Sílvio Cervan:”O CDS será mais forte se houver menos ruído interno e mais empenhamento”

Vice-presidente do CDS Sílvio Cervan admite que ficou surpreendido com Mesquita Nunes e garante que a crise está ultrapassada.

Sílvio Cervan:”O CDS será mais forte se houver menos ruído interno e mais empenhamento”

 

O último Conselho Nacional do CDS mostrou que o partido está muito dividido. Francisco Rodrigues dos Santos travou a realização de um congresso. Não teria sido melhor clarificar a situação do partido com a realização de um congresso?

Vamos por partes. Eu preferia que não tivesse sido necessário realizar este Conselho Nacional, mas ele transformou-se numa reunião útil perante algumas posições que foram tomadas. Foi um Conselho Nacional muito clarificador e esclarecedor. Respeito as posições diferentes, respeito que possam surgir questões de natureza política mas, com toda a honestidade e sem querer entrar na minha avaliação sobre a qualidade do protagonista escolhido, não era o tempo, não era o modo e não era o método.

Porquê?

O Francisco Rodrigues dos Santos está a cumprir o mandato e precisa de ter condições para cumprir esse mandato dentro daquelas que foram as linhas aprovadas no último congresso.

Ficou surpreendido com a decisão de Adolfo Mesquita Nunes?

Não queria estar a fulanizar a discussão. Fomos todos um bocadinho surpreendidos, porque o próprio protagonista, poucas semanas antes, tinha tido uma posição diferente. Mas já a tomou, já a assumiu e já está resolvido. O assunto está resolvido e está esclarecido. Neste momento, até deu um exemplo que devia ser seguido por todos, porque assumiu um compromisso com a próxima batalha eleitoral que são as autárquicas.

Espera que os críticos desta direção estejam disponíveis?

Os militantes do CDS e os dirigentes do CDS não se distinguem em função dos que criticam e dos que não criticam a direção. Isso não pode perturbar a estima e a consideração que temos uns pelos outros. Isso é o que distingue uma seita de uma instituição com mais de 40 anos como é o CDS. Temos de ter respeito pela nossa história e respeito por uma instituição que tem normas e formas de funcionamento. Não quero fazer uma excessiva dramatização desta questão. Relativamente à questão das autárquicas, não acho que todos tenhamos de ser candidatos e respeito que existam posições diferentes.

Mas como encara este momento difícil que o CDS está a atravessar? São os próprios militantes e deputados do partido que alertam para o risco de o CDS desaparecer.

Quatro dias antes de o CDS ser poder nos Açores tinha sondagens tão fracas como aquelas que nos dão, neste momento, a nível nacional. Se quer que lhe diga, o epitáfio do CDS já foi escrito muitas vezes. O CDS sempre foi um partido útil a Portugal e, cada vez que o CDS se esgota em questões de natureza interna, desgasta-se de uma forma inútil. Sempre que o CDS aposta em ser útil a Portugal é recompensado pelos portugueses. Isso é o que diz a nossa história. Devíamos recuperar um autocolante muito antigo, que se utilizava nas campanhas eleitorais há largas dezenas de anos, que dizia: Portugal conta connosco. Esse autocolante devia ser o mote para o CDS e é o mote para o CDS.

 O aparecimento de novos partidos de direita, como o Chega e a Iniciativa Liberal, está a colocar algumas dificuldades ao partido. Como deve o CDS lidar com estas novas realidades?

Por várias vezes na história aconteceram realidades diferentes em vários espetros ideológicos. A sua qualificação de direita, na minha opinião, viola aquilo que os próprios dizem dessas duas realidades. A Iniciativa Liberal diz que é à direita numas coisas, à esquerda noutras. Recusa esse epíteto e não queria ser eu a dá-lo quando os próprios dizem que não são. Mas não vou negar a existência desses dois partidos. No caso da Iniciativa Liberal, com um voto eminentemente urbano e segmentado, independentemente da qualidade e da capacidade de alguns dos seus protagonistas, é um fenómeno que devemos encarar com atenção, mas com uma dimensão que não me parece merecedora de especial preocupação ou que colida em demasia com aquele que é o nosso espaço político.

