um aumento de casos e início de uma onda diferente. Agora estávamos com uma incidência de 13 mil/14 mil contágios, e a infeção estava disseminada pelo próprio ambiente escolar. Vemos que os grupos mais novos foram os que sofreram maior desaceleração da incidência sete dias depois de as escolas fecharem e que isso teve impacto em todos os grupos etários, incluindo nas pessoas mais velhas. Quando o vírus está tão disseminado, multiplicam-se cadeias de transmissão. Ao fechar as escolas, foi como se tivéssemos tirado, primeiro, o pé do acelerador e, de repente, travámos a fundo”, compara. “Foram dois milhões de pessoas que deixaram de circular e de ter contactos entre si. As infeções que continuaram foram de casos que vieram das escolas para casa, mas essa cadeia de transmissão fechou”.

O investigador sublinha, no entanto, que há pessoas que continuam a circular e que a trajetória da epidemia nos diferentes países sugere que há um ponto de saturação nas medidas e começa a haver sinais de que o RT está a estabilizar. “O índice de confinamento está na ordem dos 70% a 76%, o que quer dizer que os outros 30% de contactos continuam a existir. Dado que o vírus está a circular livremente na comunidade, esses 30% continuam a transmitir. Apesar de o modelo nos indicar uma descida, porque está agarrado à tendência dos últimos dias, é expectável que haja uma estabilização em que as medidas já não conseguem reduzir mais a incidência. Não encontro nenhum país que tenha chegado aos 0,70”. Assim, as projeções apontam para que o país possa chegar já na próxima semana ao nível de contágios em que estava antes do Natal, em torno das 2500/3 mil infeções (na última semana foram reportados em média 5 mil casos por dia) mas, para a equipa da FCUL, a descida, mesmo com o país confinado, não vai manter sempre esta velocidade.

 

Desconfinar devagar e com substituto: mais testes

Do lado da resposta dos serviços de saúde, os internamentos são a preocupação: em enfermaria começaram a baixar mas, em UCI, a última semana ainda foi de aumento. Carlos Antunes admite que o modelo que desenvolveram sugere que o pico será atingido nos próximos dias e não deverá voltar a passar os 900 doentes em UCI – as projeções do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) apontam, por seu turno, que podem passar os mil doentes. Como o pico não foi atingido ou está em vias de o ser, o ritmo da descida é, a esta altura, uma incógnita. Carlos Antunes admite que, em dezembro, a descida foi lenta. Atualmente, mesmo intensificando um pouco mais a tendência anterior ao efeito do Natal, a estimativa é que o país só volte a ter menos de 300 doentes com covid-19 em UCI no fim de abril. Não recomendam, no entanto, um confinamento total tão prolongado. A proposta que irão apresentar visa tentar equilibrar a necessidade de reabrir o país mas manter a pandemia controlada, sem fazer disparar internamentos, ganhar tempo enquanto aumenta a cobertura vacinal, que deverá abranger os grupos mais vulneráveis._“Até ao fim de fevereiro, manter as atuais medidas. Na primeira quinzena de março, reavaliar e começar a abrir de forma gradual com um substituto do desconfinamento, que na nossa opinião deve ser uma maior testagem. No fundo, é deixar de ir atrás da incidência (quando baixa, baixam os testes, o que já está a acontecer este mês) e passar a ir atrás dos casos, puxar a positividade para baixo. Precisamos de voltar a estar abaixo de 5%, o recomendado pela OMS, que é quando diminui a percentagem de assintomáticos. Precisaremos de testar pelo menos quatro vezes mais”, defende. A Dinamarca é o exemplo apontado: é o país europeu a testar mais e só 0,5% dos testes dão positivo. Na última semana de janeiro registava uma incidência de 156 casos por 100 mil habitantes a 14 dias, quando Portugal chegou aos 1652,5. Segundo os dados disponibilizados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC na sigla inglesa), nessa semana, com menos de 500 casos diários, a Dinamarca passou os 14 mil testes por 100 mil habitantes. Em Portugal foram cinco vezes menos. Foi a semana de pico de casos a nível nacional, quando a positividade atingiu o valor mais elevado de sempre no país: 22% dos primeiros testes à covid-19 deram positivo.