“Obsessão” pelo défice leva a menos investimento no SNS, acusa economista

Eugénio Rosa diz que “obsessão pelo défice não pode imperar nesta área” nesta fase de pandemia. 

“O Governo continua a investir muito pouco (abaixo do mínimo necessário) para defender a saúde e a vida dos portugueses em perigo pela covid-19 e, consequentemente, também para evitar a grave crise económica e social causada pela pandemia”. O alerta é dado por Eugénio Rosa depois de a Direção-Geral do Orçamento (DGO) ter divulgado os dados da execução do Orçamento do Estado do ano passado, que apontam para um agravamento do défice em 9704 milhões de euros. Num estudo agora divulgado, o economista aponta as causas deste investimento insuficiente: “Certamente dominado pela obsessão do défice”.

Com base nos dados do Portal da Transparência do SNS, o economista relembra que, apesar de o número de profissionais de saúde ter aumentado entre março e dezembro do ano passado – período de pandemia -, a categoria dos médicos diminuiu em 758, “o que não deixa de ser dramático e reflete bem a forma como os sucessivos Governos têm tratado os profissionais de saúde e o SNS nos últimos anos (ausência de carreiras e remunerações dignas, a que se junta a falta de condições de trabalho devido ao reduzido investimento no SNS), cujas consequências os portugueses e a economia estão agora a pagar caro, como é visível para todos”.

E as críticas não ficam por aqui. No seu estudo cita o Health at a Glance: Europe 2020, feito pela Comissão Europeia, e lembra que, na UE, o número de médicos por mil habitantes é de 3,8. No entanto, no SNS, esse número é de 2,87. Já no que diz respeito aos enfermeiros por mil habitantes, na UE são 8,2 mas, em Portugal, apenas 4,7. 

Por outro lado, o número de enfermeiros por médico na União Europeia é de 2,3, enquanto no SNS é de 1,6. E o número de auxiliares de saúde por enfermeiro é ainda mais baixo: apenas 0,6. Para o economista é, então, claro que os números da execução do Orçamento mostram que o Governo e, em particular, o ministro das Finanças “continuam com a obsessão do défice”. 

O orçamento inicial e suplementar do SNS para o ano passado e com o executado em 2020 “mostram com clareza a continuação do subfinanciamento do Serviço Nacional de Saúde, mesmo durante a pandemia, assim como a obsessão do défice traduzida em transferências do Orçamento do Estado para o SNS inferiores às previstas, bem como cortes na despesa também em relação ao previsto”, acusa Eugénio Rosa. Nas suas contas, comparando os valores de receita do SNS prevista do Orçamento Suplementar com o que foi efetivamente transferido do Orçamento do Estado para o SNS, constata-se uma redução de 275,6 milhões de euros. 

Fazendo a mesma comparação entre a despesa prevista no orçamento suplementar do SNS e o que foi executado, “conclui-se que foram feitos cortes no montante de 276,3 milhões de euros”. E o economista acrescenta: “O ano de 2020 terminou, mais uma vez, com um saldo negativo entre recebimentos e pagamentos no montante de 292,5 milhões de euros, o que vai engrossar a dívida”.

Conclusões A primeira conclusão, segundo Eugénio Rosa, é a redução nas transferências do OE para o SNS de 232,8 milhões de euros em relação ao previsto no Orçamento Suplementar. Outra redução foi registada nos fundos que têm como origem receitas de capital: menos 25,2 milhões de euros. O especialista não tem dúvidas: “Tudo isto contribui para estrangular ainda mais financeiramente o SNS e aumentar as suas dificuldades de funcionamento, mesmo num contexto de pandemia. A análise das despesas do SNS em 2020 também revela situações insólitas e incompreensíveis, para não dizer mesmo inaceitáveis”. 

As despesas com os profissionais de saúde aumentaram “apenas” 133 milhões de euros em relação ao Orçamento inicial e 38,8 milhões face ao suplementar. “E isto quando o SNS tem uma falta enorme de profissionais para enfrentar uma pandemia que colocou Portugal nos primeiros lugares dos países com mais infetados e mortes por 100 mil habitantes. E a situação é de tal forma grave que uma equipa médica da Alemanha teve de vir para Portugal com o objetivo de prestar ajuda”, acusa Eugénio Rosa. 

Mas as críticas vão mais longe: “Como se tudo isto já não fosse suficiente, reduz-se a despesa à custa da redução da assistência médica à população”.

O economista critica a carência de investimentos no SNS nos últimos anos, que têm sido “muito inferiores ao necessário”, servindo “só para compensar aquilo que se degrada e se torna obsoleto”. “O que se verificou em 2020 é verdadeiramente inaceitável: dos 438,7 milhões de euros de investimentos previstos no SNS em 2020, apenas se realizaram 262,9 milhões de euros, tendo havido um corte de 40%”.

O especialista diz que estas reduções, bem como a diminuição da assistência médica à população não covid, fazem a contenção do défice. “Para conseguir isso, planeia-se tarde e a más horas, adiam-se decisões fundamentais, mas tudo isto tem um custo elevado em infeções, em vidas, em colapso económico e social, como a experiência dolorosa tem mostrado. A obsessão do défice não pode imperar nesta área num momento tão difícil como o que o país vive”, termina.