Por que não nabos em frente aos Jerónimos?

Uma plantação de girassóis no campo é, de facto, um espetáculo digno de se apreciar, com o amarelo dominante e os tons de castanho como Van Gogh os pintou para a eternidade. Mas dois hectares no meio da cidade plantados com girassóis é um contrassenso que só inspira quem faz orelhas moucas à justa reivindicação…

Faz uma dúzia de anos, José Sá Fernandes teve a amabilidade de me enviar um girassol de tamanho real mas de plástico com um singelo e bem humorado cartão em que defendia a plantação do dito mas natural em dois hectares de terreno abandonado em Campolide (na Quinta José Pinto) a chegar a Sete Rios. Respondia assim o já então histórico vereador da Câmara de Lisboa responsável pelo pelouro do Ambiente e Espaços Verdes a uma minha crítica à ideia dos girassóis, contra os quais se insurgiram desde logo os moradores da zona, pelos pólenes no ar, pelo anormal consumo de água para a rega e pelo lixo (e fedor) que o vento espalhou pelos arredores quando as plantas secaram e apodreceram sem ninguém que as colhesse.

Na altura, Sá Fernandes dizia que o objetivo era «ter um terreno bonito para as pessoas poderem passear», uma vez que os girassóis, na sua plenitude, criariam um «efeito bonito lá para junho ou julho». Não antecipou o horror que deles resultou meses depois, com o cheiro nauseabundo das plantas podres e os milhares de folhas por todo o lado. E, obviamente, ninguém passeava ali.

Uma plantação de girassóis no campo é, de facto, um espetáculo digno de se apreciar, com o amarelo dominante e os tons de castanho como Van Gogh os pintou para a eternidade. Mas dois hectares no meio da cidade plantados com girassóis é um contrassenso que só inspira quem faz orelhas moucas à justa reivindicação dos cidadãos.

Como é estapafúrdio inventar uma vinha em plena capital, como aquela que confinou a feira do Relógio no antigamente problemático bairro do Camboja. Se for para justificar a ocupação do espaço para evitar o reaparecimento de barracas como cogumelos, até pode ser meritório, mas não haverá outras e melhores formas de o aproveitar?

Já para não falar nas famosas hortas comunitárias de Chelas e outros bairros também tão defendidas por Sá Fernandes, que fazem tanto sentido no meio da cidade ou à beira das vias de circulação rápidas ou de tráfego intenso – bem nutridas por toda a espécie de gases e emissões – como plantar uma ‘taveirada’ junto à linha de água da Ria de Aveiro.

Ou seja, nenhum – e Tomás Taveira tem obras que podem chocar com o gosto ou sentido estético da maioria, mas têm a sua arte (aliás, convenhamos, o centro comercial das Amoreiras, no seu interior, é ainda hoje dos mais agradáveis para se visitar ou usar).

Voltando aos girassóis. José Sá Fernandes lá acabou por perceber que os mesmos, como o trigo ou a cevada – cuja plantação também chegou a enunciar para a mesma Quinta José Pinto em regime de rotatividade com aqueloutros –, não tinham ali cabimento e, aproveitando o pousio, lá nasceu um bonito e aprazível jardim como há muito o tinha planeado o visionário arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, completando o chamado corredor de Monsanto.

Isso, sim, faz todo o sentido.

Vem o exposto a propósito da insistência da Câmara de Lisboa e de José Sá Fernandes na remoção dos brasões florais da Praça do Império, cujas obras de requalificação parecem finalmente prontas a arrancar.

Para os adjudicantes da obra, a Praça do Império deve ser ‘limpa’ desses «símbolos do colonialismo» que são os 30 brasões florais que representaram as armas das capitais de distrito, das antigas colónias ou províncias ultramarinas e das Ordens de Aviz e de Cristo.

Isso mesmo: para os dirigentes da capital portuguesa, como Sá Fernandes, a Praça do Império deve ser despojada dos «símbolos do colonialismo». Foi isso que argumentaram, pese embora agora digam que, afinal, os brasões já não existem há 40 anos e não há qualquer preconceito ideológico.

Pois , pois. Claro que não. Entendemos todos mal.

António Barreto, inclusivé, quando veio afirmar que só falta quererem também mandar abaixo outros símbolos maiores da História do Império, como o Monumento aos Descobrimentos, a Torre de Belém ou até o Mosteiro dos Jerónimos.

Nem sei como ainda não se lembraram de lançar um assalto ao Portugal dos Pequenitos, em Coimbra.

Como salientam os ex-Presidentes da República que se associaram ao movimento contra a remoção dos brasões florais (e só pode remover-se o que lá está e não o que já não existe), Ramalho Eanes e Cavaco Silva, pretender substituir os brasões florais por relvados é um óbvio disparate.

A História não se apaga nem o passado se reescreve com preconceitos ideológicos bacocos, com o derrube de estátuas ou vandalização de esculturas, com livros deitados para a fogueira ou pinturas rasgadas, com a destruição do património e da cultura de um país e de um povo. Para o bem e para o mal.

Antes pelo contrário, só sublinha a mediocridade do presente.