E em relação ao Chega…

Já tivemos várias modas unipessoais. A última foi o Marinho e Pinto nas eleições europeias. Já tivemos o PRD… O CDS deve olhar para estes fenómenos de descontentamento, mas não tem de condicionar a sua atividade e a sua atuação política com essas novas realidades. O CDS tem mostrado que é a direita que soma e a direita na qual vale a pena votar. Foi isso que nos mostraram as eleições nos Açores. O CDS soube ir à luta e conseguiu um resultado muito interessante. Aquilo que temos de fazer é construir pontes com o espetro político e partidário institucionalmente aceitável e democrático, a começar pelo PSD, para criar alternativas construtivas e que possam somar, e não dividir.

O CDS tem perdido muitos militantes para o Chega?

É residual. Não tem nenhuma expressão. Saíram do CDS cinco ou seis dirigentes recentemente e aderiram um conjunto de personalidades em número muito superior. É evidente que as saídas causam mais ruído do que as entradas, mas também é evidente que quando há entradas ficamos muito satisfeitos e que as saídas são penalizadoras. Mas não é esse o nosso problema atual nem vai ser esse o nosso problema no futuro.

Tem alguma explicação para o sucesso do Chega e para os mais de 10% de André Ventura nas presidenciais?

São modas que não podem ser transpostas. Esse resultado capitaliza o descontentamento que existe, como o Marinho e Pinto conseguiu capitalizar esse descontentamento na sociedade, há alguns anos, e depois não conseguiu transpor esse resultado para as legislativas. São fenómenos episódicos, passageiros, que não podem comprometer um partido com peso eleitoral e a responsabilidade do CDS.

Acha que o Chega é comparável a Marinho e Pinto e vai ser um fenómeno passageiro?

Não quero entrar em grandes profecias dessa natureza. A história já nos mostrou aquilo que acontece com determinado tipo de fenómenos. Não tenho nenhuma dúvida em dizer que o Chega é uma construção da esquerda e da extrema-esquerda para impedir a direita de chegar ao poder. Disso não tenho nenhuma dúvida. O maior beneficiário da existência do Chega é o Partido Socialista. Os outros beneficiários são os partidos de extrema-esquerda.

Admite uma coligação que envolva o Chega se isso for necessário para a direita voltar ao poder?

O CDS relaciona-se com partidos institucionais e com partidos que respeitam as instituições e a dignidade do seu funcionamento. E, portanto, não queremos uma coligação com o Chega.

É defensor de uma coligação pré-eleitoral entre o PSD e o CDS nas próximas legislativas?

É cedo para falar disso, mas faz todo o sentido que o espaço democrático, institucional e respeitável não socialista dialogue e construa pontes. Fico muito satisfeito que a liderança do Francisco Rodrigues dos Santos tenha mostrado que o CDS é a direita que conta. Ele utiliza esta frase e pratica esta frase. Esse é o maior ativo da liderança do Francisco Rodrigues dos Santos. Fez bem da forma como conduziu nos Açores e fez bem da forma como conduziu as eleições presidenciais. Faz bem em dialogar com o PSD nas atuais eleições autárquicas e fará bem se continuar a fazê-lo para as próximas eleições legislativas.

Mas preferia que os partidos fossem juntos…

Depende daquilo que as circunstâncias na altura ditarem. Não me choca essa possibilidade. Mas não apenas o PSD e o CDS. É preciso bem mais do que isso para se conseguir construir uma solução que possa ser alternativa a este desvario em que vivemos.

Sente que existe alguma disponibilidade de Rui Rio para construir essa solução alternativa?

Não é o tempo. A seguir às eleições autárquicas, todos os partidos
debaterão as suas questões internas, farão as suas clarificações internas… Se me pergunta a minha opinião, posso dizer-lhe que o espaço não socialista deve fazer pontes, deve reorganizar-se e deve somar. Este é o tempo das autárquicas.

