Cabelo à garçonne

O grande equívoco do feminismo foi ter dado o salto da igualdade entre direitos e deveres para a indiferenciação entre homens e mulheres

Um dia uma rapariga decidiu cortar o cabelo curto. Outras raparigas acharam graça e o corte tornou-se moda. Deram-lhe até um nome: corte de cabelo à garçonne, o que quereria mais ou menos dizer à maria-rapaz. E assim muitas raparigas foram abandonando as longas cabeleiras, que davam muito trabalho, trocando-as por cabelos curtos, muito mais fáceis de lavar e pentear. 

Noutro dia uma rapariga interrogou-se: por que razão os homens usam calças e as mulheres usam saias? Não é verdade que as saias, além de menos práticas, são mais indiscretas, obrigando as mulheres a uma atenção constante para não mostrarem mais do que devem? E além disso, por que haverão as mulheres de mostrar parte das pernas, enquanto os homens as mantêm cobertas? E assim muitas mulheres começaram a usar calças.
E com a troca das saias pelas calças, ficaram em causa os vestidos. Ainda se ensaiaram uns modelos com calça e casaco cintado, a realçar a silhueta, mas não pegaram. E assim se chegou à conclusão de que o mais prático era as senhoras usarem blazers, como os homens: casacos direitos, abotoados à frente. E as mulheres começaram também a vestir blazers.

Ora, de cabelo curto, calças compridas e blazers, as mulheres começavam a confundir-se perigosamente com os homens…

Mas não era tudo. A questão seguinte relacionou-se com os sapatos. A verdade é que os sapatos de salto alto eram incómodos, às vezes perigosos – porque os saltos ficavam presos nos intervalos das pedras das calçadas – e além disso, como se começou a dizer, faziam mal à coluna. Por que razão não haveriam as mulheres de, tal como os homens, usar sapatos rasos, muito mais seguros e confortáveis? E assim os saltos altos foram sendo abandonados. E mais tarde até surgiram as sapatilhas, que rapidamente se impuseram, com modelos unissexo para mulheres e homens. 

E nos acessórios deu-se um fenómeno semelhante, embora a aproximação se tenha feito ao contrário. Por que razão haveriam os acessórios como os brincos, colares, pulseiras, etc., estar reservados às mulheres? E enquanto algumas se despojaram deles, pela sua carga ‘sexista’, muitos homens adotaram-nos, pondo brincos nas orelhas, colares ao pescoço, pulseiras nos pulsos e até bandoletes no cabelo.
Suprimidas as longas cabeleiras em favor dos cortes curtos, adotadas as calças compridas e os blazers, vestidas as sapatilhas, democratizados os acessórios, outras questões começaram a levantar-se. Por que haveriam as mulheres de depilar as pernas e as axilas, enquanto os homens continuavam a ter pelos em todo o corpo? Ainda houve mulheres que deixaram crescer os pelos, mas a moda não pegou. E foram então os homens que, à semelhança dos acessórios de vestuário, decidiram aproximar-se das mulheres e começar a depilar-se. No peito, debaixo dos braços, nas pernas. E a estes homens que assumiram cuidados especiais com o corpo até se deu um nome – metrossexuais –, relegando os outros para uma categoria inferior, próxima dos símios. 

Claro que atrás da depilação vieram outros cuidados corporais, como os perfumes, os cremes para o cabelo e para a pele, os amaciadores, etc., que antes estavam reservados às mulheres. 

E por falar em preocupações com a pele, quando a moda das tatuagens chegou em força homens e mulheres aderiram e ela indiferenciadamente. Aquilo que antes era um exclusivo do sexo masculino e das classes baixas – do lumpen-proletariado que trabalhava nas docas ou nos soldados que iam para a guerra – foi abraçado entusiasticamente por homens e mulheres de todas as classes.

Neste processo de indiferenciação dos sexos, as tarefas domésticas não poderiam ficar de fora. Deixou de haver divisão de tarefas no lar. Não havia razão alguma para as mulheres terem de tratar dos filhos e de fazer a comida. Muitas delas puseram então os pés à parede e muitos homens tiveram de se dedicar a esses trabalhos dentro de casa. E não só dentro de casa. Nas casas de banho públicas as empresas foram intimadas a pôr fraldários nas casas de banho dos homens, que antes estavam circunscritos às casas de banho das mulheres. 

E com as profissões e atividades passou-se naturalmente o mesmo. Por que haveriam as mulheres de ser assistentes sociais ou professoras, e os homens de ser engenheiros ou arquitetos? 

E por que haveriam os homens de jogar futebol ou praticar boxe e as mulheres não? Incrementou-se o futebol feminino e as várias modalidades de boxe foram abertas às mulheres. E já não faltará muito para que as equipas de futebol não sejam mistas, com quotas obrigatórias para as mulheres. E quem fala de futebol fala de todas as outras modalidades. Deixará de haver «provas femininas» e «provas masculinas» para haver provas abertas a todos – mulheres e homens.

É óbvio que todo este processo de indiferenciação tinha de ter o seu corolário legal. Não fazia sentido que se continuasse a falar de «sexo masculino» e «sexo feminino», como no passado. E então a palavra «sexo» foi abolida e substituída por «género», que é mais indefinida. As pessoas já não têm «sexo», têm «género». Também já não é de bom-tom chamar «mulher» a uma mulher e «homem» a um homem. Deve dizer-se do «género feminino» ou do «género masculino».

Até porque, através de uma simples operação, pode passar-se de um «género» a outro com a maior das facilidades.
Em alguns países as pessoas deixaram mesmo de nascer com sexo atribuído. A biologia deixou de importar: os seres humanos podem escolher o sexo à la carte. Quando chegar a altura, dizem se querem ser homens ou mulheres, homossexuais ou heterossexuais, e por aí fora.

O mundo mudou. Já lá vai o tempo em que os homens eram façanhudos e barbudos, e as mulheres frágeis e airosas.

Hoje vemos homens enfezados e efeminados, e mulheres fortes e másculas.

O feminismo começou por reivindicar a igualdade de direitos entre mulheres e homens – e acabou a defender a igualdade tout court. Ou seja: homens e mulheres já não devem ser iguais apenas em direitos e deveres – devem ser iguais em tudo, ao ponto de deixar de haver diferenciação.

E este foi o grande erro do feminismo. A igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres era um avanço civilizacional. A indiferenciação entre homens e mulheres, que já não se distinguem no vestuário, nem no trabalho, nem na posição na família, nem no comportamento, nem no modo de pensar, nem em nada, é uma aberração.