O que faz falta

Dir-se-ia que seria bastante o governo ouvir e decidir. Claro, desde que ouvisse bem e decidisse melhor. Só que, manifestamente, não ouve ou desvaloriza e nega evidências.

Por Carlos Encarnação

Esta terceira vaga está a correr muito mal, disse o primeiro-ministro.

E quando se exprime desta forma, verdadeiramente não natural nele, significa ter deixado aquela olímpica máscara de otimismo que tantas confusões atravessou.

Desta vez não há outra saída, tudo chegou a um ponto em que não há forma de disfarçar a realidade.

Mas o problema é ser esta situação herdeira de outras em que a responsabilidade passou entre os pingos da chuva.

Percebe-se ser impossível deixar de reconhecer o erro, a falta de preparação, a ausência do planeamento, a ignorância dos sinais, a oscilação na decisão, a comunicação incerta.

Não o constato por gosto. Preferia não o dizer.

Afinal todos sofremos com isto.

E o que me preocupa mais é a desorientação que se nota.

Reconhecer a magnitude do problema e a incapacidade é bom mas era muito melhor que se notasse uma qualquer substancial modificação dos comportamentos, que se conseguisse transmitir confiança.

Não, não há uma conspiração internacional contra o governo, não há declarações antipatrióticas, não há comportamentos criminosos na apreciação das decisões e dos atos.

Se alguma coisa tem falhado é existir oposição no momento próprio, é a reflexão sobre as alternativas. 

Porque, e aqui tem residido outro erro, a oposição não se cala  por bondade ou intuito de não perturbar para vir a  falar depois do mal feito.

Innerarity recorda que o pluralismo não é uma exigência normativa, é um princípio de racionalidade e que a democracia, mesmo em tempo de crise, precisa da contradita e exige justificação.

Dir-se-ia que seria bastante o governo ouvir e decidir. Claro, desde que ouvisse bem e decidisse melhor.

Só que, manifestamente, não ouve ou desvaloriza e nega evidências.

Quando a maioria dos países mais afetados estava a confinar com rigor, adiou.
Quando a nova estirpe foi descoberta, esperou.

Quando encerrou as escolas, deixou os alunos entregues a  umas férias sem sentido fingindo ignorar o tempo, que será longo, necessário ao confinamento. 

E afirma e nega a própria verdade.

Infelizmente os hospitais demonstram o estado a que tudo isto chegou.

Desgraçadamente entram pelas nossas televisões as notícias mais dramáticas com a perspetiva de nas próximas semanas continuarem.

Pode valer-nos a solidariedade europeia. Os alemães em primeiro lugar, aqueles cujos banqueiros ficariam com as pernas a tremer com a ameaça de Pedro Nuno dos Santos, ou que ainda estarão reservados para comprar parte e salvar a TAP, para valer ao Ícaro dos Santos.

Podem valer-nos as vacinas, apesar dos atrasos e das guerras do fornecimento, mas que nos ajudam com a intervenção da União como um todo e suprem a debilidade do nosso isolamento.

Mas nem aqui temos descanso.

O programa de vacinação tropeça na sua ausência de rigor, na falta da publicidade das listas dos vacinandos prioritários, nos erros da aplicação.

Também aqui falta um programa elaborado  por quem queira ver reconhecida a sua capacidade de ser alternativa.

Não, não são cascas de banana para o Governo. É uma proposta clara em antecipação que inexiste.

E não, não é um Governo de salvação nacional que falta.

É um Governo e uma oposição.