Assunção Cristas disse esta semana que não está disponível para voltar a ser candidata à Câmara de Lisboa. Tem pena não seja candidata contra Fernando Medina?

Assunção Cristas, nas últimas eleições autárquicas, teve um excelente resultado. Temos de lhe agradecer esse empenhamento. Esse resultado não foi transposto para as eleições legislativas, porque autárquicas e legislativas são coisas diferentes. Da mesma maneira que a dra. Assunção Cristas soube falar para os lisboetas, há quatro anos, o CDS vai voltar a saber falar para os lisboetas. Fico sempre mais satisfeito quando vejo disponibilidades do que indisponibilidades, mas respeito a posição da dra. Assunção Cristas. As estruturas do partido saberão encontrar e construir uma boa solução.

O CDS prefere concorrer sozinho ou integrar uma coligação com o PSD?

As autárquicas têm 308 realidades, mas o espaço não socialista, quando consegue conversar, é mais útil do que quando não consegue dialogar. Não quero entrar em casos concretos, porque são realidades diferentes.

No Porto, o CDS vai voltar a apoiar Rui Moreira se ele se recandidatar?

Foi assim há quatro anos e julgo que, até ao momento, tem corrido bem. Não era delicado da minha parte estar a antecipar uma posição. Precisamos de ter essa confirmação para poder colocar essa realidade em cima da mesa. A minha posição pessoal é que Rui Moreira tem sido um bom presidente de câmara. Mas isto é um elogio estritamente pessoal de alguém que vive na cidade do Porto.

Julga que as autárquicas podem ser um momento de viragem para a direita, como aconteceu no passado?

Vejo claramente uma oportunidade para que possa haver uma melhoria do panorama político.

Como vê a atuação do Governo no combate à pandemia?

O país fez bem naquilo que dependia do improviso e da inspiração. O Governo fez mal tudo aquilo que dependia do planeamento e da organização. O país tomou as medidas corretas em março e abril perante uma situação que era completamente nova, mas têm sido cometidos muitos erros naquilo que depende da organização e da planificação. Quer o CDS quer o PSD têm dado uma grande lição, com sentido de Estado, para não prejudicar a resposta à pandemia. Mas, sinceramente, o passado recente tem mostrado erros atrás de erros. Assistimos a uma atuação completamente errática por parte do Governo, não só ao nível da saúde como ao nível das consequências da pandemia noutras atividades. Veja-se, por exemplo, que a capacidade que este Governo tem para pagar a Web Summit é inversamente proporcional à capacidade que tem para disponibilizar computadores para os alunos poderem ter ensino à distância. Isto era caricato se não fosse triste.

O último Orçamento do Estado foi viabilizado apenas com um dos parceiros do Partido Socialista. Esta pandemia pode provocar uma crise política?

Prevejo uma crise económica e social. Não tenho nenhuma dúvida. As consequências para a economia vão ser devastadoras. É preciso dizer a verdade aos portugueses, porque as despesas de hoje são os impostos de amanhã. Temos de ter capacidade para responder a esta crise económica, financeira e social. Mas só a Catarina Martins e o Jerónimo de Sousa podem responder-lhe a essa questão.

O CDS apoiou Marcelo Rebelo de Sousa, que foi reeleito com um resultado confortável. Tem alguma expetativa em relação a este segundo mandato, depois de o Presidente da República ter sido muito criticado à direita por apoiar o Governo socialista?

Apoiei e votei no prof. Marcelo Rebelo de Sousa de forma convicta. Dentro do meu partido bati-me para que o CDS apoiasse o prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Há muitas coisas em relação ao primeiro mandato que preferia que tivessem sido feitas de forma diferente, mas o prof. Marcelo Rebelo de Sousa foi um bom Presidente da República. Não tem de ser um chefe de Estado para agradar ao CDS ou ao PSD, mas tem de ter uma atuação que represente bem Portugal e é isso que acontece. Quem ganhou as eleições foi ele próprio. O resultado deve-se a ele próprio, mas isso não significa que partidos como o CDS não tenham ficado satisfeitos. Às vezes parece que quem ganhou foram aqueles que lutaram com o Tino de Rans até à uma da manhã na noite das eleições.

