Estado complacente, Estado cirúrgico!

O que fazer aos que indevidamente tomaram a vacina? Dar a segunda dose parece ser inquestionável que terá de ser dada. Mas será que nesta sociedade os atos de ‘chico-espertice’ em temas tão sérios como este ficam impunes? 

1. Começou o Programa Nacional de Vacinação contra a covid-19 e, inopinadamente, fomos todos surpreendidos com notícias diárias de pessoas a serem indevidamente vacinadas, por não reunirem as condições para serem inseridos nos grupos definidos como prioritários. O ‘esquema’ consistia em aproveitar as designadas ‘sobras’ que estavam por regulamentar de forma clara como resolver, o que é sempre muito conveniente. Entre eles, para meu espanto, diversos titulares de cargos públicos, como autarcas e outros.

Este tema da vacinação envolve um complexo planeamento logístico e a temática das sobras, dado exíguo prazo de validade das vacinas depois de abertas, obrigando a um cuidado extremo para evitar o desperdício e garantir a utilização no grupo dos prioritários. Ou seja, fosse quem fosse o coordenador nomeado, teria de pragmaticamente abordar a questão devendo antecipar a ‘criatividade lusitana’, sempre na espreita de retirar benefícios de situações dúbias – nem que fosse copiar modelos estabelecidos noutros países.

Infelizmente constatámos que o responsável designado para o efeito, pessoa com vasta experiência na Saúde Pública, talvez demasiado preocupado com as eleições presidenciais e os votos em Ventura, não terá produzido instruções claras e inequívocas. Ao referir o óbvio, ou seja, que «as sobras devem ser aplicadas igualmente a quem tem prioridade», não obrigou as entidades a ministrar as vacinas a detalhados trabalhos de planeamento para assegurar que assim fosse.

Assim chegámos à triste realidade que conhecemos, com exceções que causaram indignação e espanto social. Isto é passado, esperemos que o novo responsável aperte a malha como prometeu, subsistindo uma questão por resolver: o que fazer aos que indevidamente tomaram a vacina? Dar a segunda dose parece ser inquestionável que terá de ser dada. 

Mas será que nesta sociedade os atos de ‘chico-espertice’ em temas tão sérios como este ficam impunes? Quando esta situação envolve titulares de cargos públicos, será que o Governo e partidos políticos irão ser complacentes com esta indecência, por omissão de medidas punitivas?

Li que o PSD propôs a pena de prisão ou multa para estes ‘atrevidos’, mas não me parece exequível. Parece-me mais lógica uma medida muito simples, pelo menos para esses titulares de cargos públicos que permitiram ou fomentaram (até com benefício próprio) estas situações: levantamento de processos por ‘abuso de confiança’ conducentes à sua destituição. Gente assim que se aproveita do lugar público que circunstancialmente ocupa e se revela incapaz de dar o exemplo não merece estar nesses cargos.

2. A TAP foi declarada em «situação económica difícil» e passa por um processo doloroso que visa a sua sobrevivência a prazo. Neste processo que envolve injeções de capital e/ou avales para concessão de empréstimos, registamos que todos os sindicatos assinaram ou irão assinar os ‘acordos de emergência’ (até 2024?) que substituem os que estavam em vigor nos últimos anos. 

O plano apresentado em Bruxelas para a viabilização da TAP e ainda em apreciação, nomeadamente sobre se o nível dos custos a atingir permite futuros cash-flows positivos, prevê reduções salariais e saídas de pessoal (seja por mútuo acordo, reformas antecipadas ou licenças sem vencimento), entre outras medidas cirúrgicas de natureza operacional ou financeiras como a suspensão da progressão de carreiras e pagamento de anuidades. Sobre o direito à greve ficou tudo muito ambíguo.

Onde quero chegar? Muito simples: a TAP é maioritariamente uma empresa do Estado e tem um problema económico, tal como o Estado tem, com uma dívida pública de Eur 270 MM e a atingir 133,8% do PIB e com uma quebra do PIB em 2020 de 7,6%. Mas infelizmente, com problemas idênticos, este Governo, tão pragmático a submeter a TAP a tantos cortes cirúrgicos para garantir a sua viabilidade, recusa-se a considerar fazer uma reforma do próprio Estado, tão indispensável quanto urgente.

Ah, já me esquecia… o papel fundamental do ministro Pedro Nuno Santos para o resultado destas negociações na TAP, comprovando que a esquerda também sabe ser pragmática, como a troika foi em 2011 quando chegou a Portugal. Mas fosse um Governo de direita ou mesmo PS/PSD, seria possível este acordo com os sindicatos? Ou teríamos uma greve geral, a paralisação completa dos transportes em solidariedade com a TAP e sei lá que mais?
Sinceramente, para terminar, gostaria de ter a convicção que a TAP tem futuro (a minha companhia de aviação que sempre privilegiei). Para isso, teria de saber se o Plano de Recuperação considera a visão pessimista dos impactos futuros do pós-pandemia no mercado da aviação. Só para dar um cheirinho: haverá mesmo necessidade de viagens de trabalho a alimentar as companhias aéreas quando as videoconferências resolvem tão bem a necessidade das reuniões?