Mas espera que seja mais exigente com o Governo socialista?

Ele tem sido exigente e vai continuar a ser exigente. Os momentos é que podem ser mais difíceis. A Presidência da República teve critérios de exigência no episódio com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e neste episódio totalmente lastimável com o procurador europeu José Guerra.

Embora o ministro Eduardo Cabrita continue em funções…

Sim, mas foi um episódio grave e a questão do Ministério da Justiça é gravíssima. Faz ruir tudo aquilo que são as bases da nossa credibilidade, do nosso institucionalismo e da nossa forma de funcionar. Só a pandemia pode fazer aligeirar um caso com esta gravidade.

Marcelo Rebelo de Sousa diz muitas vezes que é preciso que exista uma alternativa forte a este Governo. Essa alternativa já existe?

Esse caminho está a ser percorrido. Por isso é que lhe digo que o Francisco Rodrigues dos Santos atuou bem na gestão da questão dos Açores e esteve bem ao estabelecer com a direção do PSD pontes para estas autárquicas. E está bem ao abrir todas as portas quer com a sociedade portuguesa, quer com outros partidos democráticos, para construir uma alternativa credível. O_CDS tem de ser esta casa comum da direita portuguesa. Esse trabalho está a ser feito e o CDS será mais forte e mais audível se houver menos ruído interno e mais empenhamento interno. Por isso é que acredito que o último Conselho Nacional foi um ponto final e um virar de página.

A direção do partido tenciona dialogar mais com os chamados críticos de Rodrigues dos Santos?

O Conselho Estratégico, com pessoas que estavam afastadas da vida política, é já um sinal, mas esta direção quer falar com todos aqueles que quiserem com ela falar. O CDS tem de voltar a ser um polo de atração onde as pessoas se sintam bem a fazer política. A questão, neste momento, é que temos pela frente um desafio diferente. Estamos a enfrentar uma pandemia e temos um Governo apoiado pela extrema-esquerda que exige que tenhamos capacidade para fazer pontes. Esse é o desafio do partido. Temos de fazer pontes com a sociedade civil, mas também saber falar com outras instituições democráticas e respeitadoras das nossas regras de funcionamento.

O PS continua com bons resultados nas sondagens, apesar da pandemia e das dificuldades que muitos portugueses estão a atravessar. Tem alguma explicação?

Os portugueses estão, neste momento, apenas preocupados com a sua saúde e a sua vida. Os portugueses estão confinados e estão aterrorizados, e com razão. As consequências desta pandemia a nível económico e social vão precisar de uma resposta. O_CDS tem de estar na liderança dessa resposta. Tem de conseguir atrair os melhores e os mais competentes para responder a essa situação que vamos viver. Neste momento, acho que os portugueses estão cansados, mas essencialmente preocupados com a vida e a saúde.

Francisco Rodrigues dos Santos chegou à liderança do CDS no início da pandemia. Isso prejudicou a dificuldade de afirmação desta liderança?

Seria desonesto não dizer que cinco semanas depois de Francisco Rodrigues dos Santos ter sido eleito presidente do partido se abateu uma pandemia sobre Portugal. É evidente que para um líder jovem, que não era conhecido no grande público, isso foi uma fortíssima limitação. Não perceber isso é de uma desonestidade intelectual que não acompanho, mas temos de saber lutar contra as variáveis que não controlamos. Acredito que o CDS, apesar destes constrangimentos, vai conseguir estar à altura dos acontecimentos. A história mostra que o CDS tem capacidade para se revigorar nos momentos difíceis. O instinto de utilidade e de sobrevivência do CDS mostra-se de uma forma mais audaz e mais corajosa nos momentos mais difíceis da nossa história.